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Por que o Milan apostou em Charles De Ketelaere e como o clube mudou sua filosofia

A torcida do Milan passou o mês de julho aflita com o mercado de transferências. Enquanto as rivais Inter, Juventus e Roma traziam reforços de destaque, o milanista acompanhava uma verdadeira novela mexicana. É que Paolo Maldini e Frederic Massara, dirigentes responsáveis por negociar a chegada ou saída de jogadores no clube, travaram uma verdadeira batalha com o Club Brugge pela contratação de Charles De Ketelaere. O garoto de ouro da Bélgica era o principal objetivo da cúpula rossonera nesta janela de transferências, e, após longa tratativa, a história terminou com final feliz para os italianos.

Meia-atacante muito versátil, “Rei Charles” assinou contrato com o Milan até junho de 2027. Segundo a imprensa esportiva italiana, o garoto, de 21 anos, custou 32 milhões de euros, mais 4 mi em bônus, aos cofres da agremiação milanesa. Ainda de acordo com informações da mídia local, o Brugge terá direito a uma porcentagem sobre uma eventual revenda futura do jogador, e o salário do belga será de 2,5 milhões de euros por temporada.

De Ketelaere se tornou o jogador mais caro a deixar a Jupiler Pro League (principal liga da Bélgica), superando a transação que levou Jonathan David do Gent ao Lille, em agosto de 2020, por 27 milhões de euros. Além disso, Charles entrou para o ranking de atletas mais valiosos da história do Milan. Somando o valor fixo da compra e os 4 mi de euros de bônus, o novo camisa 90 rossonero – curiosamente, o mesmo número que seu compatriota Romelu Lukaku escolheu ao retornar à Inter – está na sétima colocação da lista de reforços mais caros do clube, totalizando 36 milhões de euros.

Por que contratar Charles?

Um dos principais motivos que fizeram o Milan insistir tanto em De Ketelaere, vencendo a queda de braço com o Leeds United, foi a sua polivalência. O futebol moderno exige que jogadores saibam ir além de sua posição de origem, e a comissão técnica encabeçada por Pioli valoriza muito esse tipo de atleta no planejamento do elenco.

Nos últimos mercados, por exemplo, o Milan acertou com vários jogadores versáteis: Alexis Saelemaekers, Pierre Kalulu, Alessandro Florenzi, Yacine Adli, entre outros. Desde as categorias de base do Brugge, Charles se mostrou apto a desempenhar várias funções do meio para frente. Embora tenha atuado mais vezes como falso 9 na derradeira temporada, o belga, no Diavolo, deve ser utilizado no lado direito do trio de meias.

Uma curiosidade sobre De Ketelaere é que ele poderia ter seguido carreira no tênis. Quando criança, o garoto se destacava nas quadras e tinha como ídolo o suíço Roger Federer. Chegou, inclusive, a ser campeão com apenas 10 anos. Porém, quando precisou decidir entre tênis e futebol, optou por chuteiras em vez de raquetes. “O tênis é muito mais impactante quando você perde”, explicou, em entrevista ao jornal Het Niewsblad. “No futebol, é mais fácil encontrar desculpas quando as coisas não dão certo, mas no tênis você está sozinho. Você é o único culpado se jogar mal, e eu não conseguia me acostumar com isso”, completou.

De Ketelaere chega à Casa Milan para assinar com os rossoneri (Arquivo/AC Milan)

Embora tenha apenas 21 anos, Charles chega ao Milan com rodagem de Liga dos Campeões. No atual plantel rossonero, o meia-atacante é o quarto jogador com mais partidas disputadas na principal competição de clubes do mundo. Com 16 jogos, está atrás apenas dos experientes Zlatan Ibrahimovic, Olivier Giroud e Alessandro Florenzi. Isso mostra, aliás, como a filosofia de contratações do Diavolo mudou no último biênio, sob a gestão do grupo Elliott.

Se, com as diretorias passadas, o foco era em jogadores gabaritados, Maldini e Massara – ambos renovaram seus contratos até junho de 2024 recentemente – montaram um elenco recheado de jovens, mas com o incremento de atletas experientes (Ibrahimovic, Simon Kjaer, Ciprian Tatarusanu, Florenzi e Giroud, entre outros) para ajudar os mais novos. Deu certo, e o Diavolo se tornou campeão italiano em 2021-22 com um dos times mais jovens da história da Serie A. No entanto, dificilmente teria alcançado o mesmo resultado se tivesse seguido a cartilha do “Milan chinês” ou a do brasileiro Leonardo.

Coleção de fracassados

O torcedor milanista se encheu de esperança quando Silvio Berlusconi, maior presidente da história do Milan, repassou o clube às mãos do empresário chinês Li Yonghong, em abril de 2017. A euforia tomou conta da torcida quando a diretoria do “Milan chinês” começou a despejar dinheiro no mercado de transferências. Onze jogadores foram contratados pelos cartolas Marco Fassone e Massimiliano Mirabelli antes do início da temporada 2017-18:

  • Leonardo Bonucci (44 milhões de euros)
  • André Silva (34 milhões)
  • Franck Kessié (32 milhões)
  • Nikola Kalinic (27 milhões)
  • Andrea Conti (24 milhões)
  • Hakan Çalhanoglu (21 milhões)
  • Lucas Biglia (19 milhões)
  • Mateo Musacchio (17 milhões de euros)
  • Ricardo Rodríguez (14 milhões)
  • Fabio Borini (5,5 milhões)
  • Antonio Donnarumma (900 mil)

As transferências custaram cerca de 240 milhões de euros ao cofres rossoneri, e todos esses jogadores despertaram mais ódio do que amor entre os torcedores – além, é claro, de não conseguirem levar a equipe de volta à Liga dos Campeões naquele ano. O projeto dos chineses naufragou, gerando um rombo financeiro nos cofres do Milan. Não por acaso o clube teve de fazer, em meados de 2019, um acordo com a Uefa, que demandou a sua exclusão da Liga Europa daquela temporada, com o intuito de evitar maiores problemas relativos ao Fair Play Financeiro.

O talento belga vestirá a camisa 90 (Arquivo/AC Milan)

Pouco mais de uma temporada após assumir o controle do Milan, Li Yonghong deixou o clube. Ele pegou um empréstimo de 200 milhões de euros com o fundo de investimentos Elliott para adquirir o Diavolo e precisaria “devolver” 120 milhões de euros um ano depois. Como não conseguiu pagar dentro do prazo, a agremiação passou ao grupo norte-americano, que trouxe Leonardo para trabalhar no mercado. O ex-jogador apostou todas as suas fichas nas duas janelas de transferências da temporada 2018-19:

  • Lucas Paquetá (38,4 milhões de euros)
  • Mattia Caldara (36,8 milhões)
  • Krzysztof Piatek (35 milhões)
  • Samu Castillejo (21,3 milhões)
  • Diego Laxalt (19 milhões)
  • Gonzalo Higuaín (10,2 milhões, por empréstimo)
  • Tiémoué Bakayoko (5 milhões, por empréstimo)

Tal qual Fassone e Mirabelli, Leonardo não obteve êxito com suas contratações. Os aproximadamente 165 milhões de euros investidos em dois mercados não deram o retorno esperado. O Milan brigou até a última rodada do campeonato de 2018-19 para se classificar à Liga dos Campeões, mas bateu na trave, terminando em quinto lugar. Sem a qualificação à competição de maior prestígio do futebol europeu, a situação do brasileiro se tornou insustentável dentro do clube. Foi aí que Maldini “ganhou mais poder”, trocando o cargo de diretor de desenvolvimento e estratégia esportiva pela diretoria técnica.

Nova filosofia de mercado

Desde então, a diretoria milanista tem pinçado muitos jovens de talento na Europa, sobretudo atletas com passagens pela Ligue 1. Atualmente, o elenco rossonero não conta mais com jogadores contratados pelo duo Fassone-Mirabelli ou por Leonardo – Bakayoko saiu e depois voltou, novamente por empréstimo, mas pode deixar o Diavolo ainda nesta janela, porque não tem espaço no time e seu salário é relativamente alto (2,5 milhões de euros anuais) para quem quase não entra em campo (disputou somente 18 jogos na temporada 2021-22).

Agora, a visão é outra, e o grupo é fértil. A insistência para contratar o “Rei Charles” é só mais uma amostra de que o Diavolo continuará apostando na juventude, com o chefe da área de scouting, Geoffrey Moncada, sempre tirando uma carta da manga. O clube pode até não dispor do dinheiro da Premier League (ou seria Premier Super League?), mas apresenta um projeto interessante aos jovens talentos. Rafael Leão, 23 anos, eleito o melhor jogador da última Serie A vencida pelo Milan, que o diga.

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