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Em 1982, a Itália garantiu o tri mundial com vitória categórica sobre a Alemanha Ocidental

O dia 11 de julho de 1982 ficou marcado pela realização da final da 12ª Copa do Mundo e pelo último capítulo de uma trajetória de redenção. Itália e Alemanha Ocidental se enfrentaram na sexta decisão entre europeus e, quem vencesse, se sagraria tricampeã, empatando em número de títulos com o Brasil. Em ascensão na hora certa, os azzurri levaram a melhor.

Além de sacramentar a Itália como a mais nova tricampeã mundial, a final da Copa da Espanha também reservou outro fato inédito. Pela primeira, um árbitro de fora da Europa foi escalado para apitar a decisão – e o escolhido foi o brasileiro Arnaldo Cezar Coelho. Para apimentar ainda mais a partida dirigida pelo carioca, os atacantes Paolo Rossi e Karl-Heinz Rummenigge brigavam pela artilharia da competição, com cinco gols cada.

Juan Carlos I, rei da Espanha, foi convidado de honra e presenciou, em Madrid, um Santiago Bernabéu lotado: cerca de 90 mil pessoas acompanhariam uma final que, de certa maneira, foi inusitada. Afinal, apesar da enorme tradição no futebol, nem Itália nem Alemanha Ocidental não eram vistas como as grandes favoritas à taça. Mesmo assim, conseguiram chegar à decisão.

Arnaldo Cezar Coelho, entre Rummenigge e Zoff, fez história: foi o primeiro sul-americano a apitar uma final de Copa (Getty)

Os alemães contavam com 12 jogadores do time que havia conquistado a Eurocopa dois anos antes, na Itália. Três eram as ausências notáveis: as dos meio-campistas Bernard Dietz e Rainer Bonhof, que haviam se aposentado da seleção, e a do jovem e ofensivo meia Bernd Schuster, do Barcelona. O atleta blaugrana tinha desentendimentos com o técnico Jupp Derwall e, principalmente, com o craque Paul Breitner, que reconsiderara a decisão de não mais representar a Nationalmannschaft e terminou sendo chamado para o Mundial de 1982. O time era forte, mas a campanha da Alemanha Ocidental teve seus altos e baixos.

No confronto de estreia da fase de grupos, os alemães perderam por 2 a 1 para a Argélia, que tinha em seu elenco Rabah Madjer e Lakhdar Belloumi. Os germânicos conseguiram se recuperar na segunda rodada após aplicar um 4 a 1 no Chile e, por fim na terceira partida, protagonizaram um dos duelos mais sem graça da história das copas, um verdadeiro jogo de compadres: uma vitória por 1 a 0 contra a Áustria, que foi suficiente para classificar as duas seleções e eliminar os argelinos. O episódio ficou conhecido como “A Vergonha de Gijón”.

Na fase seguinte, os alemães empataram sem gols com a seleção inglesa e venceram a Espanha, dona da casa, por 2 a 1 – resultados que foram suficientes para avançarem às semifinais. A partida anterior à decisão foi um verdadeiro épico. A Alemanha Ocidental esteve perto de dar adeus às chances de vencer a Copa do Mundo, mas reagiu: após empate em 3 a 3 contra a França, venceu nos pênaltis por 5 a 4 e carimbou o passaporte para a final, disputada na capital espanhola.

Na final, Bearzot teve de lidar com a ausência de Antognoni (Allpsort/Getty)

A campanha da Itália, por sua vez, teve empates nada empolgantes contra Polônia, Peru e Camarões, na primeira fase de grupos, e só engrenou na segunda etapa da Copa. Embora dona de uma trajetória que levantava muitas questões, a Nazionale conseguiu achar o seu futebol ao bater dois dos favoritos: primeiro, a Argentina de Diego Maradona e outros craques; depois, desbancando um Brasil que até os dias de hoje é pintado como um dos melhores times da história do país.

Na semifinal, já com a confiança recuperada, a Itália conquistou uma vitória por 2 a 0 contra a forte Polônia e garantiu a passagem de ida para Madrid. No entanto, o triunfo sobre os poloneses deixou uma dor de cabeça para Enzo Bearzot. Giancarlo Antognoni, jogador cerebral e principal articulador de jogadas no meio-campo italiano, se lesionou durante a partida e seria desfalque na decisão.

Rossi, anteriormente contestado, travou duelo com Breitner, um dos mais badalados jogadores daquela Alemanha Ocidental (Allsport)

A solução do técnico foi dar lugar ao volante Gianpiero Marini e adiantar Marco Tardelli para ser o articulador de jogadas dos italianos. Outra decisão foi a de manter o jovem zagueiro Giuseppe Bergomi no time titular e também escalar Claudio Gentile, o dono da posição que voltava ao time após cumprir suspensão. Dessa maneira, Bearzot reforçou o sistema defensivo e deu mais liberdade aos meio-campistas. Com quatro zagueiros em campo, Antonio Cabrini também tinha liberdade de subir ao ataque.

Pelo lado alemão não havia nenhum desfalque. Jupp Derwall decidiu escalar um time mais ofensivo, tirando o meia Felix Magath, que não vinha fazendo boas partidas, e colocando de volta na equipe o capitão Rummenigge. Tendo Uli Stielike como líbero e Hans-Peter Briegel como arma potente pelo flanco esquerdo, a Alemanha Ocidental se baseava num 5-2-3 dinâmico, que mudava de cara com a movimentação de suas peças.

Mantido no onze inicial por Bearzot, o jovem Bergomi ajudou a segurar o ataque alemão (imago)

O jogo prometia, mas começou truncado, por conta do duelo tático protagonizado pelas duas equipes. Com o tique taque do relógio, as duas equipes foram se soltando e os alemães tiveram uma primeira oportunidade após Pierre Littbarski chutar de canhota para a defesa sem rebote do experiente Dino Zoff.

A Itália teve uma baixa ainda no começo da partida, quando Francesco Graziani caiu sobre o ombro direito, que havia lesionado na partida anterior, e teve de ser substituído. Bearzot mandou a campo Alessandro Altobelli – o que, mais tarde, se provaria como grande escolha.

Com muita gana, Rossi empurrou a bola para as redes e marcou o primeiro da Itália na final (Getty)

Os italianos faziam partida levemente superior, apesar de a Alemanha Ocidental criar mais chances – embora sem perigo. Com o tempo, a Itália começou a aproveitar o desgaste dos alemães, que diferentemente dos adversários, enfrentaram uma exaustiva prorrogação na semifinal.

Aos 25 minutos, os azzurri tiveram um pênalti a seu favor, quando Briegel usou o braço para bloquear Bruno Conti dentro da área, acertando-lhe na altura do pescoço. Cabrini foi para a cobrança, mas pegou mascado na bola e errou. O lateral escolheu o canto esquerdo e bateu cruzado, mas não direcionou a finalização à meta de Harald Schumacher. Segundo o próprio italiano, a mudança de ideia no último momento foi fatal para que ele acabasse batendo muito aberto.

Tardelli recebeu de Scirea e ampliou o placar com belo chute (Allsport/Getty)

O jogo foi para o intervalo sem maiores chances para os dois lados. Bearzot sabia que o pênalti perdido poderia ter afetado a moral do time no restante da primeira etapa. Com isso, o comandante tentou animar os jogadores para que voltassem sem distrações para o segundo tempo.

No início da segunda etapa, ambos os times aparentavam nervosismo ao pararem o jogo com faltas recorrentes. E foi justamente em uma dessas faltas que a Itália conseguiu abrir o placar. Aos 57 minutos, Rummenigge derrubou Gabriele Oriali e Tardelli cobrou a infração rapidamente, lançando Gentile na lateral direita. O jogador da Juventus cruzou a bola na área, Altobelli não alcançou e Rossi aproveitou para se antecipar ao marcador e escorar de cabeça, estufando as redes. Foi o sexto gol do artilheiro, anteriormente contestado, e o primeiro da esquadra azul na final.

Já na reta final da decisão, a Itália aproveitou os espaços na defesa alemã e anotou o terceiro, com Altobelli (imago)

Buscando o empate, o técnico alemão mandou seu time ao ataque. Pouco depois do tento italiano, Derwall tirou o volante Wolfgang Dremmler e deu espaço ao atacante Horst Hrubesch. A mudança acabou colocando um pouco de pressão sobre a meta defendida por Zoff, mas os espaços deixados pela Alemanha Ocidental no campo de defesa se fizeram presentes no restante da partida. E a Itália os aproveitaria com maestria.

O segundo gol italiano saiu após roubada de bola de Rossi no meio-campo, o que permitiu que a Itália avançasse rapidamente em transição ao ataque. Alguns jogadores da linha defensiva avançaram, como o líbero Gaetano Scirea. O camisa 7 recebeu de Rossi na ponta, trocou passes com Bergomi e, depois, rolou para Tardelli, seu colega de Juventus. O volante dominou na entrada da área e chutou forte, de esquerda, vencendo Schumacher.

O tricampeonato foi uma vitória pessoal para Bearzot, que conduziu a renovação geracional da Nazionale (imago)

O gol fez o estádio explodir de felicidade e o famoso “grito de Tardelli” sintetizou o delírio nas comemorações. Até Sandro Pertini, presidente da Itália, pulou de alegria – fugindo ao protocolo, que seria permanecer sentado ao lado das outras autoridades de estado. A vibração foi contagiante e mais estava por vir.

Os italianos impunham o seu ritmo na partida e os alemães tentavam correr atrás do prejuízo, mas estavam muito cansados. O cansaço, inclusive, se converteu em nervosismo. Stielike sofreu uma entrada dura de Oriali e, depois de se levantar da pancada, partiu para cima do jogador italiano. Arnaldo Cezar Coelho prontamente amarelou o volante da Inter, mas teve de aguentar, pelo resto da peleja, as reclamações do líbero germânico, que pedia a expulsão do rival.

Bergomi, de 18 anos, e Zoff, de 40: campeões mundiais de diferentes gerações (imago/WEREK)

Com os ânimos exaltados, a Alemanha Ocidental viu a Itália ampliar o placar, novamente em um contra-ataque. Briegel avançou e caiu na área, mas não houve infração no lance. Aí, os azzurri aproveitaram o buraco que ficou no setor do lateral e partiram com Conti. O ponta da Roma correu com a bola e tocou para Altobelli na marca do pênalti. O atacante da Inter teve tempo de dominar, driblar o goleiro e finalizar de canhota para o fundo das redes.

Dois minutos depois, aos 83, os alemães conseguiram diminuir o placar. Hansi Müller, que entrara no lugar de Rummenigge, cruzou na área e, na sobra, Breitner mandou para o barbante. Mas já era tarde demais para empatar e, pior, virar o jogo. Sequer houve comemoração por parte dos germânicos na hora do gol. Curiosamente, o ex-lateral de Bayern de Munique e Real Madrid se tornou um dos quatro jogadores que anotaram tentos em finais de Copas do Mundo diferentes – também havia feito um em 1974. Os outros são Pelé, Vavá e Zinédine Zidane.

O placar confortável permitiu que Bearzot ainda fizesse uma homenagem ao veterano Franco Causio, um de seus preferidos. Aos 33 anos, o ponta entrou no lugar de Altobelli, no finalzinho da peleja, e fez a sua segunda aparição na Copa.

Artilheiro, campeão e melhor jogador: Rossi foi o dono da Copa (BT Sports Photography/Getty)

Com o experiente jogador em campo, a Itália ficou tocando a bola ao som do “olé” espanhol até o último segundo da partida – literalmente. Só parou quando Arnaldo Cezar Coelho segurou a pelota, que levaria para casa, de recordação, e decretou o encerramento do jogo. Assim, a Nazionale se sagrava tricampeã mundial após um jejum de 44 anos. Na época, a taça ainda era a Jules Rimet. O título provava que a imprensa italiana havia pesado demais a mão nas críticas (muitas delas, injustas) ao elenco.

A conquista também marcou uma reviravolta para o experiente Zoff, que disputava seu quarto Mundial. O goleiro podia, enfim, apagar a decepção da final de 1970, quando assistiu, do banco de reservas, o massacre do Brasil. Além disso, o capitão da Nazionale se tornou o jogador mais velho a levantar uma Copa do Mundo, tendo 40 anos e 133 dias.

O tricampeonato também representava a redenção de Rossi, que havia passado dois anos sem atuar profissionalmente, por envolvimento no escândalo Totonero. Bearzot, porém, conhecia muito bem o potencial de Pablito, que já havia feito uma boa Copa em 1978, e decidiu bancá-lo. Grande parte das críticas da imprensa recaíam sobre o atacante, que passou em branco nos quatro primeiros jogos na Espanha e deu a volta por cima. O craque, além de ter se tornado o carrasco do Brasil, conseguiu um feito que jamais foi repetido: foi campeão, artilheiro e o melhor jogador do torneio.

E, por fim, a taça teve um sabor especial para Bearzot. Não só por conta da aposta bem-sucedida em Rossi, mas por levar o desempenho da seleção em patamar superior, coroando a renovação que vinha conduzindo desde 1975. Não à toa, entrou para o rol de raras unanimidades do futebol italiano.

Itália 3-1 Alemanha Ocidental

Itália: Zoff; Scirea; Gentile, Bergomi, Collovati; Conti, Oriali (Marini), Tardelli, Cabrini; Rossi, Graziani (Altobelli, Causio). Técnico: Enzo Bearzot.
Alemanha Ocidental: Schumacher; Kaltz, K. Förster, Stielike, B. Förster, Briegel; Dremmler (Hrubesch), Breitner; Rummenigge (Müller), Fischer, Littbarski. Técnico: Jupp Derwall.
Gols: Rossi (57’), Tardelli (69′) e Altobelli (81’); Breitner (83’)
Árbitro: Arnaldo Cezar Coelho (Brasil)
Local e data: estádio Santiago Bernabéu, Madrid (Espanha), em 11 de julho de 1982

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