Quando Roberto Baggio correu para bater – e desperdiçar – o pênalti que deu ao Brasil o tetracampeonato mundial, em 1994, provavelmente Gianluca Vialli era o único italiano que não torcia para a Squadra Azzurra. Deixado de lado pelo então treinador da Nazionale, Arrigo Sacchi, após problemas pessoais entre ambos, o goleador que marcou época na Sampdoria e na Juventus era declarado torcedor brasileiro na Copa do Mundo organizada pelos Estados Unidos. Sem dúvida o episódio mais complicado da vitoriosa carreira de um dos mais letais atacantes italianos de todos os tempos.
Carreira essa que começou muito cedo. Com a vida voltada para o futebol, Vialli foi descoberto pelo pequeno Pizzighettone, que deu a primeira chance, em 1973, ao garoto com então nove anos. A inteligência no posicionamento e o faro apurado para marcar gols fizeram da criança um fenômeno das categorias de base do time biancoazzuro da Lombardia.
Não demorou para que uma equipe consideravelmente maior se interessasse pelo futebol de Vialli. A ida para a Cremonese, em 1978, marcou o início da trajetória do atacante como profissional. Caminhada essa que começaria dois anos mais tarde, aos 16 anos, quando a equipe de Cremona deu a primeira oportunidade ao jovem atleta entre os profissionais.
A titularidade com a camisa grigiorossa não demorou a acontecer, fazendo de Luca uma das peças-chave da equipe na busca pelo acesso à Serie A. Após três anos lutando (bateu na trave em 1983), a Cremonese conseguiu, em 1984, a conquista da vaga para a primeira divisão, comandado pelos pés do já destacado Vialli, autor de dez gols naquela temporada. O destaque na boa campanha do time de Cremona naquele ano despertou o interesse de clubes maiores, dando início à fase mais vitoriosa de sua carreira com a transferência, ao final daquela temporada, para a Sampdoria.
Chegando em Gênova, Vialli formou uma das duplas de ataque mais famosas do final da década de 1980 e início da de 1990. Ao chegar na Sampdoria, o atacante deu de cara com um dos mais letais atacantes da história dos blucerchiati, Roberto Mancini. O entrosamento imediato entre os dois e a forma como ambos faziam com que suas características em campo se complementassem rendeu à dupla o apelido de Gemelli del gol – Os Gêmeos do Gol, em tradução literal.
A dupla de “gêmeos” formada por Vialli e Mancini levou a Samp à fase mais gloriosa de toda sua história. Destruindo defesas rivais, os atacantes começaram a alcançar as glórias logo em 1985, quando os blucerchiati conquistaram pela primeira vez a Coppa Italia – também o primeiro título de expressão conquistado por Vialli. O sucesso no torneio nacional ainda seria repetido pela equipe em 1988 e 1989, quando os títulos valeram à Sampdoria a classificação para a Copa dos Campeões Europeus, torneio que reunia os campeões nacionais de toda a Europa.
A grande consagração de Vialli – e consequentemente de toda a Sampdoria -, no entanto, aconteceria apenas em 1991. Com os “gêmeos” comandando o ataque e o brasileiro Toninho Cerezo no comando do meio-campo, os blucerchiati chegaram ao primeiro – e até o momento único – scudetto de sua história. A participação do atacante na conquista foi essencial, uma vez que Vialli terminou a histórica campanha como grande artilheiro da Serie A, com 19 gols marcados.
Todo o sucesso com a camisa da Sampdoria, é claro, rendeu a Vialli o passaporte para ingressar na Squadra Azzurra. A primeira convocação aconteceu ainda no início do sucesso, em 1985, quando o atacante estreou pela Itália em jogo contra a Polônia. O primeiro gol viria apenas no ano seguinte, contra Malta, em partida válida pelas eliminatórias da Eurocopa de 1988.
Curiosamente, Malta seria também, em 1992, o último adversário que Vialli enfrentaria defendendo a Nazionale. A curta trajetória na seleção (como seu gêmeo Mancini) foi fruto do já citado desentendimento com o Sacchi, treinador que conduziu a Itália no início da década de 1990. Ao afirmar que torcia pelo sucesso do Brasil, o jogador irritou o técnico, que parou de convocá-lo e o impediu de disputar sua segunda Copa do Mundo – Vialli participou do fracasso italiano em 90, jogando em casa.
A rápida e conturbada passagem pela seleção, no entanto, não fez com que o prestígio e a fama de matador de Vialli fossem abalados na Itália. Todo o sucesso na Sampdoria fez com que o atacante virasse alvo dos gigantes italianos e dentre os interessados, foi a Juventus que venceu a concorrência pelo atacante, em 1992. Avaliada como a maior transação da história até então, a chegada de Vialli atraiu todos os holofotes para a Vecchia Signora.
Logo após sua chegada, a Juve ficou conhecida em toda a Europa por aquele que acabou sendo considerado como um dos maiores trios de ataque do continente. Ao lado de Roberto Baggio e Fabrizio Ravanelli, Vialli formou o ataque que marcou época e recebeu o apelido de Tridente. Com essa formação os bianconeri levaram logo em 1992 a Copa da Uefa – atual Liga Europa – e conseguiram, em 1995, levar para Turim o scudetto e a Coppa Italia no mesmo ano. A temporada em questão só não foi perfeita porque o Parma acabou com o sonho do bicampeonato da Copa da Uefa ao vencer a Juventus na grande final – jogo que ficou marcada para Vialli, que anotou na partida um dos mais belos gols de sua carreira.
O momento máximo de Vialli com a camisa bianconera, no entanto, ainda estaria para acontecer. Dando sequência à série de partidas que encantavam na Europa, a Juventus conseguiu atingir seu ápice em 1996. Foi neste ano que Vialli, como capitão da Vecchia Signora, conduziu o time ao título da Liga dos Campeões da Europa, vencendo a final diante do Ajax de Van der Sar, Davids e Kluivert. Com a hegemonia europeia consolidada pelo Juve e uma carreira brilhante consolidada, Vialli foi brilhar pela primeira vez longe da Itália.
Mais experiente, Vialli deixou a Juventus e rumou para a Inglaterra, onde passou a defender as cores do Chelsea. Já sem o mesmo pique dos tempos áureos, o atacante continuava deixando sua marca e conquistando títulos. Os três anos que passou em Londres o marcaram como um dos grandes ídolos da história dos Blues antes da chegada dos dólares de Roman Abramovich, em 2003. De 1996 a 1999, anos nos quais esteve no Reino Unido, Vialli conquistou sete títulos: duas FA Cup, duas Carling Cup e duas Community Shield, além de uma Supercopa Europeia.
Aos 35 anos, já sem forma física suficiente para continuar brilhando, Vialli abandonou o futebol como jogador e passou a se dedicar à tentativa de ser treinador. Sem a mesma habilidade que tinha com os pés com a prancheta nas mãos, o goleador não se deu bem no banco de reservas, tendo treinado o próprio Chelsea (em 1998 e 1999 exerceu as funções de treinador e jogador) até o ano 2000, quando mudou para o Watford, também da Inglaterra, no qual não obteve sucesso e ficou até 2002. Desde então, abandonou a carreira de treinador.
Em novembro de 2019, Vialli foi apontado por Mancini como novo chefe da delegação da Nazionale – o que ocorria poucos meses após ser escolhido, pela FIGC, como embaixador da Euro 2020. Por sua luta contra um câncer no pâncreas, diagnosticado em 2017, Luca era visto pelo grupo azzurro como um exemplo de vida. Grande conselheiro do elenco e de seu amigo Mancio, o ex-atacante foi uma importante figura nos vestiários durante a campanha do título continental, naquela que foi sua última glória. Gianluca se despediu no início de 2023, aos 58 anos, num Dia de Reis. Uma data que condiz com a sua história de presentes dados às torcidas que representou e a todos os amantes do futebol.
Atualizado em 6 de janeiro de 2023.
Gianluca Vialli
Nascimento: 9 de julho de 1964, em Cremona, Itália
Morte: 6 de janeiro de 2023, em Londres, Inglaterra
Posição: atacante
Clubes: Cremonese (1980-84), Sampdoria (1984-92), Juventus (1992-96) e Chelsea (1996-99)
Títulos: Serie A (1991 e 1995), Coppa Italia (1985, 1988, 1989 e 1995), Recopa Uefa (1990 e 1998), Liga dos Campeões (1996), Copa Uefa (1993), Copa da Inglaterra (1997 e 2000), Copa da Liga Inglesa (1998) e Community Shield (1998 e 2000)
Carreira como treinador: Chelsea (1998-2000) e Watford (2000-2002)
Títulos como treinador: Recopa Uefa (1998), Copa da Inglaterra (2000), Copa da Liga Inglesa (1998) e Community Shield (1998 e 2000)
Seleção italiana: 59 jogos e 16 gols
Melhor jogador que já vii até hoje