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Fulvio Collovati foi campeão mundial meses após a queda com o Milan

Quando se fala sobre a seleção da Itália da Copa do Mundo de 1982, os primeiros nomes que veem à mente são os de jogadores como Paolo Rossi, Dino Zoff, Marco Tardelli, Bruno Conti e Gaetano Scirea. Porém, o timaço azzurro que levantou o tricampeonato tinha alguns coadjuvantes pouco badalados, mas que foram importantes para a conquista. Um deles foi o zagueiro Fulvio Collovati, que fez carreira por Milan e Inter.

Collovati nasceu em Teor, uma cidade de menos de mil habitantes próxima a Údine. No entanto, Fulvio e sua família se mudaram para a região metropolitana de Milão quando ele ainda era um garotinho, o que acabou influenciando a sua vida de uma forma mais determinante do que qualquer um poderia imaginar. Aos 13 anos, o jovem disputava uma pelada em um campinho quando foi descoberto por Giovanni Trapattoni – uma pessoa que, definitivamente, entende de sistemas defensivos. Com o aval do Trap, Collovati foi convidado a entrar nas categorias de base do Milan e aceitou imediatamente, já que era torcedor rossonero.

Em Milanello, o jogador passou com destaque por todas as categorias juvenis e foi duas vezes vice-campeão da tradicional Copa Viareggio, que revelou alguns craques italianos – Collovati chegou a ser eleito o melhor jogador do torneio sub-20 em uma das oportunidades. Após completar 19 anos, o defensor de boa técnica e qualidade nas antecipações, comparado a Roberto Rosato, foi aproveitado no time profissional do Milan e estreou com o técnico Giuseppe Marchioro.

O treinador foi demitido após maus resultados – a equipe chegou a brigar contra o rebaixamento –, mas Fulvio não perdeu espaço. Pelo contrário, desenvolveu uma relação de proximidade com o legendário Nereo Rocco, substituto de Marchioro, e ajudou o Milan a ganhar a Coppa Italia da temporada 1976-77. Seu primeiro ano como profissional foi um belo prólogo para sua carreira de sucesso.

Cria do Milan, Collovati foi importante no momento mais obscuro da história do clube (Maglia Rossonera)

Nos dois anos seguintes, a consagração. Nils Liedholm assumiu como técnico dos rossoneri pela segunda vez e faria história. O sueco escalou Collovati, 20 anos, como titular da zaga milanista e colheu os frutos em 1978-79: o defensor se tornou um dos pilares do time e foi fundamental para a conquista do décimo scudetto do Milan, que deu ao clube o direito de ostentar uma estrela em seu uniforme. Líder de uma das defesas menos vazadas do país, Fulvio ganhou convocações para a seleção italiana sub-21 e também para a Nazionale principal: estreou em fevereiro de 1979, num amistoso em que os azzurri fizeram 3 a 0 sobre a Holanda.

Até 1982, a carreira de Collovati viveu altos e baixos, embora ele continuasse atuando em alto nível. O Milan foi rebaixado para a Serie B em 1980, como consequência do envolvimento de alguns jogadores no escândalo Totonero, mas o defensor ficou para a disputa da segundona, ainda que temesse perder sua vaga na seleção.

Logo após a decisão do tribunal desportivo, Fulvio disputou a Eurocopa e acabou desperdiçando cobrança de pênalti decisiva na disputa de terceiro lugar, contra a Checoslováquia, mas continuou a ser convocado por Enzo Bearzot, friulano como ele, ao longo de sua militância na Serie B. Em três oportunidades, o zagueiro chegou a jogar pela Itália no sábado, voltou a Milão na madrugada e precisou entrar em campo pelo clube horas depois. Uma rotina estafante, mas que lhe garantiu a continuidade na Nazionale, posição de destaque no título e consequente acesso dos rossoneri e ainda a faixa de capitão da equipe.

Do rebaixamento à glória: ainda milanista, Collovati foi titular na campanha do tri mundial italiano, em 1982 (STAFF/AFP/Getty)

Com a braçadeira, Collovati ficou mais exposto e foi eleito pela torcida como um dos bodes expiatórios pelo segundo rebaixamento da história do Milan. O time não conseguiu manter-se na elite após o retorno e a contestação dos torcedores pelas más atuações foi tão grande que Fulvio chegou a ser atingido por uma pedra durante uma derrota contra o Como.

Mesmo com a queda, Bearzot o levou para a Copa de 1982 com o status de titular de uma fortíssima linha defensiva. Ligeiramente mais experiente que Pietro Vierchowod e Franco Baresi, Fulvio foi escolhido pelo técnico para formar a zaga da Itália com Claudio Gentile, Scirea, Giuseppe Bergomi e Antonio Cabrini, tendo a honra de ser uma das peças mais importantes para o tricampeonato mundial da Itália. O camisa 5 teve atuações muito seguras em toda a competição e só não esteve presente em parte do confronto com o Brasil, pois se lesionou no primeiro tempo.

Depois de conquistar o mundo, Collovati não voltaria ao Milan para disputar a Serie B outra vez. O clima estava ruim com a torcida e havia algumas desavenças com a diretoria, mas a grande razão para que o zagueiro deixasse o clube (segundo o mesmo, em uma entrevista concedida ao Tutto Mercato Web, em 2013) foi o medo de, desta vez sim, ser descartado por Bearzot, que seguia como treinador da Itália. Fulvio chegou a negociar com a Fiorentina, mas foi o protagonista de uma polêmica transação e se tornou um dos primeiros jogadores da era moderna do futebol do Belpaese a passar diretamente de um clube de Milão para o rival. Aos 25 anos, o defensor foi cedido em copropriedade para a Inter, que emprestou aos rossoneri o zagueiro Nazzareno Canuti, o meia Giancarlo Pasinato e o jovem atacante Aldo Serena.

Collovati foi bem na Inter, mas é lembrado por não ter parado Hateley em um dos gols mais famosos do Derby della Madonnina (Arquivo/AC Milan)

O negócio que fez bem a todo mundo, pois a Beneamata contou com Collovati por quatro temporadas e o Milan acabou vencendo a segundona novamente. Fulvio, por sua vez, foi recebido com carinho e respeito pela torcida da Inter, mas recebeu a alcunha de traidor dos milanistas, seus antigos apoiadores, que capricharam no sarro após uma vitória do Milan no dérbi local, em 1983-84. A partida, terminada em 1 a 0, foi decidida com um belo cabeceio do inglês Mark Hateley, que saltou mais que o próprio defensor friulano e chegou ao gol.

As quatro temporadas pelos nerazzurri foram boas, mas Collovati não conquistou nenhum título. Embora tenha perdido um pouco da potência física que o distinguia, o zagueiro chegou a desempenhar a função de líbero e atuou quase sempre como titular de um time que tinha um ótimo elenco, mas que bateu na trave várias vezes: no período em que Fulvio esteve em La Pinetina, a Inter foi duas vezes semifinalista da Copa Uefa e da Coppa Italia e duas vezes terceira colocada da Serie A.

Em 1986, Collovati viajou para o México e, já como reserva, participou de uma partida da negativa campanha da Itália no Mundial – contra a Coreia do Sul, teve sua última exibição em azzurro. Após a competição, a diretoria interista o comunicou que ele não fazia mais parte dos planos e, depois que recebeu uma proposta da Udinese, convenceu o jogador a ir jogar no maior clube do Friuli, região em que tinha nascido. No entanto, Fulvio não teve atuações brilhantes (principalmente por questões físicas) e viu os bianconeri, penalizados em nove pontos, serem rebaixados. Na janela de transferências sucessiva, um telefonema de Liedholm, seu treinador no Milan, transformou a queda para a segundona em um salto: Collovati havia sido contratado pela Roma.

Na Roma, Collovati teve biênio positivo (Getty)

Na Cidade Eterna, o brilho do zagueiro friulano quase não foi notado: na fase final da carreira, Collovati viveu altos e baixos e não foi um titular absoluto da equipe giallorossa, que concluiu a Serie A na terceira posição, em 1987-88, e em oitavo, na edição seguinte. Do biênio na capital, o zagueiro se recorda principalmente do início da convivência com Gianluca Signorini, que seria seu grande parceiro durante seu outono como jogador, e da importância do clássico contra a Lazio. Na mesma entrevista ao Tutto Mercato Web, já citada, ele lembrou de um encontro divertido com um torcedor. “Um senhor chegou e me disse [imita o sotaque romano]: ‘Collovà, melhor ser rebaixado do que perder o dérbi'”.

Aos 32 anos, uma idade bastante avançada para o futebol da época, Fulvio trocou a Roma pelo Genoa, que seria seu último clube como profissional. O friulano disputou quatro temporadas pelos grifoni, renovando seu contrato anualmente, e formou novamente uma dupla de zaga com o amigo Signorini. A torcida nunca esquecerá da força defensiva daquela equipe, que, em tempos de muita competitividade na Velha Bota, conseguiu ser quarta colocada da Serie , em 1991, e ainda alcançou as semifinais da Copa Uefa, no ano posterior.

Após levar a equipe rossoblù a seus melhores resultados após a II Guerra Mundial e fazer história no Marassi, Collovati se aposentou, aos 36 anos. Franco Scoglio, um de seus treinadores em Gênova, tentou demovê-lo da ideia para levá-lo ao Messina, então na Serie C1, mas o zagueiro achou melhor não forçar a barra. Dessa forma, sua última partida como profissional acabou sendo ainda mais especial, pois foi diante do time que o revelou: 2 a 2 contra o Milan, no estádio Luigi Ferraris.

No fim da carreira, Collovati ajudou o Genoa a disputar um torneio continental pela primeira vez na história (Getty)

Collovati continuou ligado ao futebol depois de se aposentar e mostrou tino para os negócios. O ex-jogador foi diretor esportivo do Piacenza por três anos, entre 2001 e 2004, e foi um dos responsáveis por levar o defensor argentino Hugo Campagnaro (ex-Sampdoria, Napoli e Inter) ao Campeonato Italiano. Em 2015, adquiriu, juntamente com outros acionistas, o Pro Patria, um pequeno e tradicional clube da região de Milão: foi diretor geral dos tigrotti, mas se demitiu do cargo e atualmente é apenas sócio e conselheiro.

Embora tenha feito incursões no business do esporte, Collovati ficou mais conhecido mesmo pela facilidade em trabalhar com comunicação – segundo o próprio, uma vocação que ficou clara quando ele ajudou a organizar a festa de centenário do Genoa, em 1993. O ex-zagueiro se destaca na função de comentarista: chegou a apresentar um programa com sua esposa, Caterina, no Canale Italia, mas ficou mais conhecido pelo trabalho na Rai, a rede televisiva pública italiana. Fulvio trabalhou na emissora durante quase uma década e foi um dos analistas fixos do célebre programa La Domenica Sportiva, que deixou em 2014. Hoje, é dono de uma produtora de conteúdo para televisão e internet e, eventualmente, aparece como convidado de colunas ou mesas-redondas para dar seus pitacos.

Fulvio Collovati
Nascimento: 9 de maio de 1957, em Teor, Itália
Posição: zagueiro
Clubes em que atuou: Milan (1976-82), Inter (1982-86), Udinese (1986-87), Roma (1987-89) e Genoa (1989-93)
Títulos: Copa do Mundo (1982), Serie A (1979), Coppa Italia (1977), Copa Mitropa (1982) e Serie B (1981)
Seleção italiana: 50 jogos e três gols

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