Mercado

Projeto Juventus: como funciona?

Giuseppe Marotta e Fabio Paratici apresentam Fernando Llorente como reforço da Juventus. Diretores repensaram todo o mercado em Turim (Foto: Il Sole 24 Ore)

Em fevereiro de 2011, o Resende foi uma das surpresas do Campeonato Carioca. O Gigante do Vale só não chegou ao mata-mata da Taça Guanabara porque marcou menos gols que o Boavista e foi vice-campeão do Troféu Washington Rodrigues. Dois meses depois, a imprensa brasileira veiculou as saídas dos irmãos Appelt, Gabriel e Guilherme, à Juventus. Com 17 e 18 anos, respectivamente, o volante e o meia-atacante reforçariam a equipe primavera, em Turim.

Ao fim da temporada 2010-11, após uma 7ª colocação sob comando de Luigi Delneri, a Velha Senhora contratou Antonio Conte, ex-Siena, para cuidar do time em campo. O treinador não veio sozinho. As especulações, sempre elas, não cessavam. Sergio Agüero, do Atlético de Madrid, era o jogador da vez. Os tabloides italianos sempre mencionavam o interesse juventino no argentino. Mas ele era demasiadamente caro. O foco bianconero voltou-se para Giuseppe Rossi. O Villarreal, por sua vez, recusou as propostas de transferências. O plano C, então, foi contratar Mirko Vucinic, descartado pela Roma por €15 milhões. 

Na janela de inverno da época 2013-14, a Juve só foi ao mercado para repatriar Pablo Osvaldo, negociado pelos giallorossi com o Southtampton seis meses antes. Até porque no começo da temporada o clube já havia assegurado as contratações de Tevez e Llorente para o setor.

Os três parágrafos acima retratam, de suas respectivas maneiras, o modelo de mercado aplicado pelo diretor de futebol juventino, Giuseppe Marotta. O carequinha de 56 anos vive o melhor momento de sua carreira no Piemonte. Antes de aportar em Turim, Beppe Marotta começou a carreira como diretor da base do Varese, em 1978, e passou pela equipe A do clube biancorosso antes de chegar ao Monza, no fim da década de 1980. O diretor nascido na Lombardia geriu Como, Ravenna e Venezia antes de chegar na Atalanta. Depois, foi para Gênova e comandou um dos melhores momentos na história da Sampdoria, entre 2004 e 2010.

Foi lá mesmo, na Samp, onde Marotta quebrou a banca (apenas uma expressão, já que o jogador não teve custos excessivos) ao contratar Antonio Cassano, então no Real Madrid. Responsável por gerir os contratos dos jogadores, ele tirou Angelo Palombo do Urbania, da Serie D. O volante se tornou a bandeira blucerchiati na segunda metade da década. Foi exatamente com Marotta que a Doria conquistou pela última vez uma vaga na Liga dos Campeões – plantel com Ziegler, Gastaldello, Mannini, Tissone, Semioli, Storari e Pazzini, todos trazidos por ele. Dos 49 gols marcados na 4ª melhor campanha de 2009-10, dez foram de reforços para a temporada.

Ao chegar em Turim para substituir Jean-Claude Blanc, o presidente Andrea Agnelli queria reformular toda a Juventus, ainda instável após o Calciopoli. Com Marotta, o clube gastou €59 milhões na primeira época. Apesar da posição intermediária na tabela, o que gerou muitas críticas da torcida, pelo alto valor investido, o modelo de mercado já estava implantado. Seria esse: reforços pontuais, como Bonucci, Barzagli, Matri, Krasic e Quagliarella, e compromisso com as categorias de juniores. Não à toa, em 2011-12, gastando quase €100 milhões (exercendo o direito de compra de alguns jogadores que já estavam no elenco antes, é verdade), o plantel ganhou profundidade e conquistou o título italiano. 

Munique no caminho e dinheiro no bolso

Chegar às quartas de final da Liga dos Campeões de 2012-13 foi ótimo para os cofres juventinos. A Juventus recebeu mais que o Bayern de Munique, campeão do torneio. A Vecchia Signora precisou dividir direitos televisivos apenas com o Milan e guardou €65 milhões na poupança. E mesmo correndo tudo bem nas finanças (mais de 90% dos ingressos vendidos para a temporada atual, estádio cheio, patrocinadores e fornecedor pagando bem), é necessário torrar toda a grana num só jogador? Alguém como Jovetic, Lisandro López, Di María ou Robben?

De forma nenhuma. Desde a chegada da nova diretoria, os cabeças consultam a comissão técnica sobre reforços e procuram por jovens ou jogadores que não estão em plena forma: “pode-ser-contratado-porque-vive-má-fase-porém-confiamos”. As contratações de Elia, Anelka e Bendtner falam por si, mas nem só de fracassos vive este modelo: lembremos de Pirlo, uma das jogadas de mestre de Marotta, e de Barzagli, que se tornou um pilar da defesa – Osvaldo, recém-chegado, pode entrar neste grupo. A boa observação também levou Pogba à Turim, em uma das mais
talentosas jogadas de mercado das últimas décadas – algo que já rendeu
títulos e alguns milhões para a Juve; contratado a custo zero, o francês
já vale 40 milhões de euros.

Em entrevista recente à CNN, Agnelli disse que vai apertar o cinto nos anos que estão por vir. “Nesse ano e no próximo vamos enfrentar dificuldades. Retomaremos em 2015-16, pois é quando um número de contratos importantes vai expirar. Isso irá nos colocar numa posição que nos tornaremos independentes da premiação em competições europeias”, afirmou. Equilibrar finanças. Por isso, com um elenco praticamente fechado
para o resto da temporada, podemos falar sobre Appelts, Bouys e Gouanos, jovens da base que tendem a ser mais utilizados.

Nas décadas de 1990 e 2000, todas as equipes da Juventus tinham tudo do bom e do melhor. Enquanto diretor-geral, Luciano Moggi, acusado de ser o maior mentor do escândalo de apostas que eclodiu em 2006, nunca deixou faltar um bom valor no Piemonte. Na Serie A, era Lippi ou Capello com Buffon, Boksic, Salas, Montero, Nedved, Emerson, Vieira, Trezeguet… 

Neste período, a Juve também investia na base. A equipe primavera venceu quatro Copa Viareggio – sendo um tricampeonato consecutivo entre 2003 e 05 -, um torneio Primavera, duas Copa Primavera e uma Supercopa Primavera, além de levar a medalha de ouro no Torneio Internacional da Cidade de Gubbio e o bicampeonato no Torneio Memorial Filippo De Cecco. 

E quem surgiu nessa época? Tommaso Rocchi, Morgan De Sanctis, Salvatore Aronica, Marcelo Zalayeta, Andreas Isaksson, Giuseppe Sculli, Andrea Masiello, Rafaelle Palladino, Sebastian Giovinco e até Luca Marrone, campeão em 2009, mas contratado aos oito anos junto ao Lascaris, quase uma década antes. Poucos permaneceram em Turim, mas fizeram carreira no futebol italiano e fizeram o cofre juventino ficar mais cheio.

Osvaldos e Marrones

Só que houve uma mudança brusca com a saída de Moggi. Alessio Secco, por um lado, continuou com um método moggiano, que é usado até hoje – porém, de forma mais sábia por Marotta: emprestar ou negociar em co-propriedade os melhores jogadores da base para ganhar experiência em equipes de menor expressão ou em divisões inferiores. Tudo isso possibilitado por um tipo de negociação que existe apenas no
futebol italiano: a copropriedade.

A
fórmula de co-propriedade consiste no seguinte: os direitos de jogadores que tem pelo menos dois anos
de contrato com um clube podem ser cedidos pela metade (as quotas são
sempre de 50% para cada equipe) para outro time, em períodos de um ano –
o jogador pode permanecer na mesma sociedade ou ir jogar no time que o
comprou. Ou mesmo
ser cedido a um terceiro clube, por empréstimo. Este vínculo pode ser
renovado indefinidamente. Este é o modelo que faz com que algumas
equipes contratem jogadores e os coloquem em equipes-satélites ou
parceiras, muitas vezes sem custos ou a custos baixos. Se um destes
jogadores se desenvolver, o lucro é certo. Caso não aconteça, a perda é
mínima.
 
Aproveitando-se desta brecha, a Juventus ocasionalmente coloca as mãos em jovens de altíssimo potencial de times com menor expressão – e por isso, também, tem um alto número de jogadores italianos em seu elenco. Secco pôs Giovinco e Marchisio no Empoli, Ekdal e De Ceglie no Siena, Mirante na Sampdoria e Ariaudo no Cagliari. Todos se desenvolveram bastante. 

Fora Marchisio e Giovinco, nenhum deles teve destaque nem mesmo na rotação do plantel principal. Isso se explica porque parte desses jogadores nem
sempre são formados para vestir preto e branco. Alguns deles
serão utilizados como moeda de troca para adquirir jovens mais
preparados. Neste modelo de mercado, digamos, readaptado pelo
diretor bianconero, o que a Juventus deseja é procurar bons prospectos
na Itália, comprar parte de seus direitos, negociá-los em co-propriedade
e, no futuro, em teoria, gerar ainda mais lucro. A possibilidade
de crescimento vertiginoso nas temporadas seguintes existe, e a equipe acredita no potencial dos jogadores, mantendo-os sob contrato. Se o valor de
mercado subir, eles podem entrar numa troca com jogadores mais
experientes para que a transferência tenha valor mais baixo.

O
caso mais recente é o de Luca Marrone. Cotado há pelo menos três
temporadas como o futuro novo meio-campista da Juve, teve algumas
chances no último ano – principalmente como terceiro-zagueiro – e foi
colocado na negociação por parte dos direitos de Domenico Berardi.
Juventus e Sassuolo detém ambos os jogadores; o clube do Piemonte está
feliz em ver o volante se desenvolvendo no Sassuolo, que tem em Berardi
um de seus principais jogadores. 

Com o próprio Sassuolo, outras
operações foram realizadas, e a Juve se tornou dona de Boakye e Zaza,
outros bons prospectos. Primeiro com a Atalanta, e depois com a Sampdoria, a Juve fez acordos por Gabbiadini, selecionável por Prandelli. Talvez nenhum deles vista branco e preto no futuro, mas certamente e a Juventus não perderá nada com suas contratações – ao todo, a Juve não gastou nem 6 milhões para contratar a todos.

Anteriormente, Secco pecou demais no recrutamento de bons valores. Algo que Moggi fazia bem (os casos de Criscito, Balzaretti e Chiellini são bons exemplos) e em que a nova gestão também se destaca. Logo de cara, Marotta trouxe Sorensen, titular aos 19 anos em boa parte da temporada com Delneri, os irmãos Appelt e outros talentosos jogadores, como Büchel, Gouano, Magnússon, Branescu e Giannetti. Bom lembrar, também, que Marotta não está sozinho nessa; Fabio Paratici, diretor esportivo, é o seu braço-direito desde a Sampdoria e é um bom observador de talentos.

Este bom expediente está nas mãos apenas da Juve, entre as grandes equipes. Por enquanto. O Milan, até alguns anos atrás, era o comprador perfeito: tinha dinheiro e visibilidade. Jogadores balançavam com uma proposta rossonera mesmo se tivesse Real Madrid, Barcelona ou Manchester United na briga. Só que os tempos mudaram. Em Milão, seja do lado vermelho ou azul, a diretoria, vá lá, não favorece. 

Os clubes, à moda antiga (ou por um dos muitos mistérios dos bastidores do futebol), preferem empréstimos às co-propriedades. Este expediente tem sido utilizado mais vezes para parcelar o valor de compra dos atletas (como a Juventus fez com Isla, a Inter com Handanovic e Ranocchia ou o Napoli com Armero) ou para acordos pontuais, como o que levou Boateng ao Milan via Genoa. O Parma, antigo parceiro da Juventus, é o atual rei do quesito, e tem o incrível número de 226 (!!!) jogadores sob contrato, a maioria deles em equipes-satélite. Com a lei do retorno fácil, este é um ótimo expediente para que o clube, que faliu há poucos anos, consiga retomar a saúde financeira.

Em entrevista ao QT, Aaron Giambattista, blogueiro no JuventiKnows, lembra de alguns furos do Milan. “Olha só o Davide di Gennaro. Talentoso produto do vivaio rossonero. Ele foi emprestado até não poder mais e nunca foi bem – até porque raramente jogava como titular. Foi vendido ao Spezia e teve uma ótima temporada. Matri também não acertou até o Cagliari comprar parte dele; seus empréstimos foram bem medianos”, disse. Na Inter, a negociação congelada entre Vucinic e Guarín revela muito sobre a nova diretoria – leia mais em “Como perder a credibilidade em 72 horas”. Atualmente, a Inter comete outros erros: forma ótimos jogadores, os empresta, mas ao invés de utilizá-los, tem envolvido-os em tratativas por atletas mais experientes. Nem sempre dá certo.

A Roma conseguiu negócios interessantes nos dois últimos mercados. Sobre os giallorossi, palavras do jornalista italiano Raffaele Gatti: “A Roma está começando a emular um pouco o projeto. Em janeiro, eles contrataram alguns jovens jogadores, porém, compraram 100% dos direitos e só emprestaram agora”. 

Giuseppe Marotta conseguiu uma redenção no mercado após uma primeira temporada decepcionante e desde então só acerta a mão. O modelo provavelmente será integrado aos poucos nas gerências dos clubes do Belpaese. Não existe certeza do sucesso. Testar, contudo, vale a pena. Afinal, os beneficiados são todos: clubes, jogadores, treinadores (principal, adjunto, de juniores) e torcedores.

Contribuíram Aaron Giambattista e Raffaele Gatti

Compartilhe!

5 comentários

  • Parabéns pelos ótimos textos, fluídos e completos. Conheci o site têm pouco tempo e praticamente abro a página todos os dias atrás de atualizações. Falando nisso, alguma matéria sobre as contratações dessa ultima janela? Abs

  • Vc tem q levar em conta tb a graninha q a Juve gasta comprando os árbitros, pq o time não me convence de modo algum, quantos jogos q assisti da velha Senhora q faltinhas no meio campo ou cartões estranhos são apitados contra o adversário (velho método muito utilizado por Edilson Pereira aqui no Brasil). Não me surpreenderia se daqui a alguns anos um novo escândalo ressurgisse

  • Em pleno 2014 do século XXI, e ainda falam em Juventus-arbitragem? É mta ignorância, mesmo… Amigo, vc tá no site errado. Vai pro globoesporte.com q é mais a sua cara. E seu intelecto…

Deixe um comentário