Muitos atletas elevam o patamar de seu país no futebol, simplesmente por serem craques ou gênios do seu tempo. Outros não repetem a atuação dos clubes pela seleção e dão a impressão de que poderiam ter sido muito mais. Para Andriy Shevchenko, se aplica melhor o primeiro caso: se não foi o melhor jogador ucraniano de todos os tempos, Sheva ao menos pode ser o maior deles após a dissolução da União Soviética.
Com dez anos, o menino Andriy ingressou na base do Dynamo Kyiv, onde faria seu nome no futebol mundial. A sua capacidade de fazer gols ficou explícita para o mundo durante a Champions League em 1997-98. Fazendo três gols, ajudou a sua equipe a fazer 4 a 0 no Barcelona. A atuação fantasmagórica chamou a atenção do Milan, que enxergou no rapaz um grande potencial. Pentacampeão nacional, o atacante estava mudando de ares.
Rapidamente habituado ao clima italiano, Shevchenko emplacou 29 gols em 43 jogos durante a temporada 1999-00. Era o prelúdio de uma era de sucesso, tanto do Milan quanto do atacante, que agora era Sheva, um dos queridinhos do elenco. O maior brilho veio em 2002-03 com a conquista da Champions em cima da Juventus na decisão por pênaltis. Sheva, que havia passado grande parte da temporada com uma lesão no menisco, converteu a penalidade decisiva e se tornou o primeiro ucraniano a vencer o torneio em sua era moderna.
Determinado e confiante para seguir com o bom trabalho, a média de Sheva, novamente em boa forma, em 2003-04 foi, obviamente, muito superior à temporada anterior, que culminou no título europeu. Crucial na campanha do scudetto em 2003-04, somou 29 tentos em 45 aparições no total. Cada vez mais importante para o plantel rossonero, o camisa 7 tinha características que o faziam se sobressair em relação aos principais nomes da posição no resto do mundo: rápido, com ótimos reflexos e excelente finalização, o ucraniano não tinha dificuldades em chutar com nenhuma das pernas e também se apresentava bem para cabecear. Não por acaso, acabou sendo eleito Bola de Ouro pela France Football em 2004.
Mais duas temporadas magníficas pelo Milan e a perseguição de outros clubes pela contratação de Sheva chegou a um ponto irreversível. O dono do Chelsea, Roman Abramovich, sempre declarava que queria contar com os serviços do camisa 7, mais determinado a permanecer no San Siro do que os dirigentes milanistas.
Apesar das cifras astronômicas que atravessaram os anos e poluíram as páginas esportivas italianas, Andriy só foi mesmo deixar o clube em 2006, cinco taças depois de sua chegada em 1999, e por influência de sua esposa, que queria morar em Londres. Bola de ouro em 2004 pela France Football, o ucraniano talvez precisasse provar a outra torcida que era vencedor de fato. A derrota para o Liverpool na LC em 2005 foi um duro golpe às ambições do camisa 7, que esteve brilhante em campo, mas não pode evitar uma reação por parte dos ingleses.
Pouco antes de partir, Shevchenko teve participação vital na campanha da Ucrânia pela Copa de 2006. Grande craque de uma nação, marcou duas vezes na histórica participação de sua seleção, caindo para a Itália nas quartas de final por 3-0. Mesmo assim, a participação da seleção eslava foi muito acima das expectativas, já que Sheva era o único jogador acima da média naquela equipe.
Desembarcando em Londres como principal nome na renovação do Chelsea, a torcida dos Blues se decepcionou com o desempenho do ucraniano, que ficou apenas duas temporadas no Stamford Bridge e balançou as redes em apenas 14 oportunidades, entrando em 51 jogos – mas nunca entrando nas graças de José Mourinho, que vivia pressionado por Abramovich para escalá-lo. Marca pouco admirável se levada em conta sua média no Milan.
Sem se enquadrar no sistema de José Mourinho, Sheva virou reserva e sua motivação foi caindo por terra. Em 2007-08, apenas 25 participações e oito gols. Vencedor da FA Cup e da League Cup, ao menos sua passagem não foi em branco total. A situação ficou desfavorável demais e o atacante solicitou sua transferência. Veio apenas um empréstimo ao Milan, para quem sabe retomar os tempos de glória.
No entanto, o atacante esteve longe de impressionar: jogou 26 vezes e marcou apenas dois gols (nenhum deles na Serie A). Mesmo com a má fase, continuava amado pela torcida rossonera, que o idolatrava. Também, pudera: em 322 jogos pelo Diavolo, foram 175 gols, muitos deles decisivos. A Inter, rival local de Milão, era vítima preferencial do ucraniano: foram 14 gols em dérbis, o que lhe coloca como maior artilheiro do duelo, com 14 gols, acima mesmo de lendas como Giuseppe Meazza. Sheva deixou o Milan com cinco títulos na bagagem, sendo um dos mais vitoriosos e amados jogadores da Era Berlusconi.
Em 2009, já em franca decadência, retornou ao Dynamo Kyiv para encerrar sua carreira em casa, perto do calor da torcida de seu clube do coração. O maior ídolo recente do país defendeu as cores do Bilo-Syni até a metade de 2012. Logo de cara foi consagrado como destaque da Liga ucraniana, em 2009. Chegando ao fim do seu ciclo como profissional, disputou sua última competição em casa, na Eurocopa 2012, em que a Ucrânia dividiu com a Polônia o dever de sediar o torneio.
Na estreia da sua seleção, Sheva provou que ainda tinha presença de área. Marcou duas vezes em virada contra a Suécia, surpreendendo grande parte do público, que sabia que se tratava de uma das últimas ocasiões em que o capitão estaria em campo. Era noite do dia 19 de junho, quando a Inglaterra derrotou a Ucrânia e selou a eliminação dos donos da casa. Aos 25 do segundo tempo, Devic deu lugar a Shevchenko, que poderia mudar os rumos da partida. Abatido pela má forma física, o camisa 7 teve de se contentar com uma derrota amarga em sua despedida.
Tal qual Zidane, que não teve um adeus tão glorioso quanto o planejado, Sheva deixou o futebol num momento em que o sorriso já não era mais rotina. Ídolo das torcidas do Dynamo Kyiv, do Milan e do povo ucraniano, a lenda envolvendo o atacante ganhou seu último capítulo ali naquela derrota frente os ingleses. Contudo, as grandes histórias nem sempre precisam terminar bem para continuarem sendo grandes. Mesmo com um fim “melancólico”, o jogador Andriy Shevchenko deixou para trás um filme que sempre passará na memória dos que o viram atuar.
Aposentado, Shevchenko buscou se empenhar na vida política, mas não conseguiu se eleger ao parlamento nas eleições de 2012. Na verdade, só em 2023, depois do início da guerra com a Rússia, é que o ex-atacante passou a ter algum cargo, apesar de sempre ter sido uma voz importante no país: foi escolhido como conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky.
Antes disso, Sheva teve um bom trabalho como técnico da seleção da Ucrânia: embora não tenha levado os auriazuis à Copa do Mundo de 2018, os conduziu às quartas da Euro 2020, fase em que caíram após serem goleados pela Inglaterra. Em seguida, o goleador retornou à Itália para dirigir o Genoa, mas durou pouco num ambiente confuso, numa campanha que terminou em rebaixamento dos grifoni à segundona após 15 anos seguidos na elite.
Andriy Mykolayovych Shevchenko
Nascimento: 29 de setembro de 1976, em Kyiv, Ucrânia
Posição: atacante
Clubes como jogador: Dynamo Kyiv (1994-99 e 2009-12), Milan (1999-2006 e 2008-09) e Chelsea (2006-08)
Títulos como jogador: Campeonato Ucraniano (1995, 1996, 1997, 1998 e 1999), Copa da Ucrânia (1996, 1998 e 1999), Copa dos Campeões da Comunidade dos Estados Independentes (1996, 1997 e 1998), Coppa Italia (2003), Liga dos Campeões (2003), Supercopa Uefa (2003), Serie A (2004), Supercopa Italiana (2004), Copa da Liga Inglesa (2007), Copa da Inglaterra (2007) e Supercopa da Ucrânia (2011)
Carreira como treinador: Ucrânia (2016-21) e Genoa (2021-22)
Seleção ucraniana: 111 jogos e 48 gols
Opa, bacana! Se me permitem, umas observações:
-mesmo contando o período soviético, creio que ele tenha sido o primeiro ucraniano a levantar a Copa/Liga dos Campeões. O máximo que os clubes da URSS conseguiram foi a Recopa Europeia…
-se não me falha a memória, foi dele os gols que eliminaram duas vezes a Inter em plena quartas e semifinais de duas Ligas doa Campeões, em 2003 e 2005.
-ele me decepcionou na Copa de 2006. Os dois gols foram sobre um dos países árabes (não me recordo se a Tunísia ou a Arábia Saudita), sendo que um foi de pênalti inexistente. O melhor jogador da Ucrânia ali, ao menos para mim, foi o sumido Kalynychenko…
Parabéns pelo post! Sheva era fantástico no auge… pena não ter avançado na Eurocopa.