Uma das figuras mais irreverentes do futebol, Paul Gascoigne era um gênio dentro de campo. Com seus dribles desconcertantes, remates certeiros, jogadas fantásticas e sempre muita vontade, ele foi um ícone de sua geração e ainda é amado por onde passou. Muito polêmico e irreverente dentro e fora de campo, descrito como “um hooligan que jogava futebol”, o inglês sofreu com problemas sérios como o alcoolismo, que impediu que a sua carreira fosse mais vitoriosa. Muitos acreditam que ele poderia ser o melhor jogador do mundo.
Revelado nas categorias de base do Newcastle, onde ganhou uma Copa da Inglaterra sub-18, marcando dois gols na final, Gazza, como é conhecido, subiu rapidamente para o time principal, estreando na Premier League com menos de 18 anos. As boas atuações pelos Magpies fizeram Gascoigne despertar o interesse do Manchester United, mas o meio-campista acabou indo para o Tottenham. Nos Spurs, venceu uma Copa da Inglaterra – a última do clube. Mas o clube passava por problemas financeiros e decidiu vender seu craque. Houve muita especulação para que, em 1991, o fantasista fosse vendido à Lazio por cerca de 5,5 milhões de libras.
Sua chegada à Roma causou muito tumulto no aeroporto Fiumicino-Leonardo Da Vinci. Vários torcedores foram receber o novo craque do time biancoceleste. Foi amor à primeira vista. Devido a uma lesão, Gazza só pôde estrear pela Lazio em 1992, em um jogo contra o Genoa.
Alternando boas e más atuações, o meia só foi marcar seu primeiro com com a camisa azul e branca no final de novembro de 1992. E o tento não poderia vir em uma ocasião melhor. A Lazio perdia o dérbi contra a Roma – o primeiro de Gascoigne – até o último minuto, com um gol de Giuseppe Giannini, pupilo da torcida giallorossa. Foi quando Giuseppe Signori cobrou falta que encontrou Gazza que, com uma cabeçada impiedosa, empatou a partida, correu em direção à Curva Nord e retornou ao gramado aos prantos; ele havia entrando para a história do Derby della Capitale.
Apenas uma semana depois, Gascoigne marcou um fantástico gol contra o Pescara – um dos mais belos já marcados por um laziale -, driblando quatro adversários até entrar na área e vencer o goleiro Marchioro. Sua genialidade e, muitas vezes, insanidade, fez a torcida da Lazio o idolatrar.
Em um jogo contra a Sampdoria, Gazza foi derrubado por Vladimir Jugovic e foi reclamar com o árbitro, que não marcou a falta. O juiz, ao invés de tirar do bolso um cartão, sacou uma goma de mascar e ofereceu ao jogador. O inglês, sem titubear, agradeceu e começou a mastigar o chiclete, esquecendo da falta. Em um dos mais famosos restaurantes de Roma, enfiou a mão em um aquário para escolher ele mesmo qual lagosta queria comer. Em entrevista a uma TV norueguesa, pouco antes de partida entre Inglaterra e Noruega, o repórter lhe pediu para dizer algumas palavras ao povo do seu país. Gazza respondeu com um simples “Claro. Foda-se, Noruega”, e saiu rindo.
As já conhecidas noitadas em bares de Roma e o consumo excessivo de álcool atrapalharam sua estadia na Itália, e o fizeram ter um grande destaque na imprensa italiana. As seguidas lesões também não deixaram que o craque tivesse uma grande sequência com a Lazio. Uma dessas lesões que teve o obrigou a usar uma máscara durante as partidas. O primeiro jogo com o adereço foi contra o Ancona, em que a equipe romana venceu por 5 a 0 e Gascoigne jogou tão bem que, ao final do confronto, declarou, sorrindo, que nunca mais tiraria a máscara. Em sua primeira temporada em Roma, Gazza marcou quatro gols em 26 atuações.
Na época seguinte, o meio-campista colecionou 17 presenças e dois gols, o primeiro contra a Juventus, em uma vitória por 3 a 1. Seu sexto e último tento com a camisa biancoceleste foi um golaço de falta contra o Cagliari, em um jogo que contou com uma tripletta de Signori. Quando Gazza parecia estar se acertando, tanto em campo como fora dele, veio mais uma contusão: durante um treinamento, o inglês tentou dividir uma bola com a jovem promessa Alessandro Nesta e levou a pior, caindo no gramado berrando de dor. A lesão o deixou mais de um ano longe dos campos.
Em sua última temporada na Lazio, Gascoigne atuou em apenas quatro partidas, o que o fez retornar ao Reino Unido para jogar no Rangers, da Escócia. Depois, passou por Middlesbrough, Everton, Burnley, Gansu Tianma da China e encerrou a carreira no Boston United, em 2004. Ele também foi treinador durante algum tempo, mas sem sucesso.
Com a seleção inglesa, chegou às semifinais da Copa do Mundo de 1990, na Itália. Em uma das cenas mais marcantes do torneio, o jogador chorou ao receber um cartão amarelo que o deixaria de fora da grande final. Chegou também às semifinais da Eurocopa de 1996 – e marcou um golaço contra a Escócia tão antológico quanto sua comemoração. Gascoigne ficou entre os melhores jogadores de ambas as competições.
Depois da aposentadoria, seus problemas com drogas e saúde cresceram. Ele admitiu que, entre 1996 e 1999, espancava sua ex-esposa quando bêbado e também se afundou ainda mais nos vícios. Foi preso por porte de cocaína, processado por agredir repórteres e fãs, operado por uma úlcera causada pelo álcool.
Também foi internado para se livrar do stress e da dependência de álcool e drogas e até tentou o suicídio, em 2008. Fugiu de clínicas de reabilitação, ficou sumido por vários dias da família e mesmo das autoridades, quando foi expulso de um show do Iron Maiden, na Hungria. Em 2010, depois de gastar toda a sua fortuna e virar sem teto, teve de pedir ajuda ao sindicato dos jogadores de futebol ingleses para tentar sobreviver. Uma verdadeira montanha-russa, da qual Gazza ainda está tentando se livrar, continuando seu tratamento.
Em 2012, recebeu o convite da Lazio para retornar à Roma e ao estádio Olímpico após 17 anos. Com o consentimento de seus médicos, Gascoigne chegou à capital italiana no dia do jogo contra o Tottenham, válido pela Liga Europa. Foi novamente recebido calorosamente no aeroporto e homenageado pela equipe celeste com um belo vídeo.
No estádio, deu volta olímpica, cumprimentou os torcedores e se mostrou bastante emocionado com o carinho da torcida laziale. “A Curva Nord e a Lazio sempre estarão no meu coração”, disse. Gascoigne também estará eternamente na memória do amante do futebol como o craque, o louco, o palhaço, o herói. Sobretudo, como um gênio dos gramados, que, não fossem os seus vícios, poderia ter sido ainda maior. Mas, se não cometesse excessos, dificilmente seria o Gazza tão amado por onde passou.
Paul John Gascoigne
Nascimento: 27 de maio de 1967, em Gateshead, Reino Unido
Posição: meia-atacante
Carreira como jogador: Newcastle (1985-88), Tottenham (1988-92), Lazio (1992-95), Rangers (1995-98), Middlesbrough (1998-2000), Everton (2000-02), Burnley (2002), Gansu Tianma (2003) e Boston United (2004)
Carreira como técnico: Kettering Town (2005)
Títulos: Copa da Inglaterra (1991), Campeonato Escocês (1996), Copa da Escócia (1996) e Copa da Liga Escocesa (1996)
Seleção inglesa: 57 jogos e 10 gols