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Thomas Hässler ganhou tudo pela Alemanha, mas nada na Itália

No mundo do futebol há um raro e específico grupo de atletas: aqueles que conquistaram os títulos mais importantes com as seleções de seus países, mas que não levantaram sequer uma taça por clubes. Um desses jogadores foi o meio-campista alemão Thomas Hässler, que defendeu Juventus e Roma e ganhou quase tudo com a Alemanha.

Hässler – ou Häßler, se você for germanófilo – nasceu na parte ocidental da atribulada e dividida Berlim do final dos anos 1960, no auge da Guerra Fria. Enquanto a geração de Franz Beckenbauer, Paul Breitner, Sepp Maier e Gerd Müller conquistava o mundo, em 1974, o garoto Thomas dava seus primeiros passos na escolinha do Meteor, antigo clube berlinense. No final da década, quando Lou Reed e David Bowie viviam na capital da Alemanha Ocidental e gravavam discos sombrios e fundamentais para a época, o jovem começava a frequentar as categorias de base do Reinickendorfer Füchse. Nunca estrearia como profissional pelas raposas, que disputavam a terceira divisão.

Em 1984, quando Hässler havia acabado de completar 18 anos, o Köln notou o jovem prospecto berlinense e o levou para a Renânia. O meia foi utilizado a conta-gotas na primeira temporada, para não queimar etapas, mas se tornaria fundamental em uma das fases de maior sucesso da história dos Bodes. Hässler foi ganhando espaço nos cinco anos seguintes e assumiu não só a titularidade, mas o posto de principal jogador daquela equipe, que seria vice-campeã da Copa Uefa em 1986 e da Bundesliga, em 1989 e 1990. O meia-atacante ainda seria eleito jogador alemão do ano em 1989.

As grandes atuações logicamente levaram Hässler à seleção da Alemanha Ocidental. Primeiro, o jovem meia defendeu a equipe olímpica, que ficou com o bronze nos Jogos de Seul, em 1988 – ano em que receberia as primeiras convocações para a Nationalmannschaft. Thomas, que recebera o apelido de Icke pelo seu jeito peculiar, com dialeto berlinense, de falar “ich” (a palavra para “eu” em alemão), rapidamente se converteu em uma peça importante para Franz Beckenbauer, pois adicionava potência, força física, velocidade, resistência e habilidade ao meio-campo germânico. Além de ser criador de jogadas logo atrás dos atacantes, o meia caía pela ponta direita e era um bom finalizador, exímio cobrador de faltas.

Com crédito com o comandante, Hässler foi titular na meia-direita do 5-3-2 alemão na Copa do Mundo de 1990. Embora tenha começado a competição com vaga garantida no onze inicial, Icke sofreu uma lesão no final da fase de grupos e ficou de fora das duras partidas das oitavas de final, contra a Holanda, e das quartas, diante da Checoslováquia. O berlinense retornou na semifinal, contra a Inglaterra, e após ajudar também na final contra a Argentina, ergueu, com muito estilo, o seu primeiro troféu: justo o de campeão mundial. Seria a segunda grande felicidade para Icke em menos de dois anos, já que o meia tinha visto o Muro de Berlim cair no ano anterior, selando a unificação de sua cidade natal e de seu país.

A Juventus foi o primeiro clube do alemão na Itália (imago/WEREK)

Hässler foi uma das quatro principais contratações da Velha Senhora naquela janela, ao lado de Roberto Baggio, Paolo Di Canio e do brasileiro Júlio César. Assim como muitos de seus companheiros da seleção alemã campeã no Mundial da Itália, Hässler teria outros momentos de brilho nos gramados da Velha Bota. Após a competição, o Köln recebeu uma proposta de 15 milhões de marcos e decidiu ceder o talento de 24 anos para a Juventus, que buscava conquistar um novo scudetto após quase uma década sob o comando do técnico Giovanni Trapattoni. A Juve acabara de ser campeã da Copa Uefa e da Coppa Italia, mas o jejum de títulos da Serie A completava quatro temporadas.

O trio ficaria às ordens do recém-chegado técnico Gigi Maifredi e Icke teria a incumbência de formar com Baggio a dupla de criação da equipe, com o intuito de servir Salvatore Schillaci e um entre Pierluigi Casiraghi e Di Canio, que se revezavam. A temporada, no entanto, começou da pior forma para a Juve: o Napoli de Diego Maradona goleou o time bianconero por 5 a 1 na Supercopa Italiana e Hässler foi substituído no intervalo para dar lugar ao meia Daniele Fortunato, quando os azzurri já haviam feito 4 a 1.

Seria o preâmbulo do que estaria por vir em 1990-91: embora a Juve tenha sido eliminada pelo Barcelona somente nas semifinais da Recopa Uefa e se saído bem no primeiro turno da Serie A, a temporada terminaria amarga para os bianconeri. No final das contas, o sétimo lugar no Campeonato Italiano foi o pior resultado alcançado pela Velha Senhora desde os anos 1960, e coroava uma sequência negativa no pós-Trapattoni. O fato daquela temporada é que a equipe nunca conseguiu assimilar as ideias de Maifredi – que foi demitido no final da campanha, inclusive.

Hässler, titular em toda a temporada da Velha Senhora, não caiu no gosto da torcida e também não convenceu a nova diretoria. Na reformulação interna do clube, Luca Di Montezemolo deixou a presidência para Giampiero Boniperti e Trapattoni voltava ao comando do elenco piemontês. Icke, porém, acabaria por ser negociado para que a Juve pudesse abrir uma vaga de estrangeiro e recebesse Jürgen Kohler e Stefan Reuter, seus colegas na campanha do título mundial da Alemanha. Com isso, o meia passou à Roma por cerca de 12 bilhões de liras e o passe do jovem goleiro Angelo Peruzzi, que estava suspenso por doping.

Tal qual em Turim, Hässler chegou a um time que tinha faturado a Coppa Italia na temporada anterior e que disputara a final da Copa Uefa – a Roma, no entanto, foi derrotada pela Inter. Icke também fez sua partida de estreia em uma Supercopa Italiana e acabou amargando também uma derrota, mas mais magra: a Sampdoria fez 1 a 0 e ficou com a taça. Apesar disso, sua história na Cidade Eterna foi mais rica do que sob a égide da Mole Antonelliana.

Icke passou pouco tempo em Turim e, por questões burocráticas, logo trocou de casa no futebol italiano (imago)

O meia ocupou a vaga de estrangeiro deixada pelo compatriota Thomas Berthold, negociado com o Bayern München, mas encontraria um parceiro germânico em seu primeiro ano na Roma. Ao lado de Rudi Völler, Hässler ajudou a equipe treinada por Ottavio Bianchi a ficar com a 5ª posição na Serie A e alcançar as quartas de final da Coppa Italia e da Recopa Uefa. Nada mal para uma temporada de altos e baixos para o clube, que tinha problemas de bastidores por causa da diminuição dos investimentos que ocorrera após a morte do presidente Dino Viola, meses antes da chegada de Hässler. O fim da campanha foi adocicado por uma arrancada na reta final do Campeonato Italiano, que rendeu uma vaga na Copa Uefa para os giallorossi. Apesar da superação demonstrada, a torcida ficou um pouco decepcionada.

Afinal, aquele time tinha potencial para ser uma máquina ofensiva, pois (além dos alemães) tinha jogadores como Giuseppe Giannini, Fausto Salsano, Valter Bonacina, Ruggero Rizzitelli, Roberto Muzzi e Andrea Carnevale. No entanto, a característica mais defensiva do treinador, adepto da zona mista, impossibilitava uma proposta mais ousada. Ainda assim, Icke aproveitou as oportunidades que teve e anotou três gols na temporada, incluindo um no clássico contra a Lazio. Na ocasião, ele cobrou uma falta da meia-lua e, aproveitando a barreira mal posicionada, somente colocou no canto do goleiro Valerio Fiori.

A temporada seria concluída com a disputa da Euro 1992, competição em que Hässler brilhou e da qual foi considerado um dos melhores jogadores. O vice-campeonato da Alemanha foi conduzido por Icke, imparável no meio-campo, com dribles em velocidade, muita potência e inteligência tática. O berlinense ainda faria dois gols no torneio, diante da Comunidade dos Estados Independentes – ex-União Soviética – e diante da Suécia, dona da casa, na semifinal. As atuações lhe renderiam pela segunda vez o prêmio de melhor jogador alemão do ano solar.

Com moral, Hässler retornou a uma Roma caótica, que chegaria ter o presidente Giuseppe Ciarrapico preso ao longo da campanha 1992-93, por envolvimento na falência do Banco Ambrosiano. O caos se refletiria em campo: o time, agora treinado por Vujadin Boskov – tal qual Bianchi, campeão italiano anos antes – marcava muitos gols, mas também sofria em demasia. Após a saída de Völler para o Marseille, Rizzitelli, Carnevale, Giannini e o reforço Claudio Caniggia tentaram assumir a responsabilidade. Icke também: anotou seis gols na temporada e um deles seria decisivo para bater a Juventus, em um 2 a 1 no Olímpico. Apesar disso, a Roma ficaria somente com a 10ª posição na Serie A e se lamentaria pelo vice-campeonato na copa local: após duas eletrizantes partidas, com placar agregado em 5 a 5, o Torino levantaria o troféu pelos gols marcados fora de casa.

Em 1993-94, a Roma seria adquirida por Franco Sensi e Hässler viveria seus últimos dias na capital italiana. Uma maior tranquilidade se via nos bastidores (até porque a nova diretoria optou por uma solução caseira ao contratar o técnico Carlo Mazzone), mas a equipe capitolina, baqueada pelos anos anteriores, ainda era incapaz de brigar com grandes esquadrões da época, como os montados por Juventus, Milan e Parma, e acabaria o campeonato na sétima posição. Regular como sempre, Icke dividiria o vestiário com Francesco Totti, em sua primeira temporada como profissional, e manteria a titularidade da seleção da Alemanha.

Hässler passou três anos na Roma e foi querido pela torcida (imago/HJS)

Além das boas campanhas na Bundesliga, o KSC foi vice-campeão da Copa da Alemanha, em 1996, e também chegou a ser apelidado de Eurofighter por ter incomodado times maiores quando participou da Copa Uefa. Em 1996-97, por exemplo, Hässler e companhia chegaram a eliminar a Roma na segunda fase da competição, mas cairiam na etapa posterior, depois que o capitão quebrou a perna e desfalcou a equipe diante do Brondby. O Karlsruher sofreu com declínio financeiro e técnico em 1997-98 e, sem mostrar o mesmo futebol de antes, foi rebaixado para a segunda divisão. Icke, no entanto, continuava em grande fase: uma prova disso é que ele fechou com o Borussia Dortmund, campeão europeu e mundial em 1997.

Apesar da situação aparentemente confortável, o berlinense comunicou ao clube que gostaria de voltar a seu país e foi negociado no verão de 1994 com o Karlsruher, mediana equipe do sul da Alemanha. Em busca de um novo desafio, Hässler rejeitou ofertas de clubes maiores e acabou se tornando a contratação mais cara – e a mais ousada – do KSC. Em quatro anos na região de Baden-Württemberg, o meia se tornaria capitão da equipe e a ajudaria a conseguir vagas em torneios continentais – diretamente ou através da Copa Intertoto. Aliás, foi na extinta competição europeia que Hässler conseguiu sua única glória com um clube, embora ela não lhe rendesse troféu: o Karlsruher foi um dos vencedores do torneio em 1996 e obteve o direito de disputar a Copa Uefa.

A passagem pelo BVB seria curta, porém. Hässler se desentendeu com o técnico Michael Skibbe e também não tinha o melhor relacionamento com Andreas Möller, seu companheiro na seleção. Depois de um ano em que recebeu poucas oportunidades, Icke decidiu fechar novamente por um clube menos badalado e aceitou a proposta do 1860 Munique. Na Baviera, voltou a desempenhar um bom futebol e, em sua temporada de estreia pelos leões, foi fundamental para a conquista de uma vaga na fase preliminar da Liga dos Campeões, obtida pela quarta colocação na Bundesliga. A equipe cairia nos play-offs para o Leeds United e seria relegada à disputa da Copa Uefa, mas isto não apagaria a última temporada em altíssimo nível do berlinense, então com 34 anos.

Após a volta à sua pátria, Hässler continuou sendo frequentemente convocado para a seleção com a camisa do KSC e só não recebeu oportunidades em 1999. Muito rodado, o meio-campista ainda participaria das Copas de 1994 e 1998 e das Eurocopas de 1996 e 2000, concluindo sua aventura pela Nationalelf com 101 partidas e 11 gols anotados. Sua despedida da seleção foi melancólica: juntamente com uma geração muito criticada e tendo Paulo Rink como companheiro, jogou os últimos 30 minutos da partida contra Portugal, na Euro. Os lusos venceram por 3 a 0, com três gols de Sérgio Conceição, e a Alemanha foi eliminada na fase de grupos.

Já veterano, Icke teve mais três anos de bom futebol e alguns problemas físicos no 1860 Munique, até deixar o clube aos 37 anos, em 2003. Prestes a encerrar a carreira, o meia rumou para a Áustria e assinou contrato com o Salzburg – clube que, hoje, pertence à Red Bull. Depois de 19 jogos, o craque anunciou sua aposentadoria e se afastou do esporte por alguns anos. No período, se dedicou um pouco à gravadora MTM, especializada em hard rock alemão, que fundou com alguns amigos, em Munique – a empresa fechou as portas em 2007.

Naquela mesma época, Hässler reapareceu como auxiliar de Berti Vogts na seleção da Nigéria, mas ficou na função apenas por um ano. O ex-meia ocupou o mesmo cargo no Köln e no Padideh, do Irã, até estrear como treinador em 2016, em um trabalho que ressaltava que sua ligação com a Itália continuava forte. Icke se tornou comandante do Club Italia Berlino, time da oitava divisão germânica formado por imigrantes italianos ou descendentes que vivem na capital germânica. Em sua trajetória com a prancheta, passou também pelo BFC Preussen.

Thomas Jürgen Hässler
Nascimento: 30 de maio de 1966, em Berlim, Alemanha
Posição: meio-campista
Clubes: Köln (1984-90), Juventus (1990-91), Roma (1991-94), Karlsruher (1994-98), Borussia Dortmund (1998-99), 1860 Munique (1999-2003) e Salzburg (2003-04)
Títulos: Bronze Olímpico (1988), Copa do Mundo (1990), Eurocopa (1996) e Copa Intertoto (1996)
Seleção alemã: 101 jogos e 11 gols

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