Copa do Mundo Jogos históricos Seleção italiana

Contra a Nigéria, Roberto Baggio finalmente apareceu na Copa de 1994 e levou a Itália às quartas

Do drama ao delírio. A trajetória da Itália na Copa do Mundo de 1994 foi das mais tortuosas e o passo mais complicado dessa caminhada até a decisão foi dado contra a Nigéria, sensação do torneio, nas oitavas de final. A Nazionale sofreu um gol no início da partida, chegou a ter um jogador expulso pouco após entrar em campo e precisou da genialidade e do poder de decisão de um de seus maiores craques para virar. Roberto Baggio empatou a peleja no apagar das luzes e a virou, de pênalti, na prorrogação.

As duas seleções tiveram desempenhos muito diferentes na fase de grupos. Em sua chave, a equilibradíssima E, a Itália sofreu demais para se classificar: perdeu para a Irlanda, ganhou da Noruega com um a menos e empatou com o México. Com o quádruplo empate de pontos e saldo entre as equipes, o único na história das Copas, classificou-se devido ao número de gols marcados. Em seu percurso acidentado, os azzurri perderam Franco Baresi, lesionado, e Gianluca Pagliuca, suspenso por dois jogos. De quebra, ainda tiveram que lidar com uma ligeira crise entre Baggio e o técnico Arrigo Sacchi.

A Nigéria, por sua vez, estreou em Mundiais de forma estonteante: dona do título africano de 1994, emendou vitórias sólidas sobre Bulgária (3 a 0) e Grécia, além de protagonizar jogo duro na derrota para a Argentina. Assim, avançou às oitavas como líder de seu quadrangular e status de outsider do torneio. O holandês Clemens Westerhof treinava as Super Águias desde 1989 e, naquela Copa, contava com grandes atuações de jogadores como Jay-Jay Okocha, Daniel Amokachi, Rashidi Yekini, Finidi George, Emmanuel Amunike e Sunday Oliseh.

Contra a Nigéria, Maldini protagonizou uma rara falha (Getty)

A partida realizada no estádio Foxboro, na região metropolitana de Boston, cidade no nordeste dos Estados Unidos, começou meio amarrada. As duas equipes estavam bem espaçadas e, na metade inicial do primeiro tempo, foi a Itália quem teve mais iniciativa – embora sem qualquer eficácia. Aos 25 minutos, então, um banho de água fria para os azzurri: após escanteio cobrado na área, Paolo Maldini, sofrendo com dores no tornozelo durante a fase de grupos, cometeu um raro erro. O zagueiro rebateu a bola alçada para cima, Roberto Mussi ficou perdido na marcação e Amunike só completou, na saída de Luca Marchegiani.

Na frente no placar, a Nigéria passou a ficar mais postada na defesa, e se valia da marcação cerrada de Oliseh sobre Robi Baggio. O craque italiano até chegou a ter uma chance após escorada de cabeça de Daniele Massaro, mas foi empurrado pelas costas por Chidi Nwanu. O árbitro mexicano Arturo Brizio Carter mandou seguir – seria apenas uma de suas decisões contestáveis na partida. Novamente através da bola aérea, a Nazionale ameaçou com Massaro e Maldini ainda na etapa inicial. Porém, as testadas não tiveram direção.

A Itália viu a Nigéria abrir o placar no primeiro tempo e precisou correr atrás do prejuízo (Allsport)

Insatisfeito com a baixa produtividade de Nicola Berti, Sacchi mexeu no intervalo e promoveu a entrada de Dino Baggio, titular nos três compromissos dos azzurri na fase de grupos – como o volante entrou para organizar o jogo, Roberto Donadoni foi deslocado para o flanco direito. Bastaram 90 segundos para a troca se justificar: o versátil meia milanista ajeitou na área para o recém-entrado, que finalizou de primeira e acertou a trave de Peter Rufai.

Se intensificou a impressão de uma partida de ataque contra defesa e logo Sacchi optou por colocar Gianfranco Zola em campo pela primeira vez na Copa – tomou o lugar de Signori, amarelado por simulação. Os italianos tentavam arrumar pênaltis de qualquer forma e Zola, aniversariante do dia, foi um dos que buscaram esse expediente.

Ainda no primeiro tempo, a arbitragem deixou passar um pênalti sobre Roberto Baggio (AFP/Getty)

A propósito, numa disputa com Augustine Eguavoen, Zola desabou na grande área. Após ser desarmado pelo adversário, foi afobado para tentar retomar a bola e mostrou as travas da chuteira para o lateral, com a perna bem elevada – embora nem tenha encostado no nigeriano, que simulou o choque. Brizio Carter, no entanto, não pestanejou: mostrou cartão vermelho direto ao baixinho, que passou apenas 13 minutos em campo durante o Mundial. Injustiçado pela expulsão e também pelo treinador azzurro, em suma.

Prejudicada pela arbitragem e afetada negativamente pelas oportunidades perdidas, a Itália caiu muito de produção e a eliminação precoce parecia encaminhada – assim como a demissão de Sacchi e a queda de Antonio Matarrese, presidente da FIGC, a Federação Italiana de Futebol, desde 1987. Aos 88 minutos, então, veio o toque do gênio, adormecido até aquele momento.

A Itália precisou vencer a forte marcação nigeriana, mas foi perdendo confiança com o passar do tempo (Allsport)

Na grande área, Mussi ganhou uma dividida no duelo com Mutiu Adepoju e ajeitou para Robi Baggio. Perseguido por lesões durante a temporada e convivendo com dores no calcanhar, o craque, detentor dos prêmios de melhor do mundo pela Fifa e da Bola de Ouro de 1993, marcou o seu primeiro gol na Copa do Mundo de 1994 com jeitinho: uma finalização colocadíssima, em câmera lenta, que fez a pelota rolar mansamente e morrer no fundo da rede de Rufai. Posteriormente, Sacchi chegou a afirmar que a Itália já estava no avião para casa quando o Divin Codino fez a tripulação da aeronave cancelar a decolagem.

Roberto Baggio levou o jogo para a prorrogação e renovou o ânimo da Itália, que nem parecia estar em inferioridade numérica. Logo que começou o tempo extra, Dino Baggio saltou mais alto do que os marcadores e tirou tinta da trave quando completou o escanteio batido por Donadoni. Em seguida, Yekini tentou responder após receber belo passe em profundidade de Okocha, mas Marchegiani efetuou uma saída providencial de sua baliza.

Já no fim do tempo regulamentar, uma finalização certeira de Robi Baggio renovou as esperanças da Itália (Allsport)

Ainda no primeiro tempo da prorrogação, o Divin Codino inventou mais uma das suas – e o destino também. Robi viu Antonio Benarrivo fazendo a ultrapassagem e buscou um passe em elevação para o agudo lateral, que terminou sofrendo uma carga nas costas de Eguavoen, o mesmo nigeriano que tinha fingido dor num lance sem contato e causado a expulsão de Zola. Brizio Carter assinalou a penalidade e o camisa 10 a cobrou muito bem, deslocando Rufai e contando com a ajuda da trave para estufar a rede. Era a merecida virada da Itália, que finalmente encontrava o seu jogo.

Apesar de estar melhor em campo, a Nazionale foi agraciada com a sorte pouco após a virada. Michael Emenalo teve iniciativa pela esquerda e, pegando a defesa italiana bem desarrumada, deixou Yekini com o gol aberto, precisando apenas escorar um passe à meia altura. O atacante, porém, não conseguiu se decidir entre finalizar e chutar, a bola tocou em sua canela e, quando ia ficando perto de entrar, Dino Baggio apareceu para o corte providencial. Do outro lado do gramado, seu xará – que não é seu parente, vale destacar – fez jogada individual e obrigou Rufai a trabalhar.

Determinante: até então sumido na Copa, Roberto Baggio colocou sua assinatura nos dois gols da Itália sobre a Nigéria (Getty)

Flagrantemente exaustas e castigadas pelas altíssimas temperaturas do verão norte-americano, as duas seleções quase nada produziram no segundo tempo da prorrogação. Com o resultado e o relógio a seu lado, a Itália protegeu bem a sua área e impediu a Nigéria de penetrá-la. Assim, as Super Águias só conseguiram efetuar arremates de média e longa distância, sobretudo com Okocha. Nada que fizesse Marchegiani trabalhar muito e, consequentemente, capaz de alterar o placar em Foxborough.

A Itália venceu a duríssima batalha com a Nigéria e, em seguida, teria mais um duelo complicadíssimo: a Espanha, nas quartas de final, num confronto marcado pela cotovelada de Mauro Tassotti em Luis Enrique e no gol decisivo de Dino Baggio, já no fim, além da confirmação de Roberto Baggio, que voltou a encontrar as redes. A trupe de Sacchi ainda passaria facilmente pela Bulgária, com direito a show do craque, e só pararia no Brasil, com o inesperado erro de seu maior jogador na decisão por pênaltis.

Nigéria 1-2 Itália

Nigéria: Rufai; Eguavoen, Okechukwu, Nwanu, Emenalo; Finidi, Oliseh, Amunike (Oliha); Okocha; Amokachi (Adepoju), Yekini. Técnico: Clemens Westerhof.
Itália: Marchegiani; Mussi, Costacurta, Maldini, Benarrivo; Berti (D. Baggio), Albertini, Donadoni, Signori (Zola); R. Baggio, Massaro. Técnico: Arrigo Sacchi.
Gols: Amunike (25′); R. Baggio (88′ e 102′)
Cartão vermelho: Zola
Árbitro: Arturo Brizio Carter (México)
Local e data: estádio Foxboro, Foxborough (Estados Unidos), em 5 de julho de 1994

Compartilhe!

Deixe um comentário