Uma bola de futebol, de manhã, à tarde ou à noite, era a principal companheira de Rafael Toloi. Antes, claro, de ele ser tornar um dos líderes da Atalanta. Quando criança, o defensor brincava descalço pelos campos de futebol de Glória d’Oeste, no interior do Mato Grosso. Foi no meio de adultos, jogando futebol amador, que o jovem mato-grossense cultivou o sonho de ser tornar um jogador profissional. O resultado por não ter desistido é expressivo: se tornou um dos melhores defensores da Serie A e está próximo de disputar uma partida de Champions League.
Cria da base do Goiás, o camisa 3 da Atalanta quase iniciou carreira no Flamengo. “Não consegui me adaptar ao Rio. Voltei para casa e depois disso surgiu essa oportunidade de fazer um teste pelo Goiás”, comentou o jogador. Quando criança, desejava ser atacante. Após testes no time goiano como lateral-direito, começou sua trajetória no futebol. Aos 12 anos precisou lidar com a solidão de morar longe da família: viveu de favor em um posto de gasolina em Goiânia, depois passou a morar em uma quitinete de dois cômodos próximo do centro de treinamento esmeraldino.
A recompensa foi realizar seu sonho de se tornar um jogador de futebol. É ídolo no Goiás, deixou saudades nos torcedores do São Paulo, aprendeu na Roma e se tornou um dos capitães da Atalanta, clube que defende desde a temporada 2015-16. Realizando tratamento de uma lesão sofrida no tornozelo direito, Rafael Toloi atendeu a equipe da Calciopédia em Goiânia. Gasperini, Atalanta, renovação, idolatria e Champions League foram alguns dos assuntos abordados na conversa, que você pode conferir na íntegra abaixo.
Qual sua avaliação da temporada que disputou pela Atalanta, até a lesão?
Meu segundo e meu terceiro anos na Atalanta foram os dois melhores da minha carreira. Na última temporada eu estava bem mentalmente e fisicamente. Esse ano (última temporada) tinha tudo para ser o melhor da minha carreira… até a lesão. Joguei praticamente todos os jogos, fiquei fora de um por suspensão (contra Juventus, na 18ª rodada da Serie A) e outros dois por ter sido poupado (3ª rodada, contra o Cagliari, e 25ª, contra o Torino). Eu pensava “esse ano será o meu ano”. Infelizmente tive o problema com meu tornozelo, fiquei quase 40 dias fazendo tratamento, evitando uma cirurgia.
Como foi o início do tratamento e como está agora?
No início (antes da cirurgia) ficava em transição entre o campo e fisioterapia. Tudo que podia ter feito na parte médica, foi [feito]. Mas eu sentia muitas dores, só de caminhar. Decidimos pela cirurgia, que não foi complicada. Acabou sendo uma limpeza óssea. A cartilagem estava desgastada e tinha três pedaços, dois de um tamanho de um feijão e outro de uma azeitona, dentro do meu tornozelo. Eu sentia muitas dores. Graças a Deus deu tudo certo, o time classificou para a Champions League e estou próximo dos 100% para jogar.
Por causa da lesão, você não pôde jogar a partida contra o Sassuolo, mas estava nas tribunas. Qual foi o sentimento após a confirmação que a Atalanta conquistou vaga na Champions League?
Foi emocionante, inexplicável. O sentimento foi de muita felicidade, mas misturado com aquele amargor de não estar em campo. Não digo jogando, mas no banco mesmo. Quando você está fora, não fica nem na concentração. Isso tira o foco, eu chorava todos os jogos [em que não jogava]. O jogo contra o Sassuolo foi ainda mais difícil pra mim, mas depois que acabou foi muito bonito. Entrei no campo, a torcida gritou meu nome. Foi bacana, isso me deu forças para voltar bem.
Já caiu a ficha que você jogará a Champions League?
Agora sim. Estou focado, me preparando ao máximo. É um sonho que vou realizar, disputar a Champions League. É o melhor campeonato do mundo. Quando eu assinei contrato com a Atalanta, a meta no primeiro ano era não cair. Quatro anos depois vamos jogar a Champions, é incrível.
Um palpite de qual será o grupo da Atalanta?
Vamos pegar dois grandes, mas não tem problema. Nosso time tem uma característica de jogo bacana, contra qualquer adversário não costumamos mudar. Claro, na Champions League vamos enfrentar times de outras culturas, mas acho que nosso elenco, se for mantido, terá condições de fazer uma boa participação.
Gasperini é tido como um técnico que experimenta bastante. Você, por exemplo, costuma aparecer no ataque, armar jogadas e tudo o mais. Como você se sente desempenhando essa função e o que pensa dessas características do treinador?
Ele joga no 3-5-2 e é muito difícil trocar o esquema. Ele gosta que os zagueiros joguem sempre buscando antecipação, explora muito as saídas pelos lados. Sempre tive essa característica e gosto muito. Se hoje evoluí em relação aos últimos anos, é por causa da forma como o Gasperini comanda a Atalanta. As pessoas confundem muito, acham que três zagueiros é um esquema defensivo. É o contrário. Dependendo do momento do jogo, estamos posicionados no 3-4-3 ou 3-6-1… futebol é uma série de movimentos. Nós trabalhamos há muito tempo e vem dando resultado.
Quais são seus métodos de trabalho e o que ele apresenta de inovador em relação a outros técnicos com quem trabalhou?
De inovador, não muita coisa. O Gasperini tem um método de trabalho ao qual me adaptei bem. Nossa equipe tem posse de bola notável, temos jogo agressivo, contra alguns adversários não os deixamos jogar. Isso é mérito do treinador.
Você é um dos melhores defensores da Serie A. Além da sua dedicação e trabalho, o que você destaca como explicação para sua evolução técnica?
Agregou o sistema tático que o Gasperini utiliza e o que ele me pede para fazer em campo. São situações que eu gosto. Isso me ajudou a ficar mais confiante. O amadurecimento também me ajudou a crescer em todos os aspectos do jogo. Eu parei [por causa da lesão] no melhor momento da minha carreira, mas vou me recuperar para continuar em crescente no nível.
Jogar com três defensores não é uma situação desconhecida para você. O Goiás, sob o comando do Hélio dos Anjos, atuava neste sistema tático. Você percebe similaridades ou diferenças nos esquemas 3-5-2 dos dois treinadores?
Tem bastante diferença. No Goiás eram três zagueiros e um ficava na sobra. Nós [na Atalanta] não. Lá são três zagueiros que escalam, se movimentam entre os setores do campo, jogamos sem sobra. A transição é importante e treinamos muito. O Gasperini treina muito nossos movimentos no campo e se não fizermos algo que ele treinou, fica puto. Se errarmos um passe, ele entende porque é algo técnico, mas no [aspecto] tático ele não aceita erros.
Após rápida passagem pela Roma, você conseguiu voltar à Itália, se tornou ídolo na Atalanta e um dos zagueiros mais sólidos da Serie A. Se sente mais valorizado na Itália ou no Brasil?
Hoje, com certeza, me sinto valorizado na Itália. Por tudo que conquistei nos últimos quatro anos, mas também porque sou bem recebido onde vou no país. Isso é muito bacana. Ainda não me considero ídolo, porque acho que tem que ser campeão. Muitos falam que sou no Goiás, mas não me considero. Na Atalanta, quem sabe se eu tivesse jogado a final da Coppa Italia e o resultado fosse diferente.
Você está com 28 anos e é um dos líderes de um tradicional clube italiano. Jogou durante anos no Goiás e teve boa passagem pelo São Paulo. Você pretende seguir atuando no futebol italiano por anos ou vê com bons olhos jogar em outras ligas europeias?
Tive várias sondagens e propostas reais (do futebol espanhol e inglês), mas hoje na Atalanta posso dizer que tenho respeito dentro do clube. Ter a oportunidade de disputar a Champions League me deixa muito feliz. Lógico, as coisas mudam muito rápido no futebol. Hoje meu pensamento é voltar das férias e fazer boa pré-temporada. Se um dia eu sair, será porque é algo bom para a Atalanta.
Mas você pensa em sair ou estender seu contrato, que vai até o final da próxima temporada (2019-20) é sua preferência?
Já me chamaram para uma possível renovação, não entramos em um acordo inicial. No meio disso sofri a lesão, então deu uma esfriada. Mas estamos conversando para estender o vínculo.
Antonio Percassi, atual presidente do clube, foi jogador. Depois de se aposentar, se capacitou e tornou-se um exemplo de dirigente, capaz até mesmo de comprar o estádio da cidade e torná-lo propriedade da Atalanta. Além de ser o “chefão” agora, também já havia estado à frente da agremiação em outros momentos positivos. Qual a relação da torcida e dos jogadores com ele?
É uma relação muito boa. A história do Percassi é fantástica. Ele é um cara que tem o carinho e respeito de todos, não só de nós jogadores, mas de toda a torcida. Ele é muito identificado com a Atalanta, por ter sido jogador e ser natural da cidade. Lutou para ter todo esse mérito na cidade. Ele faz um grande trabalho. A Atalanta investe pouco, mas revende por muita grana, por exemplo. É a filosofia dele.
A base da Atalanta acabou de ser campeã da Itália na Primavera, é considerada como uma das melhores da Itália e da Europa. No ano passado, por exemplo, até conversamos com o Rodrigo Guth, zagueiro brasileiro que está no sub-19 nerazzurro. Quais jogadores que saíram da base do clube ou estão sendo revelados no momento você vê com mais possibilidades de fazerem sucesso?
As categorias de base da Atalanta são uma das mais fortes da Itália. Tem o Rodrigo, que é o brasileiro que está lá, o Amad Traoré e o Roberto Piccoli. Uma vez estava assistindo uma partida deles, não me recordo contra quem, mas fizeram 7 a 0 [contra a Salernitana, pelo campeonato de 2016-17]. A estrutura é fantástica e obtém resultados. Em alguns treinamentos tem uns moleques bem chatos de marcar.
Você já se sente como um dos principais jogadores da história do clube? Superar o Evair como principal brasileiro da história atalantina, por exemplo, parece questão de tempo.
O Evair foi um jogador em outra época e posição, mas fiz muitas amizades na Atalanta, com pessoas mais velhas. Tem alguns senhores lá que choram só de falar sobre o Evair. Não me vejo como um dos ídolos da história, mas com o tempo quem sabe o nome “Toloi” talvez seja lembrado por tudo que conquistamos nesse atual momento da equipe. Não só eu, mas todos que fizeram e fazem parte.
Na Serie A você tem a oportunidade de enfrentar jogadores de diferentes estilos, você possui alguma lista dos mais complicados que já encarou?
É difícil citar porque são muitos jogadores. No meu caso é ainda pior porque jogo pelo lado. Aí tem Cristiano Ronaldo, na Juventus; contra o Napoli, o Mertens e o Insigne. O Icardi [Inter] é muito difícil de marcar, assim como o Dzeko [Roma], que se deixar livre para chutar, é caixa. O Quagliarella, da Sampdoria, também é um ótimo atacante.
Você nasceu no interior do Mato Grosso, morou durante anos em Goiânia, teve uma passagem por São Paulo e Roma, antes de chegar em Bérgamo. Como foi sua adaptação?
A mudança foi grande. Eu saí de São Paulo, cidade gigantesca, e fui para Bérgamo sendo o único brasileiro do time. Senti um pouco, mas o grupo é muito bom de trabalho. Todos nos quatro anos foram. É uma equipe com alguns estrangeiros, mas é bacana de trabalho. A adaptação foi boa, Bérgamo é uma cidade boa de morar. Eu nasci em uma cidade de pouco mais de 3 mil habitantes, morei em São Paulo e fui para Bérgamo, que tem cerca de 100 mil habitantes, foi tranquilo (risos). A língua, principalmente dentro de campo, eu já tenho noção por causa da passagem pela Roma [em 2014]. Por ser o único brasileiro do time, fui forçado a aprender sozinho. Entendo bastante, mas quando fico com dúvidas da linguagem popular eu falo com minha filha, Maria Rafaela, que está sendo educada no idioma italiano e me ajuda em algumas palavras do dia a dia.
Quando você foi contratado pela Roma, a dupla de zaga era formada por Benatia e Leandro Castán. Seu início no futebol italiano foi mais difícil por causa da concorrência ou você encontrou outros “problemas” na adaptação?
Na Roma eu acho que fui muito bem, o que aconteceu foi a situação do empréstimo curto. Tinha a opção de compra, mas não exerceram. Na época investiram em duas compras. Acho que o Iturbe foi uma, e aí não conseguiram pagar o São Paulo. Tentaram renovar o contrato, mas o São Paulo não liberou. Só que agradeço demais a passagem por lá, porque fez com que as pessoas me conhecessem. No Goiás, eu recebi propostas de clubes italianos, mas era desconhecido. Jogar na Roma me ajudou a abrir essa porta na Itália, logo depois a Atalanta me comprou.
Na Roma, como foi sua passagem por lá no sentido de relação com monstros sagrados, como Totti e De Rossi?
Dividir vestiário com esses caras foi muito bacana, estão entre os melhores da história do futebol italiano. A humildade deles é fantástica, isso resume o porquê de serem líderes. Foi um sonho jogar com eles. Me surpreendi demais com a não renovação do De Rossi, por tudo que ele representa para a cidade e clube. Mas futebol é dinâmico, a gente nunca sabe o que vai acontecer.
Você ainda sonha em voltar a defender a seleção brasileira?
Todo jogador sonha em jogar na seleção brasileira ou em qualquer nação que seja. Antes já pensei muito, mas, hoje, não penso muito. Quero focar mais no meu time. A Atalanta fez história, está tendo grandes resultados. Se conseguir manter o nível, vou estar satisfeito.
Você já participou de jogos pela seleção brasileira nas categorias de base. Mas em uma situação hipotética, se surgisse um convite da seleção italiana, você aceitar defender a Itália?
Não tenho certeza absoluta. Tenho passaporte [italiano], vivo lá há quase cinco anos. Minha filha e esposa já estão naturalizadas. É uma situação a se pensar.
O que espera da próxima temporada?
A próxima temporada será a mais importante da minha carreira e da história da Atalanta, por causa da Champions League. Meu projeto é estar bem fisicamente. Na Itália alcancei um nível altíssimo na parte física. Vou me preparar para fazer ainda mais do que fiz na última temporada, quero jogar praticamente todos os jogos. Não serão todos, porque sei que tem concorrência. Mas quero estar disponível para todas as partidas.