Não era qualquer um que fazia por merecer um apelido dado por Gianni Brera, considerado por muitos como o maior jornalista esportivo italiano. Volante da Inter nos anos 1970 e 1980, Gianpiero Marini foi um dos que ganharam a atenção do escriba e acabou sendo apelidado como “Pinna d’Oro” – ou, em português “estabilizador de ouro” – por sua capacidade de controlar o jogo no meio-campo. Além de se destacar pela Beneamata, o lombardo também fez parte do elenco italiano que foi tricampeão mundial em 1982.
Gianpiero é de Lodi, cidade localizada a cerca de 35 km de Milão, e começou sua carreira futebolística em sua comuna natal. Nascido em fevereiro de 1951, o garoto passou por duas escolinhas até ser contratado pelo Fanfulla, o clube mais importante de sua província – e que, nos idos de 1967, estava apenas na Serie D. Marini chegou ao clube com 16 anos, concluiu sua formação e estreou profissionalmente pelos bianconeri em janeiro de 1969. Depois de 10 partidas, foi adquirido pelo Varese, recém-rebaixado para a segundona italiana.
Marini ficou um ano e meio no Varese, mas atuou apenas pelos juvenis, sem conseguir espaço no time de cima. Quando os biancorossi já estavam na elite, em janeiro de 1971, o volante foi cedido à Reggina, clube que ajudou a ficar com a oitava colocação da Serie B. Ao fim da temporada, Gianpiero foi emprestado novamente, dessa vez à Triestina, da quarta categoria. Na agremiação alabardata, encontrou espaço de vez: fez 25 partidas e quatro gols na campanha do acesso à Serie C. Chegava, então, a hora de retornar ao Varese.
Quando Marini voltou à Lombardia, os bosini viviam momento idêntico ao de sua contratação, já que acabavam de amargar o rebaixamento à Serie B. O retorno de empréstimo de jogadores como Gianpiero, o defensor Claudio Gentile e o atacante Egidio Calloni foi a solução encontrada pela diretoria varesina para reforçar um elenco que perdera o zagueiro Giorgio Morini (vendido à Roma), o volante Giovanni Trapattoni (aposentado) e o centroavante Ariedo Braida (negociado com o Cesena). Para comandar o time, outro jovem, que fora ícone do clube como atleta: teria sua primeira experiência como técnico o ex-beque Pietro Maroso, irmão de Virgilio Maroso, um dos jogadores do Grande Torino mortos na Tragédia de Superga.
A experiência proposta pelo presidente Guido Borghi deu certo. No primeiro ano, o Varese chegou a brigar pelo acesso, mas só subiria mesmo em 1974. O pequeno time lombardo acabou conquistando apenas três vitórias na elite e segurou a lanterna naquela campanha que marcou a sua última participação na Serie A até hoje. Contudo, Maroso foi capaz de valorizar seus atletas: Gentile foi vendido à Juventus em 1973, Calloni saiu para o Milan no ano seguinte e, após estrear na primeira categoria, foi a vez de Marini rumar a um gigante. Após 97 partidas pelos biancorossi, Gianpiero, aos 24 anos, reforçava a Inter.
No verão de 1975, a Inter estava em transição. A Beneamata havia conseguido apenas um nono lugar com Luis Suárez e, por isso, o presidente Ivanoe Fraizzoli contratou o técnico Giuseppe Chiappella, que tinha no currículo trabalhos sólidos por Fiorentina e Napoli. Beppe armou um meio-campo de muita pegada, com Marini, Gabriele Oriali e Mario Bertini, e conseguiu melhorar os resultados do time: os nerazzurri tiveram uma das defesas mais fortes do campeonato, ficaram na quarta posição da Serie A e voltaram às competições europeias. Naquela temporada, o novo contratado também marcou o seu primeiro gol pelo clube: de cabeça, em derrota por 2 a 1 para o Milan.
Gianpiero se consolidou na Inter e, em 1976-77, voltou a fazer gols em jogos importantes – contra Milan, Lazio (duas vezes) e Roma. O time de Chiappella ficou novamente na quarta posição da Serie A e foi vice-campeão da Coppa Italia, perdendo para o seu grande rival lombardo. Com isso, Fraizzoli demitiu o técnico e contratou Eugenio Bersellini, que levou Marini a um patamar de futebol mais elevado.
Ao mesmo tempo que o Sargento de Ferro aportava em Milão, o veterano Bertini deixava a capital da Lombardia para se aposentar no Rimini. Essa transferência fez com que Marini ganhasse importância para o funcionamento do time, devido a seu papel de liderança no elenco e por receber mais atribuições defensivas. Em 1977-78, Pinna d’Oro acabaria sendo um dos pilares da equipe que faturou a Coppa Italia, com triunfo sobre o Napoli na decisão.
Equilibrando o meio-campo, lutando por todas as bolas e segurando as pontas com Oriali e o goleiro Ivano Bordon, Marini permitiu que pratas da casa interistas, como os defensores Graziano Bini, Giuseppe Baresi e Giuseppe Bergomi, ganhassem experiência e espaço ao longo do fim da década de 1970 e início da seguinte. Mais à frente, o meia-atacante Evaristo Beccalossi e o centroavante Alessandro Altobelli, contratados junto ao Brescia, decolassem. Essa foi – com exceção de Bergomi – a espinha dorsal da equipe que se sagraria campeã italiana em 1980.
Depois de contribuir para a conquista do 12º scudetto da Inter, Pinna d’Oro, aos 29 anos, recebeu suas primeiras oportunidades na seleção italiana. Enzo Bearzot conduzia um projeto de renovação da Nazionale, mas não se furtou a dar uma chance àquele volante que tanto se destacava com a camisa nerazzurra. Entre novembro e dezembro de 1980, então, Marini atuou como titular em seus três primeiros jogos, contra Dinamarca, Iugoslávia e Grécia – todos válidos pelas Eliminatórias da Copa de 1982. Convenceu e não saiu mais do time.
No biênio preparatório para o Mundial, o volante manteve o alto nível pela Inter. A equipe fez apenas campanhas razoáveis na Serie A, mas foi bem nas competições de mata-mata: foi semifinalista da Copa dos Campeões, caindo para o Real Madrid em 1981, e venceu a Coppa Italia no ano seguinte. Com esse cabedal, Gianpiero foi para a Espanha com status de titular da Itália.
Marini não começou a Copa do Mundo da melhor forma: logo nos primeiros segundos do jogo contra a Polônia, levou um cartão amarelo. Os azzurri empataram em 0 a 0 e, no jogo seguinte, contra o Peru, também ficaram na paridade: após inaugurarem o placar, levaram uma enorme pressão dos sul-americanos e foram vazados no fim da partida. Insatisfeito com a postura do meio-campo na segunda rodada do Grupo 1, Bearzot acabou sacando Gianpiero do time e promoveu Oriali como titular. A Itália voltou a empatar, dessa vez com Camarões, mas se classificou por ter marcado um número de gols superior ao dos Leões Indomáveis.
O volante lodigiano entrou em campo outras três vezes na competição. Contra Argentina e Brasil, no triangular que definia os semifinalistas, substituiu Oriali aos 75 minutos de jogo e ajudou a Itália a garantir os triunfos. Já na semifinal, contra a Polônia, entrou no lugar do lesionado Giancarlo Antognoni, ainda na etapa inicial, e fez um bom papel no triunfo por 2 a 0. O camisa 11 ficou no banco na final contra a Alemanha Ocidental e, assim que Arnaldo Cézar Coelho soprou o apito pela última vez no Santiago Bernabéu, pode comemorar a conquista do tricampeonato mundial.
Gianpiero continuou a representar a Itália por mais um ano e, em abril de 1983, fez a sua última partida pela Squadra Azzurra: derrota por 1 a 0 para a Romênia, nas Eliminatórias para a Eurocopa de 1984. Aos 32 anos, passava a se dedicar apenas à Inter, que não era páreo para Juventus e Roma nos primeiros anos daquela década.
Até 1986, a Beneamata passou por muitas turbulências internas, com trocas constantes de treinadores e até mudança na presidência. Depois que Bersellini rumou ao Torino, em 1982, a Inter teve um técnico a cada temporada: Rino Marchesi (1982-83), Luigi Radice (1983-84), Ilario Castagner (1984-85 e parte de 1985-86) e Mario Corso (1985-86). Em março de 1984, o presidente Fraizzoli também sacramentou a venda do clube para Ernesto Pellegrini. Nesse cenário, a melhor campanha ocorreu em 1984-85, com a terceira posição na Serie A e as eliminações nas semifinais da Copa Uefa e da Coppa Italia.
Quando as intempéries perturbavam a Inter, Marini fazia valer o seu epíteto: era mesmo um estabilizador de ouro. A situação poderia ter sido pior naqueles anos, não fosse a serenidade do volante. Gianpiero manteve o posto de titular até 1985. Em 1985-86, sua última temporada como profissional, faria apenas nove partidas, sendo duas pela Serie A, quatro pela Coppa Italia e três pela Copa Uefa. No total, Pinna d’Oro fez 375 jogos e 13 gols pela equipe nerazzurra.
Logo após pendurar as chuteiras, Marini se tornou treinador da equipe sub-19 da Inter e chegou a ser campeão da categoria Primavera em 1989. Em fevereiro de 1994, Gianpiero foi convocado para ser o estabilizador do time principal, que não decolava com Osvaldo Bagnoli e vivia uma crise daquelas. Na Serie A, o desempenho do ex-volante foi pífio: foram apenas 6 pontos em 24 possíveis (aproveitamento de 25%), que levaram a Beneamata a concluir a temporada com a pior campanha de sua história nos pontos corridos. A equipe ficou na 13ª posição, apenas um ponto acima da zona de rebaixamento. A salvação, inclusive, só foi obtida na penúltima rodada.
Só que a Inter estava viva na Copa Uefa, onde a situação era totalmente diferente. Marini assumiu a equipe entre as oitavas e as quartas de final e contou com ótimas atuações de Nicola Berti e dos holandeses Wim Jonk e Dennis Bergkamp para conseguir um título improvável. Os nerazzurri passaram por Borussia Dortmund e Cagliari antes de vencerem o Casino Salzburg nas duas partidas da decisão. Apesar da conquista do título europeu, a fraca campanha em solo nacional foi preponderante para que a diretoria não renovasse o contrato com o interino Gianpiero.
Marini passou dois anos e meio parado e, depois disso, só dirigiu times das categorias inferiores. Teve duas passagens pelo Como, na Serie C1, e foi campeão da Coppa Italia da categoria pelos lariani, em 1997. Pinna d’Oro também tirou a Cremonese da terceirona, mas foi demitido após um fraco desempenho no primeiro turno da Serie B 1998-99, que acabaria culminando no rebaixamento grigiorosso. O lombardo também dirigiu a B Itália, seleção sub-21 de jogadores italianos vinculados a clubes da segundona.
Em 2001, Marini se afastou do futebol para se dedicar a uma antiga paixão: o mercado financeiro. Em seus tempos como atleta, Gianpiero era conhecido por estudar gráficos e índices da bolsa de valores nos intervalos dos treinamentos. O aprendizado rendeu frutos e levou o ex-volante a se tornar um broker, profissional responsável por intermediar negociações e operações de um ativo. De certa forma, uma atividade condizente com o seu papel de estabilizador dentro dos campos de futebol.
Gianpiero Marini
Nascimento: 25 de fevereiro de 1951, em Lodi, Itália
Posição: volante
Clubes: Fanfulla (1968-69), Varese (1969-70 e 1972-75), Reggina (1971), Triestina (1971-72) e Inter (1975-86)
Títulos: Serie B (1970 e 1974), Serie D (1972), Coppa Italia (1978 e 1982), Serie A (1980) e Copa do Mundo (1982)
Carreira como treinador: Inter (1994), Como (1997 e 1999-2000), Cremonese (1997-99) e B Itália (2001)
Títulos como treinador: Copa Uefa (1994) e Coppa Italia Serie C (1997)
Seleção italiana: 20 jogos