A Itália, que precisava aplicar na Noruega uma goleada absurda de nove gols de vantagem para ficar com a vaga direta do Grupo I das Eliminatórias Europeias para a Copa do Mundo, terminou a noite vivendo justamente o oposto: uma humilhação histórica em San Siro, que a empurrou para a repescagem em clima de velório. O 4 a 1 imposto pelos escandinavos vai ecoar ao menos até março de 2026, quando os azzurri voltarão a campo para evitar um desastre ainda maior – ficar fora de três Mundiais seguidos.
A primeira derrota da gestão de Gennaro Gattuso foi devastadora em dimensões simbólicas e estatísticas. Nunca a Nazionale havia perdido de forma tão pesada em Milão, palco de tantas noites de autoridade; o estádio em que os azzurri caíram pela primeira vez somente em 2021 se tornou palco de quatro derrotas em poucos anos. Pior: a Itália não sofria quatro gols em casa desde 1955, contra a Iugoslávia, e jamais havia sido derrotada pelo mesmo adversário dentro e fora de casa em uma mesma campanha de Eliminatórias. Não à toa, deixou o campo vaiada, e o técnico disse que todos tinham que pedir desculpas à torcida.
O cenário já era dramático antes do apito inicial – a missão matemática, praticamente uma fantasia. Ainda assim, esperava-se um gesto de dignidade, uma atuação que reforçasse minimamente a confiança antes da repescagem. O que o San Siro viu, porém, foi uma noite traumática, em que a Noruega explorou fragilidades técnicas, desordem emocional e um time cada vez mais escancarado no segundo tempo, desmontando a Itália no contra-ataque e transformando o jogo em um capítulo incômodo da história recente dos azzurri.
Curiosamente, a partida começou com sinais promissores. Aos 7 minutos, Dimarco recebeu cruzamento de Di Lorenzo e pegou de primeira, mandando para fora com perigo. A Itália pressionava alto, ocupava o campo adversário e ditava o ritmo. O gol parecia uma questão de tempo – e veio cedo: aos 11, o ala canhoto da Inter encontrou Esposito, seu companheiro de clube, que fez bem o pivô e finalizou rasteiro no centro do gol, abrindo o placar com um arremate que passou por entre as pernas de Nyland. Foi o primeiro tento do atacante em San Siro. O nerazzurro também se tornou o quarto mais novo a anotar três vezes pela Nazionale, depois de Meazza, Corso e Rivera.
As inversões de jogo italianas funcionavam, a circulação de bola era boa e os cruzamentos apareciam com constância. Mas, aos 16, Locatelli finalizou muito mal; e, aos 30, Nusa respondeu com um chute de longe que assustou Donnarumma. A oportunidade de ouro para ampliar surgiu aos 36, quando Dimarco cruzou na medida e Esposito cabeceou para fora. A Itália tinha o domínio, mas não era capaz de desferir um golpe que encaminharia sua vitória – e pagaria o preço por isso.
A volta do intervalo escancarou a mudança de cenário. A Noruega se mostrou, de cara, mais ousada, mais intensa e mais vertical. Logo aos 46, Sørloth bateu firme, mas para fora. No lance seguinte, Locatelli obrigou Nyland a fazer uma defesa segura. O atacante escandinavo voltou a ameaçar aos 48 e, aos 49, um cruzamento venenoso dos visitantes quase virou gol por acidente.
Definitivamente, a temperatura do jogo que havia mudado e a pressão nórdica aumentou. Aos 53, Ryerson, com seu cabelo pintado como estampa de oncinha, arriscou de longe e levou perigo. A Itália ainda tentou responder quando Barella cruzou e Bastoni cabeceou para fora, aos 57, mas a sensação era clara: o controle da partida tinha mudado de lado.
A virada começou a se desenhar aos 64, quando Nusa recebeu após uma leitura equivocada de Di Lorenzo, deixou a defesa para trás e, observado de longe por Frattesi, empatou o jogo. O silêncio do San Siro foi imediato. E poderia ter piorado rápido: aos 72, o próprio jogador do RB Leipzig obrigou Donnarumma a fazer uma defesa monumental. A Itália tentou retomar o eixo aos 73, com Dimarco parando em Nyland, e aos 74, com um cabeceio torto de Esposito, mas a partida já tinha outra direção.

Contra uma defesa que não sabe se defender, o até então sumido Haaland fez a festa – e dois gols (AFP/Getty)
Aos 78, veio o golpe que mudou tudo: só observado por um tétrico Di Lorenzo, Bobb cruzou com precisão cirúrgica e Haaland, de primeira, virou a partida – até então, o atacante estava sumido e bem contido por Mancini. Um minuto depois, Thorsby aproveitou erro crasso de Bastoni na saída de bola e acionou o centroavante do Manchester City, que se antecipou a Di Lorenzo, bateu rasteiro e ampliou para a Noruega com sua doppietta.
A Itália tentou reagir no desespero. Politano quase marcou aos 81; Scamacca girou bem aos 84; Retegui cabeceou para fora aos 85. Mas já não havia estrutura, confiança ou ordem tática. Só um vazio crescente. E a noite ainda guardava sua ferida final. Aos 92, em mais um contra-ataque, Strand Larsen deixou Mancini na saudade e finalizou no canto direito para fazer 4 a 1 e sacramentar a pior derrota da Itália em San Siro em toda a história.
O desastre foi completo. A Itália abriu o placar, parecia controlar o jogo e, ainda assim, se dissolveu física, mental e taticamente. A Noruega venceu duelos, ganhou metros, atacou com clareza e expôs fragilidades que se tornaram rotina nos últimos anos e que, na gestão de Gattuso, ficaram óbvias: apesar das vitórias até então, o time nunca soube se defender e os quatro gols sofridos no duelo com Israel já haviam evidenciado isso. Nusa e Haaland dominaram o segundo tempo e transformaram uma noite de esperança mínima em uma humilhação.
A goleada não apenas extinguiu qualquer fantasia de vaga direta: empurrou a Nazionale para a repescagem – a terceira seguida – com dúvidas profundas e fantasmas muito reais. Depois de 2018 e 2022, o país volta a conviver com a pergunta que ninguém ousa fazer em voz alta, mas que agora é inevitável: a Itália corre o risco concreto de ficar fora da Copa do Mundo pela terceira vez consecutiva? O futebol mostrado em San Siro diz que sim. E isso é, por si só, alarmante.

