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Letal pelo alto, Carlo Galli foi um dos maiores cabeceadores que a Itália já produziu

Carlo Galli foi um dos maiores cabeceadores que o futebol italiano já viu. Com passagens marcantes por Roma e Milan, o atacante seguiu os passos de seu tio, Remo Galli, que também jogava no ataque e defendeu cerca de uma dezena de equipes entre os anos 1930 e 1940. Além de exímia técnica na bola áerea, finalizava com ambos os pés e dispunha de invejável coordenação motora, que o permitia se virar bem em situações de pouco espaço ou em que a pelota estivesse em uma posição menos favorável.

O encontro com o mestre Viani

Antes de tentar a sorte como jogador de futebol, Galli foi ascensorista de um hotel na região da Toscana. Mais precisamente em Montecatini Terme, sua cidade natal, conhecida pela vocação turística e pelas águas termais. Registrado em cartório com o nome Giancarlo, o garoto rapidamente passou a ser conhecido apenas como Carlo.

Formado e revelado nas categorias de base do Montecatini, Carlo teve sua carreira ligada à do treinador Gipo Viani. Os dois se conheceram em Lucca, na própria Toscana, no verão de 1949, quando o comandante foi fazer uma visita a seu tio Remo. Na ocasião, Galli, que tinha apenas três anos como futebolista e defendia o Cascina, foi contratado pelo Palermo na mesma época em que o técnico chegou ao clube rosanero.

Viani apostou suas fichas em Galli a ponto de abrir mão do Vianema, sistema que o consagrara na Salernitana, trocando o falso 9 por um centroavante de ofício. Dessa maneira e se valendo ainda de tabefes como forma de incentivo e de reprimenda, o treinador extraiu o melhor de Carlo em um momento de amadurecimento para o atacante, que explodiu no clube siciliano.

Galli estreou na Serie A no dia 8 de dezembro de 1949, em uma derrota fora de casa para o Pro Patria, por 2 a 0. Dez dias depois, anotou uma doppietta no triunfo em casa por 2 a 0 contra a Lazio. Em seu primeiro ano, o toscano marcou oito gols em 21 compromissos. Números bastante parecidos com os que viria a ter na campanha seguinte: oito em 24 jogos.

Terceiro da esquerda para a direita, Galli foi um dos principais atacantes da Roma na década de 1950 (Arquivo/AS Roma/Dufoto)

Testina d’Oro

Após duas temporadas, a dupla formada por Galli e Viani foi para a Roma, que havia sido rebaixada para a Serie B e tinha, como objetivo, garantir o retorno imediato à primeira divisão. Carletto estreou na segundona logo com uma doppietta no triunfo por 2 a 1 sobre o Fanfulla, que inaugurou a trajetória do título dos giallorossi – o toscano, aliás, foi o principal goleador da equipe, com 12 tentos. Além disso, durante a campanha, mais precisamente no dia 7 de outubro, o atacante protagonizou um lance que lhe rendeu um apelido marcante.

Após marcar de cabeça o gol da vitória contra o Treviso do técnico Nereo Rocco, aos 48 minutos do segundo tempo, Galli recebeu a alcunha de “Testina d’Oro” (cabecinha de ouro), em alusão à sua habilidade no cabeceio, fundamento que ele, do alto de seu 1,81m, tão bem dominava. No lance do tento, o meio-campista Giovanni Perissinotto cruzou na medida para o centroavante, que percebeu o goleiro Emilio Pozzan levemente adiantado e surpreendeu a todos que esperavam por uma testada potente, incluindo o próprio arqueiro, com um toque perspicaz e sutil por cobertura. Aquele momento decisivo selou o triunfo por 2 a 1 e ainda colocou a Roma isoladamente na liderança da Serie B pela primeira vez na campanha.

Atingido o objetivo, a dupla Galli-Viani se desfez: o atacante permaneceu na Cidade Eterna, e o treinador foi para o Bologna, que garantira sua permanência na Serie A, ficando um ponto acima da zona de rebaixamento. A Roma teve uma boa participação no seu retorno à elite do futebol italiano e foi a sexta colocada do certame, novamente com a ajuda de seu artilheiro, que anotou 14 gols. No ano seguinte, Carletto marcou oito vezes e ajudou a Loba a manter a posição no campeonato.

Nesse período, Galli foi convocado por Silvio Piola para a Nazionale. A trajetória do atacante na seleção italiana foi curta: 13 jogos e cinco gols marcados em um período de seis anos. Um desses tentos ocorreu numa Copa do Mundo. Em 1954, já sob o comando do húngaro Lajos Czeizler, Carletto anotou um dos tentos na goleada por 4 a 1 sobre a Bélgica – a Itália, contudo, caiu na fase de grupos da competição, disputada na Suíça. Anteriormente, pela equipe B azzurra, o jogador faturou um título da Copa do Mediterrâneo, em 1953.

Galli defendeu a Roma até 1956, e ainda ajudou a equipe a ser terceira e sexta colocada na Serie A – na campanha do pódio, em 1954-55, ainda foi o artilheiro giallorosso, com 12 gols no campeonato e 15 no total. Antes de encerrar a sua estadia na Cidade Eterna, o atacante se casou com Maria Luisa, uma das filhas de Gaetano Zappalà, médico da agremiação capitolina e da seleção italiana.

O adeus de Galli à Roma ocorreu no verão europeu de 1956, depois de 125 partidas e 55 tentos anotados pela Loba: na ocasião, foi negociado com o Milan, numa troca que levou o goleador recordista Gunnar Nordahl, já veterano, beirando os 35 anos, para a equipe giallorossa. Mas Carletto não deixou a capital sem antes receber uma homenagem do presidente Renato Sacerdoti, que discursou em seu favor numa assembleia de sócios da agremiação. Na reunião, o atacante foi aplaudido de pé pelos presentes e se comoveu.

Apesar de sua importância no cenário nacional, Galli representou a seleção em época de maus resultados dos azzurri (Universal/Corbis/VCG/Getty)

Os títulos em Milão

A contratação de Carletto pelo Milan, pelo preço de 40 milhões de velhas liras mais o passe de Nordahl, era um pedido expresso de Viani, seu amigo e mestre. Gipo aportou na capital da Lombardia para comandar os rossoneri e não hesitou em pedir ao presidente Andrea Rizzoli o reforço da joia que ajudou a lapidar. Para o treinador, Galli era o nome perfeito para conduzir a renovação do Diavolo.

Galli chegou a um time que tinha estrelas como Juan Alberto Schiaffino, Nils Liedholm e Lorenzo Buffon, além de outros nomes que fariam história no futebol italiano, como Cesare Maldini, Ernesto Cucchiaroni, Luigi Radice, Osvaldo Bagnoli e Gastone Bean, recém-saído das categorias de base. Viani decidiu montar o seu ataque com o Testina d’Oro e o prata da casa, colhendo os frutos por isso de maneira imediata: com 14 e 17 gols, respectivamente, os dois foram os destaques na campanha do sétimo scudetto rossonero.

No ano posterior, o Milan teve desempenho ruim nas competições nacionais – foi nono colocado da Serie A e caiu nas quartas de final da Coppa Italia. Na Copa dos Campeões, porém, alcançou a decisão após uma campanha empolgante, na qual goleou Glasgow Rangers e Borussia Dortmund por 4 a 1 e o Manchester United, por 4 a 0. Na final, a derrota por 3 a 2 para o Real Madrid de Raymond Kopa, Alfredo Di Stéfano e Francisco Gento se deu apenas na prorrogação.

Individualmente, foi um ano de altos e baixos para Galli. O atacante não jogou tanto quanto na temporada anterior, mas marcou 20 gols em 21 aparições e foi o artilheiro do Milan. Naquela campanha, inclusive, viveu um dos momentos mais célebres de sua carreira e a sua maior atuação vestindo vermelho e preto. Em 13 de abril de 1958, na 28ª rodada da Serie A, guardou incríveis cinco bolas nas redes na goleada por 6 a 1 sobre a Lazio. Seu sexto tento só não saiu porque a pelota de um arremate ficou parada numa poça de lama próxima à linha da baliza. De qualquer forma, nenhum outro jogador anotou mais vezes no confronto entre os times.

Em 1958-59, o Milan montou um ataque poderosíssimo. Além de Galli e Bean, além de Giancarlo Danova e Ernesto Grillo, que chegaram na temporada anterior, o Diavolo foi buscar José Altafini no Palmeiras. O brasileiro ofuscou todos os colegas e foi o grande nome na conquista do scudetto, com 28 gols em 32 aparições pela Serie A. Carletto, com 11 em 30 partidas, foi o terceiro artilheiro do time. Foi, aliás, o seu último bom ano com a camisa rossonera.

Galli e Viani tiveram carreiras entrelaçadas (Maglia Rossonera)

Os anos de baixa e a vida de dirigente

Nas duas épocas seguintes, o centroavante viu os gols e as presenças em campo rarearem. O Milan não faturou títulos nessas campanhas e, em 1961, aos 30 anos, Carlo deu adeus ao Diavolo, carregando consigo 57 tentos em 124 partidas. Seu destino foi a Udinese, equipe em que teve uma frustrada e curta passagem, com oito jogos disputados e nenhuma bola na rede.

Meses depois de aportar em Údine, Galli trocou de casa: em novembro de 1961, no meio da temporada, fechou com o Genoa, então na segunda divisão, e voltou a viver dias felizes. Foram duas taças conquistadas na Ligúria: uma da Serie B e outra da Copa dos Alpes, ambas em 1962. Já veterano, contudo, Carletto teve pouca utilização em campo e desempenhou um papel mais forte nos vestiários. Com a camisa rossoblù, o atacante realizou apenas 26 partidas e oito gols.

Em 1963, caminhando para o fim da carreira, o atacante acertou o retorno para a cidade de Roma. Mas, desta vez, para jogar na Lazio, o que enfureceu boa parte dos giallorossi. Seu desempenho pela equipe celeste deixou a desejar, muito por conta da idade avançada: foram somente 39 aparições e quatro gols em três temporadas, nas quais os aquilotti frequentaram o meio da tabela e até brigaram para não serem rebaixados para a Serie B.

Galli se aposentou em 1966, aos 35 anos, e embarcou na carreira de cartola ao ser nomeado diretor esportivo da Lazio, cargo que ocupou até 1971. Sua principal atribuição era descobrir talentos e, nisso, ele foi bem sucedido: foram suas as indicações para as compras de Giuseppe Wilson e Giorgio Chinaglia, do Internapoli. Os dois entraram para a lista de maiores ídolos da agremiação e foram ícones da campanha do primeiro scudetto celeste, conquistado em 1974.

Distante dos gramados, Galli viu seu temperamento ficar arredio, o que prejudicou seu casamento – que acabou na década de 1970. Fora dos campos, o ex-atacante abriu uma agência de corridas de cavalos ao lado de Nello Governato e Ferruccio Mazzola, que também foram jogadores de futebol, além de ter inaugurado uma pista para os páreos em Montecatini Terme.

Depois das aventuras hípicas, Carlo voltou a viver em Roma e se estabeleceu em Collina Fleming, bairro de classe média-alta da Cidade Eterna. Foi na terra que adotou que Galli faleceu, em 6 de novembro de 2022, aos 91 anos, justamente num dia em que se jogava o Derby della Capitale.

Giancarlo “Carlo” Galli
Nascimento: 6 de março de 1931, em Montecatini Terme, Itália
Morte: 6 de novembro de 2022, em Roma, Itália
Posição: atacante
Clubes: Montecatini (1946-47), Cascina (1947-49), Palermo (1949-51), Roma (1951-56), Milan (1956-61), Udinese (1961), Genoa (1961-63) e Lazio (1963-66)
Títulos: Serie A (1957 e 1959), Serie B (1952 e 1962), Copa dos Alpes (1962) e Copa do Mediterrâneo (1953)
Seleção italiana: 13 jogos e 5 gols

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