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O talento de Dejan Savicevic abrilhantou o Milan de Fabio Capello

Para quem não tem talento ou desenvoltura, a bola parece ter vida própria. Teimosa, rebelde e desobediente, a pelota foge aos pés dos pobres mortais, aqueles que se contentam em ser coadjuvantes no circo que é o futebol. Um dos que conseguia domar com tranquilidade, fazendo dela uma extensão das suas chuteiras era Dejan Savicevic, um verdadeiro artista do esporte.

Muito cedo se sabia que o menino Savicevic havia nascido para ser jogador. Aos 15 anos já era o coringa da base do OFK Titograd, hoje conhecido como Mladost Podgorica. Atrevido, imediatamente foi reconhecido como joia rara na equipe montenegrina. Acostumado ao estilo rápido e objetivo do futsal, Savicevic conciliava seu tempo como juvenil desfilando pelas quadras iugoslavas.

Isso certamente o ajudou a ter uma relação toda especial com a bola. Em 1983, aos 16 anos, não podia mais ser apenas um craque de bairro e assinou com o Buducnost, da primeira divisão local. Foram cinco anos em que ele aperfeiçoou sua técnica e ganhou espaço no cenário profissional da Iugoslávia, que criou toda uma escola baseada na filosofia da posse e dos dribles. E assim, em 1988, foi contratado pelo Estrela Vermelha, a principal potência eslava da época. Ali encontrou seu lugar.

Com 23 anos e já relativa experiência, mostrou em níveis internacionais o que poderia fazer. Suas façanhas incluíam carregar a bola por quase todo o campo, enfileirando adversários indefesos e impotentes diante do seu jogo de cintura. Ia e voltava, fintava e desistia, partia para cima outra vez e sumia da vista do marcador: era endiabrado e possivelmente devia ter um trato sobrenatural para dominar tanto o instrumento de jogo.

Quisesse driblar da sua defesa até as traves do oponente, o faria com a maior calma, em passadas largas e dribles ligeiros. Cérebro do Estrela Vermelha que conquistou a Europa em 1990, Savicevic já era tido como estrela mundial e a iniciativa de deixar a Iugoslávia para um país de maior tradição era natural. Em 1992, os dirigentes do clube de Belgrado não mais resistiram ao assédio dos gigantes e venderam seu maior craque ao Milan, certamente um dos três times que dominavam a Europa no início da década de 90.

Savicevic comemora com Baggio (Allstar)

Da Iugoslávia para o mundo

Por cerca de 10 bilhões de liras italianas, o montenegrino se juntou a um plantel estelar comandado por Fabio Capello. A consagração também não demoraria a chegar, já que em 1993 os rossoneri chegaram à final da Liga dos Campeões diante do Marseille. A derrota para os franceses, por 1 a 0, não abalou os ânimos de Capello e seus pupilos. A equipe havia se sagrado campeã italiana pouco antes e jogaria a próxima liga – e dois gols de Savicevic, em vitória contra a Fiorentina, foram fundamentias para o título.

No ano seguinte, lá estava o Milan outra vez na decisão, passando por cima do Barcelona por 4 a 0 em atuação clamorosa de Savicevic e Massaro, que marcou duas vezes. Savicevic participou com um gol – justamente o que abriu o placar, encobrindo Zubizarreta – e ainda deu uma assistência para um dos gols de Massaro.

Alcançando um nível muito superior aos demais, Dejan foi afetado pela fama e fortuna, virando uma pessoa complicada de lidar. Segundo melhor atleta do mundo em 1991, o meia-atacante passou a acumular algumas encrencas fora de campo. Dono de uma opinião forte e polêmica, sempre era entrevistado nos momentos em que a pauta era a involução do futebol iugoslavo. Durante a década de 2000, quando virou dirigente, constantemente ia aos jornais para criticar outros cartolas e treinadores montenegrinos, sustentando sua argumentação com críticas ferrenhas.

Sem medo de represálias, Savicevic batia de frente com os homens que ditavam as regras no território iugoslavo. O posicionamento radical em relação aos direitos do povo de Montenegro e especialmente como isso influenciaria na separação que se daria anos depois, é uma das causas com que o ex-craque sempre estará associado.

Dentro dos gramados, de 1992 a 1998 foi importantíssimo no San Siro. Sucessor legítimo do trio holandês formado por Rijkaard, Gullit e van Basten, Savicevic herdou o trono que lhe era de direito. Responsável pela criação e apoiando bastante os finalizadores, cansou de erguer troféus pela agremiação rossonera. Três Serie A, três Supercopas Italianas, uma Liga dos Campeões e uma Supercopa Uefa, sem falar no caneco europeu pelo Estrela Vermelha, os três campeonatos iugoslavos e uma Copa da Iugoslávia em 1999. Incontestavelmente um grande vencedor que fazia por onde dentro das quatro linhas.

O montenegrino foi um dos mais habilidosos jogadores da Serie A e sempre teve de ser marcado pelos melhores, como Nesta (imago)

Mais uma vez entre os heróis

O retorno de Savicevic ao Estrela Vermelha foi marcado para 1999, quando ele já estava com 33 anos nas costas. Foi o último brilho de Savo, já num panorama em declínio. Lesionado e pouco útil aos Delije, Dejan foi cedido ao Rapid Viena de forma que encerrasse na Áustria sua trajetória como profissional. De 1999 a 2001 ensinou os austríacos um pouco da incrível dominação a que submetia quem quisesse lhe marcar.

Encerrou seu ciclo aos 36 anos de idade, no Rapid, sem ter levantado uma Copa sequer. A opção por terminar seus dias como astro longe de casa talvez tenha sido um final que não fez jus ao passado. Durante mais de dez anos, reinou em Belgrado e Milanello. E como se sabe, os verdadeiros reis nunca perdem a majestade. Pelo Milan, onde viveu a fase mais gloriosa de sua carreira, realizou 144 partidas e marcou 34 gols. O último de seus gols pelo Diavolo aconteceu em janeiro de 1998, em dérbi contra a Inter. A partida, válida pelas quartas de final da Coppa Italia, acabou com um histórico 5 a 0 a favor dos rossoneri.

Dejan foi soberano como poucos um dia puderam ser. De natureza imprevisível até no cotidiano, o ex-atleta deixa saudades. Quando o futebol era menos marcação ou força, o compasso da genialidade dava o tom por onde ele passava. Sem dúvidas a década de 1990 mostrou ao mundo alguns coringas competentíssimos. Uns caíram no esquecimento, outros vivem de suas glórias, afinal, só será lembrado pelo grande público quem triunfou. Savicevic ainda foi técnico da seleção iugoslava entre 2001 e 2003, mas acabou demitido quando o país já se chamava Sérvia e Montenegro. Desde 2001, inclusive, é presidente da Federação Montenegrina de Futebol.

Não há lugar na memória para os perdedores. E exatamente por isso Savicevic segue tão vivo na lembrança de quem o viu brilhar.

Dejan Savicevic
Nascimento: 15 de setembro de 1966, em Podgorica, Montenegro (antiga Iugoslávia)
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Buducnost (1982-88), Estrela Vermelha (1988-92 e 1999), Milan (1992-98) e Rapid Vienna (1999-2001)
Títulos como jogador: Campeonato Iugoslavo (1990, 1991 e 1992), Copa da Iugoslávia (1990), Copa/Liga dos Campeões (1991 e 1994), Mundial Interclubes (1991), Serie A (1993, 1994 e 1996), Supercopa Italiana (1992, 1993 e 1994) e Supercopa Uefa (1994)
Carreira como treinador: Iugoslávia (2001-03) e Sérvia e Montenegro (2003)
Seleção iugoslava: 56 jogos e 22 gols

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