Jogos históricos

Inter e Liverpool nutrem trajetória de confrontos diretos no mata-mata europeu

Depois de uma década de ausência, em 2021-22 a Inter voltou à fase de mata-mata da Liga dos Campeões. Antes disso, a última vez em que os nerazzurri haviam conseguido alcançar as oitavas de final da competição se deu no início do período mais nebuloso da história do clube. A eliminação do time de Claudio Ranieri para o Olympique de Marseille foi a porta de entrada para uma sequência de fracassos e o fim de ciclo para muitos heróis que integraram o elenco da tríplice coroa.

O sorteio das oitavas em 2021-22, porém, não poderia ter sido mais dramático para a Beneamata. O primeiro chaveamento sorteado colocou os interistas diante do Ajax, mas um erro humano levou à anulação do procedimento, que teve de ser repetido. No sorteio que valeu, a equipe italiana foi pareada com o Liverpool. O jogo de ida, em San Siro, acontece nesta quarta-feira (16), enquanto a volta, em Anfield, será daqui a três semanas, em 8 de março, um dia antes do aniversário de fundação da Inter.

Em jogos eliminatórios da Liga dos Campeões, a Inter carrega um histórico desvantajoso contra os ingleses. Antes do sucesso contra o Chelsea nas oitavas de final em 2009-10, foram três eliminações para equipes da Inglaterra. Nas quartas de 1998-99, a queda aconteceu para o Manchester United, que naquela temporada conquistaria a sua tríplice coroa. Dez anos mais tarde, nova derrota para os Red Devils nas oitavas de 2008-09.

Materazzi foi expulso em Anfield e atrapalhou os planos da Inter, no duelo com o Liverpool de 2008 (Getty)

Um ano antes, a eliminação nerazzurra foi para o próprio Liverpool, na época vice-campeão do torneio. Em 19 de fevereiro de 2008, a expulsão de Marco Materazzi condicionou a partida em Anfield: o italiano cometeu faltas em Fernando Torres, aos 12 e aos 30 minutos, e foi para o chuveiro (bem) mais cedo. Com um jogador a menos, a Inter praticamente se contentou em defender dali para frente.

Em grande parte do jogo, os comandados de Roberto Mancini se saíram bem no intento. O Liverpool não levou perigo no primeiro tempo e, em quase toda a segunda etapa, teve raras chances claras. Na melhor delas, Julio Cesar fez uma magnífica defesa em chute de Torres, da entrada da área – o brasileiro também usou as pontas dos dedos para resvalar uma finalização que o espanhol tentou da intermediária. Além disso, Sami Hyypiä teve uma chance ao cabecear por cima da baliza e Peter Crouch arriscou um arremate torto. Houve, também, polêmica por um pênalti não marcado pelo árbitro Frank De Bleeckere: Patrick Vieira usou o braço para interceptar uma tentativa de drible de Steven Gerrard.

Com um meio-campo formado por Gerrard e Javier Mascherano, o Liverpool superou a Inter do capitão Zanetti (Getty)

O cansaço do time italiano era evidente e a resistência nerazzurra durou até o minuto 85. Após um cruzamento de Jermaine Pennant na área, Dirk Kuyt dominou no peito e finalizou: o chute desviou em Maicon, a bola quicou no gramado e encobriu Julio Cesar. Insatisfeitos com o placar magro, os comandados de Rafa Benítez continuaram a pressionar e ampliaram a vantagem aos 90. Perto da quina direita da área, Gerrard arriscou um chute cruzado venenoso e viu a bola tocar na trave antes de entrar.

No jogo da volta, em 11 de março, foram 49 minutos de muita pressão da Inter em busca de uma recuperação no San Siro. Julio Cruz teve três grandes chances desperdiçadas: parou duas vezes em Pepe Reina e, cara a cara com o goleiro, finalizou para fora quando poderia ter apenas rolado para Dejan Stankovic concluir para as redes.

Julio Cesar se esticou, mas não conseguiu pegar o chute colocado de Torres, em San Siro (Getty)

Aos 50, porém, uma nova expulsão sepultou de vez as chances da Inter. O time da casa perdeu Nicolás Burdisso, que recebeu do árbitro Tom Henning Ovrebo o segundo amarelo por uma entrada atabalhoada sobre Lucas Leiva. A argumentação do capitão Javier Zanetti, assim como na ida, não adiantou. A Beneamata ainda teve uma chance clara com Zlatan Ibrahimovic, mas, aos 64, recebeu o golpe final: depois de um lindo giro sobre Cristian Chivu, Torres decretou nova vitória inglesa.

Desde que passou a dominar o cenário italiano, em 2006-07, a Inter esperava ter um melhor desempenho na Champions League. Porém, a quarta eliminação seguida de Mancini antes das semifinais do torneio teve repercussão negativa em seu trabalho. Afinal, o treinador estava pressionado pelos resultados ruins em âmbito continental, em oposição ao que o seu time produzia na Serie A. Bicampeão italiano e com contrato recém-renovado até junho de 2012, Mancio entregou o seu cargo durante a coletiva de imprensa que aconteceu após o jogo, em meio a rumores de uma discussão com o presidente Massimo Moratti.

Em 1965, Hunt foi deixado livre e inaugurou o placar contra a Inter, na Inglaterra (Central Press/Hulton Archive/Getty)

“Estes serão os meus últimos dois meses e meio à frente da Inter, apesar de ter mais quatro anos de contrato. O presidente já sabe. Não é verdade que brigamos. Quero o melhor para Moratti”, declarou Mancini, que no dia seguinte se reuniu com o mandatário do clube nerazzurro para aparar as arestas e reforçar o vínculo de mais quatro anos. Tudo em vão, por conta de uma disputa acirrada com a Roma pelo scudetto.

A Inter faturou o seu tricampeonato, mas Mancini foi demitido no final de maio. O técnico seguiu vinculado à agremiação lombarda por mais de um ano, até receber uma polpuda multa rescisória de 8 milhões de euros, dois meses antes de ser contratado pelo Manchester City – o que ocorreu em dezembro de 2009. Na nota do afastamento do treinador, Moratti apontou a sua insatisfação com a declaração de Mancio após a derrota para o Liverpool, contrariando o que dissera em março.

Corso bem que tentou, mas só faria a festa no jogo de volta (Central Press/Hulton Archive/Getty)

Em jogos oficiais, além dos dois encontros de 2008, Inter e Liverpool também tiveram um duelo quente na semifinal da Copa dos Campeões de 1964-65. Os nerazzurri de Helenio Herrera, então vencedores do torneio, após superarem o Real Madrid em Viena, buscavam a segunda final seguida. O objetivo era levantar a taça em pleno San Siro – e assim aconteceu, já que o brasileiro Jair da Costa marcou o gol da vitória sobre o Benfica.

Para chegar à decisão em Milão, no entanto, os interistas sofreram. No jogo da ida, em Liverpool, no dia 4 de maio de 1965, vitória dos donos da casa por 3 a 1. Roger Hunt abriu o placar aos 3 minutos, após receber cruzamento de Willie Stevenson e girar com perfeição. Aos 10, Sandro Mazzola empatou: os Reds tiveram escanteio a favor, a defesa nerazzurra afastou e o capitão Ron Yeats não conseguiu dominar. Assim, Joaquín Peiró roubou-lhe a bola, avançou em velocidade e serviu o colega, que só teve o trabalho de finalizar.

Esperto, Peiró tomou a bola de Lawrence e contribuiu para a reação nerazzurra, na Itália (Arquivo/Inter)

Só que o Liverpool era muito bem treinado por Bill Shankly. E mostrou isso novamente na jogada ensaiada do segundo gol: os Reds tinham uma cobrança de falta frontal, mas enganaram a defesa da Inter com uma perfeita troca de passes e Ian Callaghan, sozinho, fez o segundo ainda no primeiro tempo. Na etapa complementar, o time inglês construiu de trás com velocidade e, em questão de segundos, encontrou Hunt na área. O atacante finalizou, Giuliano Sarti fez o que pode, mas Ian St. John pegou o rebote e decretou a vitória inglesa, por um boa margem.

Na partida de volta, em 12 de maio, um início arrasador da Inter mudou a história do confronto. Depois de Mario Corso abrir o placar em cobrança de falta com a sua classe habitual, aos 8, um lance no minuto seguinte – ainda hoje muito polêmico – tirou a concentração dos ingleses em definitivo. Enquanto Tommy Lawrence se preparava para colocar a bola em jogo e quicava a redonda, Peiró o surpreendeu por trás, tomou a pelota de seu controle e ampliou para os nerazzurri.

No segundo tempo, Facchetti fechou o caixão dos Reds (Arquivo/Inter)

Apesar da revolta dos jogadores do Liverpool, já nervosos com a falta marcada que levou ao gol inaugural de Corso, o tento de Peiró foi validado pelo árbitro espanhol José María Ortiz de Mendíbil. Na etapa final, o lateral-esquerdo Giacinto Facchetti, como se um atacante fosse, arrancou pelo flanco direito para completar uma bela troca de passes e, com um foguete, fez o 3 a 0. Dessa forma, decretou a única vitória da história da Inter sobre os Reds e garantiu o ingresso dos donos da casa para a decisão no San Siro, duas semanas mais tarde.

Sob a batuta de Herrera, a Inter voltou a ser campeã europeia e também foi bi mundial. Na primeira gestão do treinador franco-argentino, que terminou em 1968, a Beneamata ainda faturou mais um scudetto e um vice continental. O lendário Bill Shankly, por sua vez, completou 15 anos de Liverpool. Nunca ganhou um Copa dos Campeões, mas levantou a Copa Uefa, em 1973. No total, o escocês conquistou 10 taças pelos Reds, incluindo três títulos da elite inglesa.

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