Técnicos Cartolas

Competente treinador, Gianni Di Marzio ficou conhecido por ‘descobrir’ Diego Maradona

Giovanni Di Marzio foi um personagem importante do futebol italiano. Jogador, treinador, dirigente e com um olho clínico para descobrir talentos, tentou contratar três dos maiores craques das últimas décadas – Diego Armando Maradona, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi – quando estes ainda davam seus primeiros passos como profissionais. Figura respeitada nos diversos clubes em que trabalhou, sempre conseguiu deixar sua marca, principalmente nos time do sul da Itália. Supersticioso, tinha como hábito presentear seus atletas com gravatas após cada vitória.

O surgimento do treinador e o grave acidente

Natural de Nápoles, Gianni iniciou sua relação com o futebol ingressando na carreira de atleta. Se profissionalizou como jogador e foi um talentoso meio-campista, mas seguidas lesões fizeram com que pusesse um fim em sua carreira quando ainda tinha 24 anos. Optou por ser treinador e, no final da década de 1960, tornou-se auxiliar de Arnaldo Sentimenti, no Internapoli. Di Marzio chegou a dirigir interinamente a equipe, que tinha o zagueiro Giuseppe Wilson e o atacante Giorgio Chinaglia, que fariam história na Lazio, e continuou como assistente do brasileiro Luís Vinício na temporada 1968-69.

Seu passo seguinte foi assumir o time Primavera do Napoli, onde permaneceu por dois anos, de 1969 a 1971. Depois, de volta ao futebol profissional, fez bons trabalhos na Serie D por Nocerina e Juve Stabia, chegando a brigar pelo acesso pela equipe de Nocera Inferiore. A passagem por Castellamare di Stabia, por sua vez, rendeu um capítulo curioso quando as vespas receberam o Avellino, uma forte adversária, e adotaram uma estratégia um tanto quanto insólita. Diversas pedrinhas foram espalhadas ao redor do campo, no intuito de que o quique da bola fosse prejudicado. A artimanha funcionou e os anfitriões saíram vitoriosos por 1 a 0, para a revolta de Pierpaolo Marino, cartola dos biancoverdi.

O desempenho nos times da Campânia fez com que Di Marzio recebesse a oportunidade de treinar o Brindisi, que disputava a Serie B. Ele chegou ao cargo por indicação de Vinício, que fizera sucesso pelos biancazzurri e rumou ao Napoli. Na Apúlia, as coisas corriam bem e a equipe vinha tendo um satisfatório desempenho até que, no dia 13 de dezembro de 1973, Gianni sofreu um grave acidente de carro enquanto estava acompanhado de sua esposa Tucci, grávida naquele momento de Gianluca, renomado jornalista nos dias de hoje.

Ao salvá-la, o treinador sofreu danos que desfiguraram seu rosto e teve de ser submetido a um procedimento cirúrgico em seus maxilares. Como se as coisas não pudessem piorar, Franco Fanuzzi, presidente do clube biancazzurro, que havia expressado ser contra a cirurgia para que o comandante não se ausentasse das partidas, o exonerou do cargo, segundo relato de Gianluca Di Marzio na biografia do pai.

Di Marzio começou a ter destaque no Brindisi do presidente Fanuzzi, mas deixou o comando após grave acidente (Arquivo/Fortunato)

Em 2022, Mimmo Fanuzzi, filho do ex-presidente dos adriáticos, deu uma outra versão para o ocorrido: como o técnico precisaria de tempo de recuperação, o clube continuou a pagar-lhe salários e, em comum acordo, Gianni indicou seus substitutos – primeiro, o auxiliar Raffaele Pierini; depois, Egizio Rubino. No fim das contas, o Brindisi brigava pelo acesso com Di Marzio e terminou lutando para não cair após o acidente do treinador.

Plenamente recuperado, Di Marzio voltou a trabalhar no início de 1974-75. O napolitano assumiu como técnico do Catanzaro e por pouco não garantiu o acesso à Serie A em seu primeiro ano na Calábria: no playoff, o Hellas Verona levou a melhor. Na temporada seguinte, as águias do sul asseguraram a tão desejada promoção graças aos gols de Massimo Palanca, e Gianni foi eleito como melhor treinador da segundona.

Quem também integrava o elenco do Catanzaro era Claudio Ranieri, lateral-direito. Ranieri sempre fez questão de creditar a Di Marzio a inspiração que o fez vislumbrar um caminho como treinador, dizendo que ele cuidava dos mínimos detalhes, indo da alimentação à boa conduta de seus atletas em suas respectivas vidas privadas.

O treinador executou seus melhores trabalhos à frente de Catanzaro e Napoli, nos anos 1970 (Gazzetta del Sud)

Na primeira divisão, os giallorossi pagaram a conta pelo modesto elenco e, com a penúltima posição, acabaram rebaixados. Gianni ficou no comando do Catanzaro pelas 30 rodadas da Serie A, já que, para o presidente Nicola Ceravolo, ele fazia o possível. A propósito, o dirigente do clube calabrês não era o único a estimar o treinador.

O “descobridor” de Maradona

No verão de 1977, aos 37 anos, Di Marzio acertou com o Napoli. Pela primeira vez na história, os azzurri seriam treinados por um napolitano. Gianni, a propósito, substituía Bruno Pesaola, um ícone de Nápoles – a quem, como todo torcedor fanático dos partenopei, idolatrava. O novo comandante teria à disposição atletas como os defensores Giuseppe Bruscolotti e Moreno Ferrario, o meia Antonio Juliano e o atacante Giuseppe Savoldi.

Logo de cara, Di Marzio conduziu o Napoli ao sexto lugar, que rendeu ao time uma vaga na Copa Uefa. Na Coppa Italia, os azzurri avançaram à decisão, mas foram batidos pela Inter, por 2 a 1. O jogo mais marcante daquela trajetória foi um 5 a 0 diante da Juventus de Giovanni Trapattoni, com Savoldi como absoluto destaque ao anotar quatro gols. A goleada entrou para a história como o maior triunfo dos partenopei sobre a Velha Senhora. Não à toa, durante este período, Gianni recebeu o apelido de “o arquiteto do impossível”.

Contratado pelo presidente Massimino, do Catania, Di Marzio conseguiu uma promoção à Serie A (Sky Sport)

Era 1978, e a Copa do Mundo estava prestes a começar. Ao término da temporada, Di Marzio pegou um avião e rumou para a Argentina, sede do Mundial. Chegando em solo portenho, recebeu um telefonema de Settimio Aloisio, dirigente do Argentinos Juniors e que, por ter raízes calabresas, era torcedor do Catanzaro. Aloisio falava sobre uma joia do futebol local, de apenas 17 anos, e que por pouco não foi incluído na lista final de convocados dos donos da casa. O jovem em questão era Maradona. Em um primeiro momento, houve um desencontro entre ele e Gianni, que foi vê-lo em campo, mas soube que o prodígio se ausentara dos treinamentos em forma de protesto por ter sido deixado de fora da lista de César Luis Menotti, técnico albiceleste.

Quando enfim teve a oportunidade de assisti-lo de perto, Di Marzio ficou impressionado por Maradona. El Pibe foi protagonista de uma atuação de destaque, com três gols marcados, e levou o técnico a se mexer para que o argentino assinasse um documento de intenção que garantia uma cláusula favorável para um futuro acordo com o Napoli. O motivo é que um dos jornalistas ali presentes era amigo de Umberto Lenzini, presidente da Lazio, e havia o temor de que outros interessados pudessem surgir.

Entretanto, dois problemas impediam que a negociação tivesse um desfecho positivo: desde 1966, a Serie A estava com as fronteiras cerradas para a chegada de estrangeiros e Corrado Ferlaino, presidente do Napoli, não foi seduzido pela ideia. Caso caísse a regra de transferências imposta pela FIGC, a Federação Italiana de Futebol, ele preferia investir em nomes mais tarimbados – como ocorreu após o fim da proibição, em 1980. Maradona acabaria indo para o Barcelona em 1982 e, depois de duas temporadas na Catalunha, acertou com os partenopei já consolidado como uma grande estrela. Uma vez na Campânia, nutriu relação de amizade com Gianni.

Visionário, o técnico percebeu o talento de grandes craques ainda durante suas juventudes (Gazzetta del Sud)

Di Marzio deixou o comando dos azzurri no início da temporada seguinte e deu lugar a Luís Vinício após alguns resultados decepcionantes, entre os quais a eliminação para o Dinamo Tblisi, na Copa Uefa. Em 1979, voltou a treinar uma equipe da Serie B, desta vez o Genoa, e ficou somente um campeonato no Luigi Ferraris. Na sequência, passou dois anos no Lecce e teve campanhas modestas na segunda divisão.

Em 1982-83, Di Marzio voltou a brilhar. O técnico assinou com o Catania e já chegou à Sicília indicando a contratação de Ranieri à diretoria. Com a parceria estabelecida, Gianni montou uma defesa fortíssima, que sofreu apenas 21 gols em 38 jogos, e levou o clube de volta à elite após alcançar o terceiro lugar. Os etnei passram por Como e Cremonese no playoff, numa edição da Serie B que contou com Milan (campeão) e Lazio (vice).

De olho no planejamento para o ano seguinte, Di Marzio viajou ao Brasil ao lado do presidente Angelo Massimino, em busca de reforços. Inicialmente, eles tentaram levar Serginho Chulapa e Paulo Isidoro, dupla do Santos que disputou a Copa do Mundo de 1982, mas as tratativas não foram adiante. Walter Casagrande, atacante do Corinthians, também estava na mira, mas depois que foi visto pelos italianos em uma festa bebendo e fumando, o interesse minguou.

Nos tempos de Catania, Di Marzio viajou para o Brasil e voltou com dois reforços: Luvanor e Pedrinho (Quelli del 46)

Os contratados do Catania acabaram sendo o bom meio-campista Luvanor, do Goiás, e o lateral-esquerdo Pedrinho, do Vasco da Gama, que foi o reserva de Júnior na Copa. Em campo, os rossazzurri enfrentaram dificuldades ao longo da Serie A e Di Marzio foi demitido na 12ª rodada. Giovan Battista Fabbri o substituiu, mas não impediu a queda dos etnei.

Seu destino seguinte foi o Padova, na Serie B. Gianni salvou o time em campo, mas os biancoscudati acabariam rebaixados por ilicitude esportiva. Na sequência, Di Marzio obteve mais um feito importante quando levou o Cosenza à segunda divisão após 24 anos de espera. Ele deixaria os lobos ao fim de 1987-88 e acertou o retorno ao Catanzaro após os primeiros jogos da temporada 1988-89, ajudando a livrar as águias do sul do descenso à terceirona.

No vai e vem incessante do futebol, Di Marzio retornou ao Cosenza, em dezembro de 1989, e comandou o time calabrês a mais uma salvação. Seu último trabalho como treinador foi no Palermo, quando sucedeu Enzo Ferrari. A equipe rosanero tinha boas exibições quando atuava no Renzo Barbera, mas o fato de não ter vencido uma partida sequer fora de casa foi determinante para selar o rebaixamento à Serie C1. Dali em diante, uma nova etapa começaria em sua vida.

“Descobridor” de Maradona, Gianni teve relação de amizade com o craque argentino (Calcio Fanpage)

Outros caminhos e os desejos por Cristiano Ronaldo e Messi

Ele trocou o cargo de treinador pelo de diretor esportivo do Cosenza, e permaneceu na função até 1996, quando recebeu um convite de Maurizio Zamparini para trabalhar no Venezia. Di Marzio trabalhou pelos leões alados por dois anos e lhes ajudou a subirem para a Serie A, o que não acontecia havia cerca de três décadas.

Entre 2001 e 2006, Gianni foi o responsável pela coordenação dos olheiros da Juventus no mercado internacional. Por pouco, não levou Cristiano Ronaldo – em início de carreira, vestindo a camisa 28 do Sporting – para Turim: o atacante chileno Marcelo Salas, à época jogador bianconero, recusou fazer parte da transação, fazendo com que a sensação portuguesa assinasse com o Manchester United. Di Marzio também tentou seduzir outro jovem gênio: em 2005, entrou em contato com Messi, mas ouviu do argentino que seu vínculo com o Barcelona era muito forte e que ele não poderia deixar a Catalunha.

A partir de 2011, Di Marzio passou a trabalhar como consultor de mercado. Ocupou esse posto de colaborador no Queens Park Rangers, da Inglaterra, no Tromso, na Noruega, e também no Palermo, quando atuou como conselheiro pessoal de Zamparini, entre 2015 e 2016. Ao longo de sua vida, também foi comentarista de rádio e televisão, aparecendo com frequência em programas de emissoras napolitanas.

Gianni Di Marzio faleceu no dia 22 de janeiro de 2022 em casa, na região do Vêneto. Ele passou os últimos anos de sua vida aproveitando os netos (Giovanni e Gaia) e a família. Seu filho, Gianluca, deu a notícia na época fazendo uma referência a Maradona: “E agora você pode finalmente treinar seu querido e amado Diego. Você foi um ótimo pai, me ensinou tudo e não serei o único que nunca vou te esquecer”.

Gianni Di Marzio
Nascimento: 8 de janeiro de 1940, em Nápoles, Itália
Morte: 22 de janeiro de 2022, em Pádua, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Caivanese (1962-63) e Ischia (1963-64)
Clubes como treinador: Internapoli (1968), Nocerina (1971-72), Juve Stabia (1972-73), Brindisi (1973-74), Catanzaro (1974-77 e 1988-89), Napoli (1977-79), Genoa (1979-80), Lecce (1980-82), Catania (1982-83), Padova (1984-85), Cosenza (1987-88 e 1989-90) e Palermo (1991-92)

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