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Meia voluntarioso, Eusebio Di Francesco foi campeão italiano pela Roma

Como atleta e treinador, Eusebio Di Francesco construiu trajetórias similares. Em ambas as funções, o abruzês precisou se empenhar numa escalada difícil até se aproximar do topo: nos dois caminhos, perambulou pelas províncias e alcançou o ápice na capital. DiFra, como foi apelidado, integrou o elenco da Roma que faturou o terceiro scudetto da agremiação, em 2001, e, no comando dos giallorossi, foi semifinalista da Champions League, em 2018.

Nascido em Pescara e batizado em homenagem ao craque português Eusébio, Di Francesco teve de ir morar longe de casa para realizar o sonho de ser um futebolista. DiFra deixou os Abruzos aos 15 anos e, na Toscana, concluiu sua formação como jogador – o fez nas categorias de base do Empoli. E foi vestindo azzurro que estreou como profissional, em 1987, num jogo de Coppa Italia contra a Inter.

Di Francesco chegou a debutar pela Serie A com o Empoli, em 1988, numa derrota por 4 a 0 para a Juventus. Porém, recebeu chances mesmo durante a derrocada dos azzurri, rebaixados para as categorias B e C1. O meio-campista se estabeleceu como titular no time nas campanhas de flerte com o retorno à segundona e, em 1991, trocou de casa na Toscana: fechou com a Lucchese.

À época, a equipe rossonera militava na segundona e, sob as ordens de Marcello Lippi, brigava pelo retorno à elite. Com a Lucchese, Di Francesco não conseguiu o acesso à Serie A, mas viveu quatro bons anos em Lucca – trabalhando ainda com técnicos como Corrado Orrico e Eugenio Fascetti. O seu desempenho lhe permitiu acertar uma transferência para o Piacenza, que havia subido para a máxima categoria do futebol italiano.

O meia chegou para reforçar o time emiliano e rapidamente se estabeleceu como um dos pilares dos biancorossi no biênio que passou por lá, juntamente ao goleiro Massimo Taibi – sem falar no regista Eugenio Corini e nos centroavantes Nicola Caccia e Pasquale Luiso, seus companheiros durante um ano. Em duas temporadas, Di Francesco só desfalcou a equipe em uma partida da Serie A e sua consistência foi fundamental para que os papaveri obtivessem a permanência em ambas as oportunidades.

Além da Roma, Eusebio vestiu com sucesso a camisa do Piacenza (imago)

No final de 1996-97, Eusebio recebeu a primeira convocação para a seleção italiana, mas declinou a participação no Torneio da França para auxiliar seu time no spareggio, jogo-desempate que definiria o futuro do Piace na Serie A. Com a participação de Di Francesco, o Piacenza derrotou o Cagliari e ficou na elite. Ao final da temporada, tendo obtido todas as credenciais positivas possíveis em sua trajetória, o meia de 28 anos trocou os lobos da Emília-Romanha pela Loba giallorossa e viveu o grande momento da carreira.

Entre 1997 e 2001, DiFra dividiu o vestiário com estrelas e bandeiras como Francesco Totti, Gabriel Batistuta, Vincenzo Montella, Damiano Tommasi e Aldair. Nas duas primeiras temporadas, sob o comando de Zdenek Zeman, foi titular da equipe, que concluiu a Serie A na quarta e na quinta posições, respectivamente, e caiu nas quartas de final da Copa Uefa de 1998-99. Um desempenho bastante positivo, que fez com que Dino Zoff, sucessor de Cesare Maldini na seleção, lhe tornasse figura frequente do grupo que classificou a Itália para a Euro 2000. Eusebio, contudo, não figurou na lista final para o torneio.

Em 1999-2000, na temporada de estreia de Fabio Capello na Cidade Eterna, Di Francesco também foi titular. Nessa condição, ajudou sua equipe a a ficar com a sexta colocação do Italiano e a novamente ir até as fases eliminatórias da Coppa Italia e da Copa Uefa. A campanha de 2000-01 seria a última de Eusebio em Roma e poderia ter sido amarga, uma vez que ele entrou em campo somente em cinco oportunidades. Pior, só fez uma partida como titular, na penúltima rodada, contra o Napoli. Acabaria, contudo, em festa.

Beirando os 32 anos, DiFra pode comemorar a sua única conquista como jogador profissional – e logo a maior dentre aquela que disputou. Com gols de Totti, Montella e Batigol contra o Parma, no último fim de semana da Serie A, a Roma conquistava seu terceiro scudetto. Um caminho que Di Francesco, com 129 partidas e 16 gols pelo clube, ajudou a consolidar.

Após o êxito em clubes menores, Di Francesco se tornou peça importante da Roma (Allsport)

De saída da Roma, o meio-campista retornou ao Piacenza, que estava em decadência. Fez duas temporadas com os lupi na Serie A, mas na última delas não conseguiu evitar o rebaixamento do time para a segundona. Acabou fechando contrato com o Ancona, que também disputaria a elite, mas em janeiro de 2004 trocou a barca furada dos marquesãos – que, com pouquíssimos pontos, voltariam para a segundona naquele campeonato – pelo Perugia do polêmico Luciano Gaucci.

Os peruginos também cairiam para a Serie B, mas Di Francesco permaneceria para disputar a segunda divisão em 2004-05. Os biancorossi concluíram a competição com 74 pontos, empatados com Empoli e Torino. Contudo, por critérios de desempate tiveram de jogar os playoffs de acesso, no qual não conseguiram superar justamente o Toro. O Perugia deveria continuar na segundona, mas as más condições financeiras do clube o levariam à falência.

Após este fim de campeonato atribulado, Di Francesco decidiu se aposentar, com quase 35 anos, e recebeu convite para voltar à Roma. Na ocasião, o ex-jogador ocupou o cargo de team manager, fazendo a ponte entre os atletas e a diretoria. Ali já parecia que, de quando em quando, a Cidade Eterna entrava no caminho de Eusebio, como se o destino lhe chamasse – e voltaria a ocorrer mais de uma década depois.

Antes disso, Di Francesco tentou levar uma carreira como dirigente. Depois de uma temporada como team manager da Roma, foi cartola da Val di Sangro e responsável pelas divisões de base do Pescara. Entre esses trabalhos, teve sua primeira experiência como treinador, no Lanciano, dos Abruzos, por poucos meses de terceirona.

No fim dos anos 1990, Di Francesco foi presença constante no meio-campo da Roma (Allsport)

Em janeiro de 2010, recebeu convite para comandar o Pescara, em substituição a Antonello Cuccureddu. No time de sua cidade natal, ao qual dedica seu carinho como torcedor, Di Francesco fez um trabalho razoável: foi responsável por tirá-lo da terceira divisão e por uma campanha regular na Serie B. No Adriatico, DiFra estabilizou o ambiente e preparou as bases para que Zeman, seu ex-comandante, conseguisse o acesso para a primeira divisão, no ano seguinte.

Simultaneamente, em 2011-12, Di Francesco teve sua estreia na Serie A, mas só ficou cinco meses à frente de um bagunçado Lecce, que terminou rebaixado. Algum tempo após a decepção, o técnico aceitou retornar à segundona e encarou o desafio de treinar o ambicioso Sassuolo, que havia debutado na categoria em 2008, após belo trabalho de Massimiliano Allegri, e batido na trave pelo acesso à elite com Stefano Pioli e Fulvio Pea. Na Emília-Romanha, DiFra deu a guinada em sua carreira.

À frente dos neroverdi, o sucesso foi imediato. O Sassuolo foi a sensação do primeiro turno da Serie B e ficou com o título de campeão de inverno, mas não parou por aí: faturou o título da segundona, o maior de sua história, e conquistou o inédito acesso à elite, em 2013. Di Francesco começou a temporada seguinte no Città del Tricolore, mas foi demitido em janeiro de 2014, após a diretoria avaliar que os resultados não eram bons. Em março, Giorgio Squinzi reconheceu o erro e chamou o técnico de volta, para o lugar de Alberto Malesani.

Nos anos que se seguiram, Eusebio não somente manteve o pequeníssimo Sassuolo na Serie A, mas tirou o máximo de jovens jogadores, como Domenico Berardi, Simone Zaza, Nicola Sansone, Alfred Duncan, Lorenzo Pellegrini e Grégoire Defrel. Ao elevar o nível desses atletas e montar um time organizado, com futebol propositivo e ideias bem executadas, Di Francesco conseguiu, em 2015-16, um incrível sexto lugar no Italiano e a classificação para a Liga Europa.

Como treinador, Di Francesco desenvolveu trajetória ascendente no Sassuolo (Getty)

Dividindo as atenções entre Serie A e uma competição continental, o Sassuolo teve uma temporada mais atribulada em 2016-17 – entretanto, se estabilizou após a eliminação na fase de grupos da Europa League ficou no meio da tabela do campeonato. A sequência do trabalho na Emília-Romanha, porém, falava por si só e, depois de 189 partidas no comando dos neroverdi, a Roma ressurgiu no caminho de Di Francesco.

Gabaritado como um dos melhores jovens treinadores em circulação à época, Di Francesco, merecidamente, se tornou, anos depois de Montella, o segundo membro do elenco que conquistou o título italiano de 2000-01 a dirigir a Roma, além de ser o 17º ex-jogador giallorosso a voltar à agremiação como técnico. O pescarês assumiu mirando exemplos daqueles que brilharam em campo e com a prancheta em mãos na Cidade Eterna, como Fulvio Bernardini e Capello, seu comandante na campanha do terceiro scudetto romanista.

A realidade, contudo, foi um pouco mais dura com DiFra, que começou bem, mas acabou triturado pela contestada gestão do presidente James Pallotta. O primeiro ano, 2017-18, foi brilhante: a solidez defensiva permitiu aos giallorossi fazerem uma campanha de terceiro lugar na Serie A, com direito a vaga na Champions League. E foi na própria competição europeia que EDF atingiu o seu auge.

Em 2017-18, a Roma de Di Francesco só caiu nas semifinais, 34 anos depois de ter ido tão longe no torneio – em 1984, fora vice-campeã. A histórica virada sobre o Barcelona, com reversão da goleada por 4 a 1, no Camp Nou, graças a um triunfo por 3 a 0, no Olímpico, foi o melhor momento do comandante na Loba e em toda a sua carreira. Antes, uma reação que culminou num empate por 3 a 3 contra o Chelsea, em Stamford Bridge, e um sonoro 3 a 0 sobre os Blues, ambos na fase de grupos do torneio, também foram comemorados.

DiFra atingiu seu auge pela Roma, numa vitória sobre o Barcelona, mas lua de mel durou pouco (AFP/Getty)

O desempenho continental rendeu a renovação do contrato do treinador até julho de 2020, mas o vínculo firmado foi encerrado um ano e três meses antes do que deveria – apesar de outras boas vitórias, como a do Derby Della Capitale do primeiro turno da edição 2018-19 da Serie A. Acabaram pesando a campanha mediana na Serie A e as eliminações para Porto, nas oitavas da Liga dos Campeões, e Fiorentina, nas quartas da Coppa Italia, sendo que a Viola aplicou um sonoro 7 a 1 nos giallorossi. A torcida, porém, sabia que os maiores problemas tinham vícios de origem na diretoria. DiFra comandou a Roma em 87 jogos e terminou sua trajetória como técnico da Loba com 59,7% de aproveitamento – 46 vitórias, 18 empates e 23 derrotas.

A demissão representou um baque para Eusebio, que emendou péssimos e curtíssimos trabalhos em sequência. Parecia que sua carreira estava condenada após fracassar por Sampdoria (oito jogos e duas vitórias), Cagliari (26 partidas e cinco triunfos) e Verona (quatro compromissos e apenas um sucesso): EDF chegou a ficar parado por mais de dois anos. Neste período, o único Di Francesco do qual se ouvia falar no futebol italiano era Federico, seu filho – ponta de carreira razoável por times pequenos e médios das séries A e B.

Di Francesco voltou ao trabalho em 2023, num Frosinone que parecia armado para o fracasso. Quando o treinador chegou ao clube, recém-campeão da Serie B, seu histórico recente e a escassez de talento do elenco indicavam um rebaixamento clamoroso. Porém, os canários se reforçaram na reta final do mercado de transferências e EDF mostrou que havia juntado os cacos durante o tempo que ficou parado. Embora o descenso tenha se confirmado, não foi merecido. Os ciociari praticaram um futebol agradável e sólido, que resultou na sua melhor campanha na elite. Só caíram devido ao Empoli, que, com um gol nos acréscimos, derrotou… a Roma.

Não à toa, Di Francesco chorou copiosamente depois do rebaixamento, sacramentado em pleno Benito Stirpe – sendo consolado por Fabio Cannavaro e seu irmão Paolo, respectivamente técnico e auxiliar da Udinese naquele momento. Ainda assim, EDF se valorizou e continuou na elite. Corajoso, aceitou um desafio similar ao que o Frosinone lhe propôs ao assinar com o Venezia.

Eusebio Luca Di Francesco
Nascimento: 8 de setembro de 1969, em Pescara, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Empoli (1987-91), Lucchese (1991-95), Piacenza (1995-97 e 2001-03), Roma (1997-2001), Ancona (2003-04) e Perugia (2004-05)
Títulos como jogador: Serie A (2001)
Clubes como treinador: Lanciano (2008-09), Pescara (2009-11), Lecce (2011), Sassuolo (2012-14 e 2014-17), Roma (2017-19), Sampdoria (2019), Cagliari (2020-21), Verona (2021), Frosinone (2023-24) e Venezia (2024)
Títulos como treinador: Serie B (2013)
Seleção italiana: 13 jogos e 1 gol

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