Sem paixão não há futebol. Sem aquele ardor no peito que faz alguém amar um time ou transforma adultos em meninos brincalhões dentro de campo, o esporte não é nada. Davide Fontolan sabia disso desde que passou a almejar uma carreira como jogador e só intensificou este sentimento depois de conseguir concretizar o seu sonho. Quis o destino, inclusive, que seu ápice como profissional acontecesse na Inter, sua equipe do coração.
Davide nasceu na região metropolitana de Milão, em 1966, e conviveu com o esporte desde garoto. Ele é irmão mais novo de Silvano Fontolan, famoso zagueiro que foi campeão italiano pelo Verona em 1985, quando o Hellas faturou o seu único título nacional. Curiosamente, os dois compartilham a mesma data de aniversário (24 de fevereiro), embora com 11 anos de distância. Esse fato rendeu ao mais jovem o apelido de “Fontolino”.
Enquanto Silvano já tinha uma carreira consolidada, com passagens por Como e Inter, Davide dava os seus primeiros passos. A sua trajetória começou no modesto e tradicional Legnano, clube sediado nos arredores de Milão. Fontolino se profissionalizou aos 16 anos, em 1982, atuando como centroavante na quarta divisão italiana: na única oportunidade que teve na temporada 1982-83, marcou um gol e contribuiu para o título do time lilás na Serie C2.
Fontolan permaneceu no Legnano até 1986, jogando sempre na terceirona. Ao longo desse período, seu dinamismo e sua visão de jogo lhe fizeram recuar para jogar como um meio-campista ofensivo que conseguia executar praticamente qualquer função no setor. Essa versatilidade chamou a atenção de Arrigo Sacchi, que treinava o Parma na Serie B e queria atletas polivalentes para colocar em prática as suas ideias inovadoras. Anos depois, Fontolino foi taxativo sobre a importância daquela nova experiência. “Antes de Sacchi eu jogava bola, com ele eu aprendi a jogar futebol”, afirmou.
O jogador lombardo fez uma boa temporada com o Parma, sendo titular absoluto da equipe gialloblù: em 31 jogos de Serie B, Fontolan marcou seis gols e contribuiu com a campanha de briga pelo acesso, mas terminada com o sétimo lugar, três pontos abaixo do último promovido. Fontolino ainda foi personagem central do principal momento do Parma em 1986-87: marcou o gol do célebre triunfo por 1 a 0 sobre o Milan em San Siro, pela fase de grupos da Coppa Italia. Aquela exibição funcionou como cartão de visitas de Sacchi e serviu como “entrevista de emprego”. No verão de 1987, o treinador rumou ao Diavolo para fazer história.
Fontolan, por sua vez, continuou na Serie B. Foi negociado com a Udinese, que fora rebaixada da elite, e teve um ano positivo, embora o time tenha rendido muito menos do que o esperado e não tenha conseguido retornar à primeira divisão. O meia-atacante, que já começava a atuar mais aberto pela esquerda, chamou a atenção do Genoa de Aldo Spinelli: ali, aos 22 anos, teria a chance de ouro para fazer sua carreira decolar.
Na sua primeira temporada, Fontolino dividiu as responsabilidades ofensivas e a artilharia do Genoa com Marco Nappi – cada um fez sete gols. Com tentos importantes sobre Cosenza, Cremonese e Udinese, o meia-atacante conseguiu levar o time treinado por Franco Scoglio ao inesperado título da segunda divisão de 1988-89. Aos 23 anos, finalmente fez a sua estreia na Serie A, e com o pé direito. No debute, aproveitou a falha do goleiro Giuliano Terraneo e encheu o pé para marcar o gol decisivo para a vitória contra o Lecce, no estádio Luigi Ferraris.
Como esperado, seu ano como estreante no primeiro escalão do futebol italiano deveria ser (e foi) memorável, mas, no final das contas, teve um gosto bastante agridoce. Fontolan terminou a temporada com incríveis 10 gols em 34 jogos, sendo nove em 32 pela Serie A: foi o artilheiro e o líder de aparições do time. Porém, o Genoa caiu de rendimento na metade da competição e flertou com a zona de rebaixamento. Até que, na penúltima rodada do campeonato, uma das cenas mais bizarras do futebol italiano aconteceu. E teve Davide como protagonista.
Atalanta e Genoa se enfrentavam em Bérgamo. O time da casa batalhava por uma vaga na Copa Uefa e o visitante precisava de uma vitória para se livrar matematicamente do rebaixamento. Claudio Caniggia abriu o placar aos 9 minutos e o jogo tomou proporções dramáticas, uma vez que os grifoni não conseguiam criar boas chances e o perigo do rebaixamento se tornava maior. Foi aí que Fontolino perdeu a cabeça.
A joia do Genoa já tinha se desentendido com o zagueiro Renzo Contratto, da Atalanta, e perdido um gol que normalmente não perdia. Aos 82 minutos, o jovem de 24 anos se desentendeu com Gennaro Ruotolo, seu companheiro de equipe. O volante foi cobrar seu colega de uma maneira mais ríspida enquanto voltava para a defesa e Davide, conhecido por não ter um temperamento muito fácil, tentou revidar com um chute no traseiro, no intuito de provocá-lo – mas não acertou. Ruotolo se virou mais bravo ainda e deu uma leve cabeçada em Fontolan, que rebateu com um tapa. Enquanto o meia defensivo conseguiu esconder do árbitro o que aconteceu, o atacante foi acintoso em seu gesto. Angelo Amendolia viu a cena e expulsou o atacante por agressão ao colega.
O Genoa perdeu aquele jogo, mas venceu o último, contra o Ascoli – inclusive com gol de Ruotolo no triunfo por 2 a 0, no Marassi. A briga havia sido perdoada pela torcida genoana, mas o alto rendimento de Fontolan fez a sua permanência no Vecchio Balordo se tornar impossível. A Inter já estava de olho no meia-atacante e fechou a sua aquisição no verão de 1990.
Fontolino se transferiu para o seu time de coração e, ao contrário do irmão mais velho, não teve apenas uma breve passagem pelos nerazzurri. Enquanto Silvano só defendeu a Beneamata em 1978-79, Davide permaneceu na Pinetina por seis campanhas, nas quais foi uma peça importante da equipe. Apesar disso, o início da trajetória do meia-atacante na capital da Lombardia foi muito duro. Fontolan rompeu o ligamento anterior do joelho num amistoso de pré-temporada contra o Viareggio e ficou parado durante todo o seu primeiro ano em Milão. Mal teve a chance de aprender com o técnico Giovanni Trapattoni, mas, enquanto efetuava sessões de fisioterapia, pode celebrar o título da Copa Uefa em 1991.
Recuperado, o meia-atacante foi bastante utilizado na atribulada temporada 1991-92, na qual a Inter teve Corrado Orrico e Luis Suárez como treinadores e fracassou em todas as competições que disputou – na Serie A, por exemplo, foi apenas oitava colocada. Fontolan marcou o seu primeiro gol na Copa Uefa, em derrota para o Boavista, e passou a se adaptar ao posto de bom coadjuvante, deixando de lado o protagonismo de anos anteriores. Nos bastidores, porém, era um dos líderes do elenco.
Fontolino perdeu um pouco de espaço com Osvaldo Bagnoli, em 1992-93, mas continuou sendo útil como meia pela esquerda na campanha do vice-campeonato italiano. Na temporada seguinte, a Inter engatou uma sequência muito ruim na Serie A e, fora da disputa pelo título nacional, foi perdendo motivação e rendimento: mesmo com um ótimo time, lutou contra o descenso e terminou apenas na 13ª posição – a pior de sua história. A equipe se concentrava na Copa Uefa, na qual avançava de fase e jogava bem.
Bagnoli foi demitido em fevereiro, dando lugar a Gianpiero Marini. Com ambos os treinadores, porém, Fontolan rendia da mesma forma: em alto nível. Jogando quase sempre no flanco esquerdo, mas com ótima presença de área, Davide foi importantíssimo na campanha europeia, com gols de cabeça sobre Apollon, na segunda fase, e Cagliari, na semifinal. Na partida de volta da decisão, contra o Casino Salzburg, atuou como ala pela esquerda e fez o que o time precisava até ficar à beira de um desmaio, aos 67 minutos: com hipoglicemia, viu a sua pressão sanguínea abaixar e acabou sendo substituído. Mesmo assim, depois que saiu da enfermaria, se juntou aos companheiros para comemorar a conquista europeia.
Naquela boa temporada pela Inter, Fontolan também ganhou espaço na seleção italiana – que era treinada por Sacchi, seu velho conhecido. Davide foi convocado três vezes e foi ao banco numa partida das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994, contra Portugal, mas não foi utilizado. O jogador até foi um dos pré-convocados da Nazionale para o Mundial, só que acabou não indo aos Estados Unidos. Nem mesmo voltou a ser chamado: ou seja, nunca estreou com a camisa azzurra. Em sua avaliação, o seu tipo original e despreocupado, que lhe fazia não seguir determinadas formalidades importantes, foi a causa para sua exclusão. Fontolino, porém, não se arrepende: não pensava estar à altura daquele dever.
Nos dois anos seguintes, o jogador lombardo teve menor impacto na Inter e, por causa de lesões e escolha dos treinadores Ottavio Bianchi e Roy Hodgson, passou mais tempo no banco de reservas. Ainda assim, quando necessário, jogava improvisado em qualquer posição – e foi até zagueiro certa feita, após expulsão de Giuseppe Bergomi. Apesar de sua grande dedicação, Davide não teve uma boa relação com Hodgson. Fontolino sentiu-se traído quando o inglês lhe disse que seria o atacante perfeito para a posição, mas terminou sendo utilizado apenas cinco vezes como titular em todo o primeiro turno da Serie A.
Além disso, Davide acusa o treinador de ter-lhe exposto para o restante do elenco como responsável pela eliminação para a Fiorentina na Coppa Italia. A Inter havia perdido por 3 a 1 na ida, na Toscana, e empatava sem gols em Milão. Fontolan entrou no intervalo deste jogo e perdeu uma chance clara na segunda etapa, cara a cara com Francesco Toldo – depois, Gabriel Batistuta fez um golaço, por cobertura, e manteve a Viola no caminho do título. Mesmo sendo titular pelo resto da temporada e com o benevolente Massimo Moratti querendo renovar seu contrato, Fontolino disse ao presidente que não seria mais possível permanecer em Milão se Hodgson continuasse no comando. Assim, após 160 partidas e 16 gols pela Beneamata, se transferiu ao Bologna.
Fontolan chegou ao time emiliano aos 30 anos e sabendo que não teria status de titular, mas de peça importante para rodar o elenco e prover experiência para o grupo. A equipe retornava à elite após uma ausência de cinco anos e o técnico Renzo Ulivieri queria um clima de humildade: dessa forma, falou que não queria mais ver Fontolino chegar aos treinamentos dirigindo a sua Lamborghini. Davide atendeu ao pedido.
O meia-atacante defendeu o time rossoblù por quatro boas temporadas – sendo as três primeiras bastante expressivas, encerradas na metade superior da tabela da Serie A. No biênio com Ulivieri, o Bologna foi semifinalista da Coppa Italia, enquanto em 1998-99, sob as ordens de Carlo Mazzone, os felsinei venceram a Copa Intertoto, repetiram o desempenho anterior na Coppa e também avançaram até as semifinais da Copa Uefa. A experiência e a qualidade de Fontolino foram fundamentais nos torneios europeus: ele atuou como titular em cinco dos seis jogos do certame de verão e em seis dos 10 da segunda mais prestigiosa competição continental. Nesta, ainda anotou uma doppietta nas oitavas de final, contra o Betis.
No período de Bologna, Fontolan foi companheiro de grandes jogadores, como Gianluca Pagliuca, Francesco Antonioli, Klas Ingesson, Zé Elias, Roberto Baggio, Kennet Andersson e Giuseppe Signori. Ao longo de sua passagem por lá, porém, teve algumas desavenças. Criticou publicamente o técnico Mazzone pela desorganização do time em parte do trabalho e, após deixar a Emília-Romanha, fez graves acusações ao capitão Giancarlo Marocchi.
Segundo o meia-atacante, o volante chantageou o presidente Giuseppe Gazzoni Frascara e o técnico Sergio Buso, que treinou o Bologna por apenas sete rodadas em 1999-2000. Marocchi teria dito que só ajudaria o inexperiente comandante a ter o respeito dos demais jogadores do elenco se recebesse um cargo na diretoria após pendurar as chuteiras. Davide não apresentou qualquer prova, mas a história conta que o capitão vivia a sua última temporada como profissional e, em 2002, retornaria ao clube como cartola.
Fontolan se transferiu ao Cagliari em 2000-01, depois de 108 jogos e 13 gols pelos veltri. O veterano não teve a oportunidade de fazer um bom trabalho de pré-temporada por causa de uma lesão no menisco. Relegado ao banco, atuou em apenas 11 jogos pelo clube, que disputava a Serie B. Sem prazer, o lombardo rompeu definitivamente com o time da Sardenha e com o futebol. Teve uma oferta do Livorno, então dirigido por Spinelli, que fora presidente do Genoa em que se destacara, mas nem quis escutar. Também recusou, anos depois, um convite para – veja só a ironia – ser diretor do Bologna.
Davide se aposentou aos 35 anos, declarando-se complemente desiludido com o ambiente do futebol, que classificou como “sujo, hipócrita e mentiroso”. Fontolan atuou brevemente como sócio de uma empresa ligada ao setor financeiro, teve uma vinícola (de onde saía o vinho oficial da Inter) e voltou ao esporte em 2015, mas sob uma perspectiva totalmente diferente: trabalhando apenas com crianças em uma escolinha que não é ligada a qualquer clube expressivo. Em 2018, reafirmou que o futebol profissional continua a ser um ambiente tóxico. Longe dos holofotes, também foi celebrado. O pequeno Legnano fez questão de inseri-lo em seu hall da fama.
Não podemos falar que Fontolino foi um daqueles que viveram o futebol como um passatempo, mas também lhe faltou o profissionalismo que fundamenta o futebol como conhecemos hoje. E, a partir de sua maneira original de ver e viver o mundo, ele não se lamenta por isso. Uns enxergarão isto como um aspecto positivo, outros como negativo. Mas, no final das contas, a paixão nunca lhe faltou. E a isso é impossível ser indiferente.
Davide Fontolan
Nascimento: 24 de fevereiro de 1966, em Garbagnate Milanese, Itália
Posição: meio-campista e atacante
Clubes: Legnano (1982-86), Parma (1986-87), Udinese (1987-88), Genoa (1988-90), Inter (1990-96), Bologna (1996-2000) e Cagliari (2000-01)
Títulos: Serie C2 (1983), Serie B (1989), Copa Uefa (1991 e 1994) e Copa Intertoto (1998)