Nada parecia ser capaz de parar a Juventus de Giovanni Trapattoni na década de 1980. Comandada pelo craque Michel Platini, e com tantos outros nomes de peso, a Vecchia Signora viveu tempos avassaladores. Primeira a bordar duas estrelas acima do escudo, referentes aos 20 scudetti conquistados em sua história, a equipe bianconera obteve seu vigésimo título da liga em 1982. Três anos depois, triunfou na Europa e, na sequência, chegou ao topo do mundo ao bater um talentoso Argentinos Juniors – que, tal qual a agremiação italiana, tinha o status de campeão continental inédito.
A taça da Copa dos Campeões de 1985 foi, certamente, uma das mais amargas que um vencedor já pode ter saboreado. Ao mesmo tempo em que batia o Liverpool na finalíssima, por 1 a 0, com gol de pênalti anotado por Platini, corpos jaziam nas imediações. Diante da tragédia do estádio de Heysel, que sediava a decisão, o placar ficava em segundo plano: 39 torcedores morreram e cerca de 600 ficaram feridos após erros e mais erros de logística e de organização do evento por parte da Uefa, o que ocasionou a superlotação da praça esportiva.
Campeã europeia, a Juve finalmente ostentava a medalha de ouro no peito depois de dois vices contra Ajax e Hamburgo. Do outro lado do Atlântico, na América do Sul, um atípico time argentino começava a galgar seu espaço e derrubar gigantes como se todo dia fosse o de Davi contra Golias. Conhecido por revelar Diego Armando Maradona, o Argentinos Juniors foi bicampeão nacional entre 1984 e 1985 justamente com um elenco recheado de talentos da base.
Em sua primeira Copa Libertadores, chegou como um dos favoritos justamente pela prática de seu futebol. Vistoso, de pé em pé, deixava de lado a típica catimba argentina e se acostumava a vencer na bola. O Bicho de La Paternal, como era conhecido o clube de Buenos Aires, enfrentou o América de Cali, da Colômbia, na decisão e precisou de uma terceira partida, em campo neutro, para faturar o título na decisão por pênaltis.
No fim de 1985, como acontecia na época, os vencedores da Copa dos Campeões e da Libertadores, se enfrentaram na Copa Intercontinental, em Tóquio – competição tida como precursora do Mundial de Clubes da Fifa. Mesmo em seu melhor momento na história, o Argentinos Juniors chegava como azarão.
Em relação ao time que disputou a final continental dois meses antes, apenas um jogador mudou da escalação do Bicho de La Paternal. O estadunidense-argentino Renato Corsi deu lugar a José Antonio Castro. Entre os destaques, Claudio Borghi era a referência e esperança de gols da equipe sul-americana. Futuramente, iria defender as cores do Milan, mas sem nenhum sucesso.
A rival italiana chegava mais modificada em relação a sua última conquista, porém, igualmente fortíssima. Com as saídas de Zbigniew Boniek e Paolo Rossi, Michael Laudrup estrelava o setor ofensivo junto de Platini e com Aldo Serena mais à frente. No setor defensivo, Antonio Cabrini, Luciano Favero e Sergio Brio compunham o quarteto liderado pelo capitão Gaetano Scirea. O resto do meio-campo era formado pelos menos badalados Lionello Manfredonia, Massimo Bonini e Massimo Mauro.
O duelo no setor central foi o que marcou o início do confronto. Pelo menos nos 10 minutos inaugurais, ninguém conseguia chegar muito perto da meta adversária. Borghi foi quem criou a primeira ameaça, tentando pegar o goleiro bianconero Stefano Tacconi desprevenido. Em cobrança de escanteio, bateu fechado e o arqueiro teve que se esticar para jogar para fora e não levar um gol olímpico.
As finalizações começam a vir mais na metade da primeira etapa. Mandando no jogo, usando bastante a criatividade de seu camisa 10, a Juve encostava o Argentinos Juniors em seu campo de defesa. Perto de meia hora de bola rolando, Platini fez uma belíssima fila até chegar na área, onde arrematou entre três portenhos e mandou para fora, com certo perigo. Depois, pouco foi criado, e o verdadeiro espetáculo ficou para a segunda etapa.
Na volta do intervalo, não demorou para a rede ser balançada. Com alguns segundos, Laudrup aproveitou a casquinha de Serena e fintou Enrique Vidallé depois de sair na cara do gol. Com a meta escancarada, só rolou para dentro. No entanto, a celebração virou reclamação por conta da anulação por impedimento do dinamarquês na jogada. Foi um bom presságio do que tinha pela frente.
Aos 55 minutos, o time de José Yudica colocou a bola no chão e fez o que sabia de melhor. Em excelente troca de passes, Mario Videla lançou Carlos Ereros, que ficou de frente para Tacconi. O goleiro bianconero saiu para tentar abafar, mas acabou encoberto no toque de classe do argentino. A defesa de Trap fazia um bom jogo, e terminou violada após deixar um enorme espaço. Imperdoável.
Por pouco Ereros não deixou o segundo, que foi anulado por impedimento. Abalada, a Juventus conseguiu voltar para a partida graças a um pênalti sofrido por Serena. Na entrada da área, o atacante dominou quando foi empurrado por Jorge Olguín. Os argentinos não mataram o confronto quando estavam melhores, e a Vecchia Signora acordou. Empate em cobrança de Platini, que só deslocou o arqueiro.
Depois de igualar o placar, a Juventus levou um duro golpe no sistema defensivo. Scirea se lesionou e precisou deixar o gramado. Mesmo assim, continuou em cima, e quase virou o jogo em um lance histórico. Platini, novamente, recebeu na entrada da área uma sobra de escanteio. Com o peito, levantou a pelota, e com o pé direito, fintou pelo alto dois marcadores. Levando para a esquerda, emendou um belíssimo voleio, sem deixar a bola cair, no que seria um dos gols mais bonitos de sua carreira. Não foi porque terminou anulado pela arbitragem.
Na sequência, incrédulo com a decisão do alemão Volker Roth, o camisa 10 deitou na grama apoiando a cabeça em sua mão, praticamente um sinal de deboche. A pose ficou eternizada na história bianconera, sendo inclusive revisitada por Paulo Dybala na comemoração do gol em que La Joya empatou com Platini em número de tentos pelos piemonteses.
Mesmo sendo consideravelmente pressionado, o Argentinos Juniors soube aproveitar o jogo mais aberto e retomou a dianteira. De pé em pé, o Bicho de La Paternal começou da defesa até chegar à grande área. Pouco depois de meio-campo, Borghi recuou para receber e já lançou José Antonio Castro em velocidade. Nas costas de Cabrini, o argentino finalizou e o lateral até conseguiu travar a batida, mas a bola acabou encobrindo Tacconi, que ficou pregado no chão.
Com pouco menos de 15 minutos para buscar pelo menos um empate, Trapattoni deixou a equipe mais ofensiva. Tirou Mauro e colocou Massimo Briaschi. Deu resultado: aos 82, o substituto alçou uma falta na área e a sobra ficou com Laudrup. Tabelando com Platini, que deu um toque magistral de primeira, o dinamarquês saiu na cara de Vidallé, fintou o goleiro e colocou para dentro, quase perdendo o ângulo.
Ao fim dos 90 minutos, Platini se mostrava bem irritado, com companheiros e especialmente a arbitragem. Mesmo sendo um dos melhores em campo, o camisa 10 estava sendo tirado do sério. Na prorrogação, a melhor chance de alguém se sagrar campeão com a bola rolando passou na frente Ereros, que recebeu praticamente sem goleiro na pequena área, mas não conseguiu chegar nela estufar as redes. E a decisão foi para as penalidades máximas.
Brio foi quem abriu as cobranças. Com chute forte, cruzado e rasteiro, não deu chances para o goleiro. Olguín e Cabrini seguiram a receita com sucesso. Sergio Batista, finalizou chapado e fraco, parou em Tacconi, que acertou o lado. Serena e Juan José López, na sequência, só deslocaram para marcar.
Laudrup teve em seus pés deixar a Juve em condições de vencer no erro do Argentinos Juniors na cobrança seguinte. Porém, telegrafou a batida cruzada e desperdiçou. Menos mal para o camisa 11 que José Luis Pavoni cobrou forte, no meio, e Tacconi esperou dessa vez. A cobrança decisiva caiu sobre os pés do craque do time.
Sem sentir a pressão, Platini correu assim que foi autorizado. Vidallé tentou adivinhar o lado e pulou para a direita. A bola morreu no outro canto. Vibrando muito, a Juventus conquistou a Copa Intercontinental na sua segunda tentativa do torneio – em 1973, mesmo tendo sido vice europeia, disputou a competição diante da recusa do Ajax e perdeu para o Independiente. E, como não poderia ser diferente, Platini terminou como centro das atenções e eleito o melhor da decisão.
Juventus 2-2 Argentinos Juniors
Juventus: Tacconi; Favero, Scirea (Pioli), Brio, Cabrini; Mauro (Briaschi), Manfredonia, Bonini; Platini; Laudrup, Serena. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Argentinos Juniors: Vidallé; Villalba, Pavoni, Olguín, Domenech; Comisso (Corsi), Batista, Videla; Castro, Borghi, Ereros (López). Técnico: José Yudica.
Gols: Platini (63’), Laudrup (82’); Ereros (55’), Castro (75’)
Pênaltis convertidos: Brio, Cabrini, Serena e Platini; Olguín e López
Pênaltis perdidos: Laudrup; Batista e Pavoni
Árbitro: Volker Roth (Alemanha)
Local e data: Estádio Olímpico, Tóquio (Japão), em 8 de dezembro de 1985