“Um verdadeiro cavalheiro nunca abandona sua senhora”, afirmou Alessandro Del Piero, em 2006, quando perguntado se deixaria a Juventus após o escândalo do Calciopoli, que rebaixou a equipe de Turim à Serie B italiana. Era um dos momentos mais difíceis da história da Velha Senhora (jogadores como Fabio Cannavaro e Zlatan Ibrahimovic já negociavam para trocar de camisa e não disputar a segunda divisão) e a declaração de amor eterno, sob qualquer dificuldade, provavelmente encurtou a jornada do atacante ao topo da galeria de ídolos juventinos. O capitão já caminhava para se tornar o maior de todos em Turim, é verdade – algumas semanas antes havia superado Giampiero Boniperti como maior artilheiro do clube, por exemplo -, mas a frase ajudou a cravar seu nome como o maior da história bianconera antes mesmo do fim de sua carreira.
Àquela altura, ele já chegava a 13 anos de fidelidade absoluta à camisa listrada em preto e branco (chegaria a 19 no fim de sua passagem) e carregava no currículo cinco scudetti (ainda ganharia mais um antes de deixar o clube, em 2012), uma Liga dos Campeões e um Mundial de Clubes. Também já era o dono da braçadeira de capitão havia cinco temporadas e estava prestes a conquistar o tetracampeonato mundial de seleções com a Itália. Ou seja, era considerado majestade nas ruas de Turim e, não à toa, ostentava o apelido de Dio Piero (Deus Piero) entre os fãs.
O processo de endeusamento começou em 1993, quando o jovem de Conegliano, vilarejo próximo a Turim, escolheu, entre várias ofertas, trocar o Padova – time que o acolheu dos 13 aos 18 anos – pela Juve. O garoto chegava sob a expectativa de se tornar o substituto de Roberto Baggio em poucos anos e não decepcionou. Em sua primeira temporada, entrou em 11 partidas da Serie A e marcou cinco gols, ao mesmo tempo em que se dividia com os times da base juventina. Naquele ano, foi um dos principais jogadores do título da equipe na Copa Viareggio e já aparecia como uma das principais promessas do futebol italiano.
Sabendo disso, o técnico Marcello Lippi apostou no jovem para suprir a ausência do ídolo máximo Roberto Baggio, que se lesionou no início da temporada 1994-95. A reposição deu tão certo que, com o título ao fim daquela temporada, a diretoria juventina decidiu vender Baggio para o Milan e dar a camisa 10 para Del Piero. Foi quando o atacante ganhou do presidente Gianni Agnelli o apelido de Pinturicchio, pela sua classe com a bola nos pés. “Se Baggio era Rafael, Del Piero é Pinturicchio”, enalteceu o dirigente, que costumava comparar os craques aos grandes pintores renascentistas da Itália. Pinturicchio, além de significar pequeno pintor, também era o apelido de Bernardino di Betto, importante artista.
Com a saída de Baggio e a consequente titularidade no time, aumentaram as responsabilidades de Delpi. O atacante de 21 anos ainda contava com os experientes Gianluca Vialli e Fabrizio Ravanelli ao seu lado, mas ainda tinha que provar para a torcida porque merecia a camisa 10 de Baggio. E provou: em sua primeira temporada como protagonista, Del Piero brilhou na campanha campeã da Liga dos Campeões, com gols em todas as suas cinco primeiras partidas como titular no maior torneio da Europa e bons jogos na fase decisiva. No fim do ano, marcou o único gol do jogo e foi eleito o melhor jogador do Mundial Interclubes contra o River Plate. Os feitos lhe renderam o título de melhor jogador sub-21 da Europa naquele ano e ainda o quarto lugar na disputa da Bola de Ouro de 1996.
Nessa temporada, ficou famosa entre os jornalistas italianos a definição de “gol à Del Piero”, aquele em que o chute acerta o ângulo oposto, tirando a bola do goleiro com efeito. Além das precisas finalizações de fora da área, Delpi ficou famoso pela habilidade para driblar em espaço curto e para cobrar faltas. Foi esbanjando todas essas características que ele conquistou mais quatro títulos italianos entre 1997 e 2003 e se tornou um dos principais jogadores italianos da época. O Pinturicchio ainda levou a Juve à mais uma final da Liga dos Campeões, em 2002-03, mas viu o Milan ficar com o troféu daquela que foi a única decisão entre dois italianos na história do torneio europeu.
À época, Del Piero já atuava mais preso à grande área – um pedido de Lippi – e passou a marcar mais gols que em qualquer fase da carreira. Em 2001-02, anotou 21 e, dali em diante, não marcou menos de 10 vezes em nenhuma temporada até 2012. Assim, se tornou o único italiano a marcar mais de 10 gols em 16 temporadas da carreira e entrou para o top-10 de maiores artilheiros do futebol da Bota, com 188 comemorações na Serie A.
Após o título da Copa do Mundo com a Squadra Azzurra (no qual foi importante, ao decidir a semifinal contra a Alemanha) e o “fico” na Juventus, em 2006, o já trintão Del Piero viveu anos de menos brilhantismo, com menos títulos e menor protagonismo, mas ainda desfilou sua classe por algum dos maiores estádios da Europa, ganhando aplausos de torcedores do Real Madrid, no Santiago Bernabéu, e do Manchester United, no Old Trafford, em momentos marcantes. O atacante deixou a Juve em 2012, como maior artilheiro da história do clube (290 gols) e atleta que mais vezes vestiu a camisa bianconera (705). Passou por Sydney FC e Delhi Dynamos antes de encerrar a carreira com o status de lenda do futebol.
Veja os gols mais bonitos de Del Piero com a camisa da Juventus:
Alessandro Del Piero
Nascimento: 9 de novembro de 1974, em Conegliano, Itália
Posição: atacante
Clubes em que atuou: Padova (1991-93), Juventus (1993-2012), Sydney (2012-14) e Delhi Dynamos (2014-15)
Títulos: Copa do Mundo (2006), 6 Serie A (1995, 1997, 1998, 2002, 2003 e 2012), Coppa Italia (1995), 4 Supercoppa Italia (1995, 1997, 2002 e 2003), Serie B (2007), Liga dos Campeões (1996), Mundial Interclubes (1996), Supercopa da Uefa (1996), Copa Intertoto (1999), Copa Viareggio (1994) e Campeonato Primavera (1994)
Seleção italiana: 91 jogos e 27 gols