Uma das regiões mais plurais e particulares da Itália é a Emília-Romanha, não só em termos culturais, mas também na quantidade de clubes de futebol. Considerando apenas equipes sediadas nessa mesma subdivisão na Velha Bota que disputaram a primeira divisão nos últimos 30 anos, temos Parma, Modena, Spal, Sassuolo, Bologna, Reggiana, Carpi e Piacenza. Contudo, todos estes supracitados estão na parte setentrional, na Emília, enquanto que no sul, reina sobre os demais o Cesena, time com grande história e que terá sua saga relembrada na série “Pequenos milagres”.
Entre 1922 e 1939, existiu apenas um time de futebol em Cesena, uma agremiação chamada Unione Sportiva Renato Serra, fundada por amigos. O clube fechou as portas no início da II Guerra Mundial, pois vários de seus componentes foram enviados para servir na Etiópia. No ano seguinte, um grupo de ex-jogadores, estudantes e comerciantes resolveram fundar a Associazione Calcio Cesena, com as mesmas cores do brasão da cidade e do antigo time local, o preto e branco.
Nas duas primeiras décadas, o time sofreu para se estabelecer, jogando em um campo colocado no meio do hipódromo da cidade e alternando entre a Serie C e as divisões inferiores, com apenas um ano atípico na Serie B. O time começou a mudar seu status no futebol italiano em 1957, quando foi construído o La Fiorita, estádio localizado na região de Fiorenzuola, onde o Cesena continua jogando hoje em dia.
Em 1964, depois de campanhas consistentes na terceira divisão, o conde Alberto Rognoni, um dos fundadores do clube, resolveu deixar o cargo de presidente e entregar o comando para um grupo de empresários do setor agrícola, que estavam dispostos a investir nos alvinegros. Quem capitaneava o consórcio formado por alguns dos mantenedores de uma das principais atividades da província era Dino Manuzzi.
O dirigente queria criar um time que tivesse ligação e raízes com a Romanha, investindo e valorizando as categorias de base, além de melhorar a infraestrutura de seu próprio campo – aumentando a capacidade do estádio, colocando iluminação artificial e modernizando as tribunas. A nova política promovida funcionou de forma esplendorosa. Os esforços de Manuzzi colocaram o Cesena na Serie B em 1968-69 e afastaram o clube da terceira divisão por incríveis 30 anos. Complementando, na mesma temporada surgiu Giampiero Ceccarelli, que veio das divisões de base e jogou 19 temporadas pelos bianconeri, somando quase 600 partidas.
As três primeiras temporadas no segundo escalão do futebol itálico não foram fáceis. O Cesena ficou na parte inferior da tabela e lutou para não cair novamente em todas essas campanhas. O time melhorava e se consolidava cada vez mais, porém não o suficiente para conseguir almejar uma luta pela promoção à Serie A, já que trocava de treinador inúmeras vezes. Manuzzi resolveu trocar o comando mais uma vez para a temporada de 1971-72 e finalmente acertou com Luigi Radice.
Com uma sexta posição, o treinador ficou para o ano seguinte e ainda teve o aval do presidente para contratar de forma mais audaz e anunciar, naquela janela de verão, que seu time iria brigar pelo acesso. Jogadores que disputavam a Serie A foram adicionados ao núcleo já sólido da equipe e a aposta deu certo. Com 17 vitórias, 15 empates e apenas 6 derrotas o Cesena ficou com o vice-campeonato da segundona, atrás apenas do Genoa.
O início de uma árdua jornada pela permanência na Serie A
Para a estreia dos cavalos marinhos na primeira divisão, o comandante da esquadra foi Eugenio Bersellini, já que Gigi Radice foi treinar a Fiorentina. A perda não impactou os planos dos bianconeri e o jovem treinador fez história na Romanha. Conhecido como ‘sargento de ferro’, Bersellini mudou completamente a forma de jogo do time, que passou a priorizar a posse de bola e os rápidos toques no meio de campo. Um time sólido, mas dinâmico, que ia contra a maré defensiva da época.
O time chegou na segunda fase da Coppa Italia e alcançou arduamente um 11º lugar no ano de batismo na Serie A, conseguindo empates com a Lazio (campeã) e também com Juventus e Torino. Artilheiro da Juve, Pietro Anastasi confessou na época que nunca tinha enfrentado uma equipe desse porte jogando de tal forma e até comparações ao jeito brasileiro de jogar, com toque de bola e fluidez, foram feitas pela imprensa italiana.
Mesmo com um estilo de jogo vistoso, a qualidade técnica individual deixava a desejar e parte do sucesso daquele Cesena se devia à garra e afinidade dos jogadores ao time: entre os destaques, o elenco tinha jogadores como o goleiro Lamberto Boranga, o já citado lateral direito Ceccarelli, os zagueiros Pierluigi Cera, Luigi Danova e Paolo Ammoniaci, o meia Francesco Brignani e o atacante Ariedo Braida – que depois virou diretor esportivo, com passagens por Milan e Barcelona. A campanha seguinte manteve a mesma toada e a equipe romanhola conquistou mais uma espinhosa permanência. Até que uma ousada troca foi realizada e o destino do time mudou.
Brignani e Ammoniaci foram para a Lazio, enquanto Giancarlo Oddi e Mario Frustalupi chegaram na Riviera Adriática. Os dois primeiros somavam 13 anos de clube, enquanto os contratados haviam sido peças importantes do scudetto laziale, em 1973-74: enquanto Oddi tinha 27 anos, Frustalupi era bem mais experiente e, com 33, se encontrava à beira da aposentadoria, para os padrões daquele tempo. O fato é que os recém-chegados trouxeram qualidade e experiência para o plantel que posteriormente seria eternizado.
Além da chegada de dois campeões nacionais, o Cesena teve uma mudança no comando técnico. O bom trabalho em La Fiorita levou Bersellini a treinar a Sampdoria e o time resolveu apostar novamente em treinadores jovens. O nome da vez foi Giuseppe Marchioro, que fora auxiliar de Radice no Monza e tinha passagens sólidas por equipes de divisões inferiores. Pippo havia sido campeão da Coppa Italia de Semiprofissionais pelo Alessandria, em 1973, e quase devolveu o time à segunda divisão. Depois disso, fez duas ótimas campanhas no Como, que culminaram no vice-campeonato da Serie B e na promoção à elite, em 1975.
Já no início da temporada 1975-76, o Cesena foi eliminado da Coppa Italia – no saldo de gols – pelo Napoli, que viria a ser o campeão. No campeonato nacional, depois de ficar boa parte do torneio na primeira metade da tabela, o time ficou 12 rodadas invicto e conseguiu alcançar o sexto lugar, sua melhor colocação até hoje, que lhe deu uma vaga na Copa Uefa e a inédita participação em competições europeias.
Tendo em vista que os cavalos marinhos estavam jogando a Serie C apenas 10 anos antes disso, foi um resultado fenomenal. A trajetória rumo ao incrível feito teve vitórias sobre Roma e Milan, além de invencibilidade contra Torino (campeão) e Lazio. Contudo, os resultados mais especiais ocorreram contra a Juventus, vice-campeã: o cavalluccio empatou por 3 a 3 em Turim, tendo chegado a ficar em vantagem de dois gols, e venceu por 2 a 1 em La Fiorita. O bom momento levou até mesmo Danova para a seleção italiana principal. O zagueiro foi o primeiro jogador alvinegro a representar a Nazionale.
Infelizmente, o conto de fadas durou pouco e a temporada seguinte foi repleta de fracassos. Marchioro chamou atenção pelo sexto lugar no ano precedente e foi contratado pelo Milan, clube no qual se formara como atleta. As contratações feitas visando a competição continental não deram certo em todos os âmbitos e a equipe foi eliminada na primeira fase dos dois torneios que precediam o início da Serie A: Coppa Italia, em um grupo facílimo, e Copa Uefa, pelo Magdeburg, da Alemanha Oriental.
Com enorme pressão no início do campeonato, o Cesena teve quatro trocas de técnicos nas 10 primeiras rodadas. Começou com Giulio Corsini e atravessou breve período de interinidade de Paolo Ferrario e Aldo Neri até a contratação de Tom Rosati, mas o treinador só durou quatro jogos. No final das contas, a diretoria decidiu efetivar Ferrario e Neri, que tinham experiência nula na elite, mas eram ligados à agremiação. O resultado? O time apenas venceu os fracos Catanzaro e Foggia no primeiro turno, foi lanterna praticamente por todo o torneio e teve um retumbante rebaixamento decretado ao final daquela temporada. O Cesena estava de volta à Serie B depois de quatro anos consecutivos no máximo nível.
O primeiro biênio na segunda divisão foi penoso, com falta de continuidade e troca de técnicos. Em 1979, quando o time ficou a dois pontos do rebaixamento para a Serie C, a sensação na Romanha era a de que algo precisava ser mudado de forma urgente. Assim, Dino Manuzzi resolveu entregar a presidência do time para Edmeo Lugaresi, seu sobrinho e também empresário no ramo rural.
O novo presidente tinha habilidade com o ofício e rapidamente implementou mudanças no time de acordo com suas necessidades, também levando em conta o elenco e a história do Cesena. Em torno de 15 jogadores foram cedidos a outros times só em seu “choque de gestão” e as contratações, ao contrário daquelas realizadas nos últimos anos, visavam harmonizar experientes e jovens promessas. Massimo Bonini chegou com 19 anos e Oliviero Garlini com 23, agregando valor ao elenco dos já estabelecidos veteranos Oddi e Ceccarelli.
Osvaldo Bagnoli também foi contratado, repetindo a tradição de treinadores principiantes, e depois de um quarto lugar em 1980, um terceiro foi alcançado na temporada seguinte: o suficiente para devolver o Cesena à máxima divisão do futebol itálico. Para a nova empreitada do time alvinegro no primeiro escalão, algumas grandes alterações foram implementadas pelo presidente, levando em conta o que estava acontecendo no futebol da Velha Bota.
Depois do Totonero e de um período de futebol pouco criativo e defensivo jogado no país, estrangeiros puderam ser contratados novamente a partir de 1980, o que oxigenou o campeonato. Patrocínios na camisa também foram liberados, para dar mais poder financeiro aos times. Assim, com a ascensão, o time da Romanha contratou Walter Schachner, grande centroavante austríaco, por 120 milhões de liras, para garantir a sua competitividade em um campeonato que já tinha, por exemplo, os brasileiros Paulo Roberto Falcão e Dirceu e a base da seleção italiana campeã mundial em 1982.
Em 1981-82, Bagnoli não continuou com a esquadra – foi fazer história com o Verona – e Giovanni Battista Fabbri foi eleito para ser o técnico, decisão revogada depois de um turno finalizado na lanterna. Renato Lucchi entrou apenas para poder salvar o time, finalizando a campanha no décimo posto. No ano seguinte, aproveitando o sucesso do time juvenil, que era regido por ninguém menos que Arrigo Sacchi, vários garotos subiram ao profissional, com a incumbência de tentar manter o Cesena na elite.
Infelizmente, a missão não foi bem-sucedida e o time foi rebaixado novamente, durando apenas um par de temporadas na elite. Mesmo com grandes atuações de Schoko e com Ceccarelli, Oddi e Ruben Buriani trazendo experiência e solidez defensiva, o resto das contratações não deu certo. O elenco do Cesena acabou sentindo muito a perda da grande revelação Bonini para a Juventus – o que aconteceu assim que a equipe fora promovida novamente para a Serie A.
Depois disso, foram quatro longos anos na segunda divisão, marcados pela ascensão de jovens jogadores, como o atacante Massimo Agostini, o grande arqueiro Sebastiano Rossi e o meia Giuseppe Angelini, que atualmente é técnico do clube. Um terceiro lugar na Serie B, em 1987, levou o time de volta para o máximo nível do futebol italiano. Seria o começo de mais um período memorável.
Jogadores e técnicos memoráveis no fim dos anos 1980
Alberto Bigon assumiu a prancheta para tentar organizar a jovem equipe e mantê-la na mesma divisão, missão complicada, porém bem-sucedida. Um nono lugar e um décimo terceiro garantiram os cavalos marinhos na Serie A, com grandes atuações de Rossi, Agostini, Davor Jozic, Alessandro Bianchi e de Agostino Di Bartolomei, que só ficou no clube em 1987-88 e, mesmo assim, foi capitão.
Contudo, algumas apostas fracassadas atrapalhavam as finanças e planejamento do clube. Ruggiero Rizzitelli acabara de ser vendido à Roma e o Cesena resolveu contratar o sueco Hans Holmqvist, que jogava no Young Boys, da Suíça. Em 20 jogos, apenas um tento e a atribuição do selo de bidone – ou seja, foi eleito como um dos piores do ano. Curiosamente, o único gol do meia aconteceu na histórica vitória ante o Milan de Sacchi. Menos mal que Agostini estava de volta à La Fiorita: fora envolvido no negócio que levou Rizzigol à Cidade Eterna.
Para 1989, a diretoria conseguiu manter a base do elenco, sem perder muitas peças importantes, e teve de trocar de treinador, mas sempre de acordo com sua tradição: trazendo alguém de pouca experiência na elite, mas com ideias novas. Era uma fórmula que parecia dar certo e o time seguiu tal política por muito tempo. Dessa vez, se Bigon foi ser campeão pelo Napoli, seu substituto foi Marcello Lippi, na época com 41 anos e trabalhos apenas por formações das séries C1 e C2.
A primeira temporada de Lippi foi suficiente para que o time ficasse com a 12ª colocação. Apesar disso, o treinador não ficou contente com o rendimento da esquadra, que apenas se salvou depois de um returno fantástico. A famosa “barca” se formou e quase 20 jogadores saíram do time, incluindo Rossi e Agostini, que interessavam a clubes maiores e acabaram indo para o Milan. Em contrapartida, os brasileiros Amarildo e Silas chegaram para tentar renovar o elenco romanholo, de acordo com as ideias do treinador.
No entanto, acabou acontecendo exatamente o inverso. Torcedores e a imprensa local passaram a reclamar que Silas havia acabado com a harmonia tática construída por Lippi: seus críticos o consideravam lento para construir jogadas e recompor na marcação. No final das contas, o treinador toscano construiu um time que tomava gols demais e não criava. Foi demitido ao final do primeiro turno e o Cesena caiu mais uma vez – foi o penúltimo colocado e somou apenas cinco vitórias.
O futebol italiano evoluía de forma veloz, a concentração de poder financeiro nos cofres de poucos de clubes aumentava gradualmente e a presença de estrangeiros também. Desse jeito, ficava cada vez mais difícil para o Cesena voltar à Serie A. Era necessário um projeto de longo prazo, estabilidade e planejamento: um conjunto de conceitos que hoje parecem básicos, mas que na época ainda eram modernos e poucos dirigentes conseguiram enxergar.
A década final do século passado foi melancólica para o time alvinegro, que passou oito temporadas na segunda divisão e vivenciou duas quedas para a antiga Serie C1. Em 1994, o Cesena até jogou uma partida de desempate pela promoção à Serie A, contra o Padova, mas uma derrota de virada destinou os bianconeri a mais tempo longe da elite.
Dario Hübner era o principal astro deste período: Tatanka marcava muitos gols e segurava a equipe quando precisava. Em 1996, Lugaresi resolveu montar um esquadrão para voltar à Serie A. Agostini retornou à Romanha para fazer dupla com o já estabelecido artilheiro, Marco Tardelli foi o treinador e tudo foi feito sem muito planejamento, do jeito antigo. O ídolo da Copa de 1982 não durou dez rodadas no cargo, a campanha foi pífia e acabou em rebaixamento. Hübner foi para o Brescia e o pesadelo continuou por muito tempo: o Cesena até ensaiou um retorno para a Serie B em 1998, mas logo caiu novamente para a C1, ficando por lá até 2004. Nesse ínterim, Edmeo Lugaresi resolveu sair da presidência e a entregou para Giorgio, seu filho.
Um último suspiro na elite e a derrocada
No final de 2007, depois de incríveis 43 anos no controle do Cesena, a família Manuzzi-Lugaresi cedeu o comando do clube para Igor Campedelli, empresário do setor turístico. O novo presidente “ganhou” de presente um time em frangalhos, que viria a ser rebaixado para a terceira divisão no ano de sua chegada.
Com uma bela recuperação, o Cesena venceu o seu grupo da terceirona e foi promovido para a Serie B de 2009-10, com o principal objetivo de ficar por ali, sempre com planejamento e investimento a médio prazo. Inacreditavelmente, o time começou a brigar pela liderança e conseguiu o vice-campeonato, tendo em seu elenco Francesco Antonioli, Marco Parolo, Emanuele Giaccherini e Ezequiel Schelotto.
Depois de quase duas décadas longe do máximo nível do futebol italiano, o Cesena voltou à elite pelas mãos de Pierpaolo Bisoli, que foi treinar o Cagliari. Massimo Ficcadenti assumiu o seu lugar e comandou parte do elenco que carregou o time no ano anterior, além de reforços como Stephen Appiah, Yuto Nagatomo, Davide Santon, Luis Jiménez e até Diego Cavalieri. Logo na segunda partida da campanha, o time mostrou a que veio ao fazer 2 a 0 sobre o Milan, que se sagraria campeão, e manteve a toada até conquistar a permanência na penúltima rodada do campeonato. Contudo, pode-se dizer que o sucesso subiu à cabeça da diretoria.
Todo o bom e sólido planejamento foi colocado de lado, o time resolveu almejar mais que uma permanência na elite e usou o valor arrecadado pela venda de Giaccherini para colocar todas suas fichas nas contratações de Adrian Mutu, Antonio Candreva e Éder. Além disso, Marco Giampaolo foi contratado como técnico, mas não durou nem até novembro.
Visto que alguns jogadores contratados pelo Cesena chegaram à seleção italiana (Giaccherini, Parolo, Candreva e Éder), é inegável que os olheiros sabiam onde procurar. Contudo, os cartolas não tiveram paciência com o bom Giampaolo e, depois, optaram por nomes contestáveis, como Daniele Arrigoni e Mario Beretta. O futebol moderno foi impiedoso com as trocas de técnico e algumas movimentações equivocadas nas duas janelas de transferências – ansiosa por fatos novos, a diretoria trouxe jogadores em decadência, como Mario Santana, Vincenzo Iaquinta e Simone Del Nero. Assim, o Cesena teve períodos de 11 e 20 rodadas sem ganhar, permaneceu na lanterna e foi rebaixado.
O déficit nas contas da agremiação não era novidade e vinha aumentando nos últimos anos. Acabou se agravando depois da queda em 2012, já que o time não conseguia grandes receitas vendendo jogadores ou em bilheteria, já que o estádio Dino Manuzzi abriga em torno de 22 mil torcedores. Para a temporada seguinte, Campedelli resolveu não contratar ninguém em definitivo (fez apenas empréstimos) e apontou seu irmão mais novo como técnico.
A esquisita experiência durou pouco e, após algumas rodadas, Igor demitiu Nicola e trouxe Bisoli de volta à linha lateral para ocupar a função que desempenhou entre 2008 e 2010, o que fez a equipe se recuperar na segunda divisão. Sem saber como saldar uma dívida estimada em 35 milhões de euros, Campedelli se demite e devolve o comando a Giorgio Lugaresi, que recebe uma sociedade prestes à falência.
Com a ajuda de empreendedores locais e da sua apaixonada torcida, os alvinegros conseguiram controlar os problemas financeiros momentaneamente e se mantiveram na Serie B. O treinador que conseguiu duas promoções consecutivas no passado recente foi mantido, junto com Grégoire Defrel e Marco D’Alessandro, e com a chegada de Roberto Gagliardini na janela de inverno, o Cesena conseguiu um sprint final e chegou ao play-off de acesso para a elite, no qual concorreria por uma vaga com Bari, Latina e o Modena, seu rival local. Fazendo um mata-mata impecável, o Cesena conseguiu retornar à Serie A e o seu presidente assegurava: depois da volta à elite, a dívida do time reduzira de tal forma que os torcedores poderiam ficar tranquilos com o futuro da sociedade.
Do ponto de vista econômico, contudo, o time estava em uma encruzilhada terrível, na qual várias equipes do futebol italiano se colocam: as dívidas aumentam de acordo com o tempo e para diminui-las, o único jeito é aumentar as receitas e cuidar para que os gastos não cresçam. Para aumentá-las, subir de divisão é bem-vindo, já que a arrecadação da elite é muito maior.
Entretanto, se manter no topo ou até mesmo dar um empurrão final para conseguir a promoção gera, cada vez mais, um aumento de gastos. Mesmo se toda essa equação for resolvida do modo correto, em teoria, nada impede que um jogador jovem, barato e promissor requisite uma transferência para um time grande ou que o técnico resolva mudar de time. Basta um passo em falso e todo o planejamento pode ir por água abaixo.
Lugaresi tinha um orçamento completamente comprometido pelo pagamento de impostos e dívidas e lhe restou apenas fazer contratações pontuais, via empréstimo, além de confiar no jovem Defrel para carregar a equipe. Para a surpresa de poucos, a estratégia não deu certo, o Cesena foi rebaixado e, dessa vez, os cavalos marinhos atingiram um patamar irreversível.
Depois de dois anos regulares, nos quais até flertaram com novo acesso e chegaram às quartas de final da Coppa Italia, perdendo para a Roma na prorrogação, a crise se instalou de vez. Em 2017-18, o “Rei da Romanha” quase foi rebaixado em campo, mas semanas depois declarou falência, com dívidas chegando a 80 milhões de euros. Refundado, o Cesena teve de recomeçar da Serie D e hoje joga com as mesmas cores, escudo e estádio de antigamente, mas com um novo nome e organização societária. A reação da torcida foi louvável: mais de 8 mil torcedores compraram o pacote de ingressos para a temporada, recorde histórico da divisão.
Atualmente, o Cesena busca mais uma reconstrução. O estádio La Fiorita, que desde 1982 havia mudado de nome e passara a se chamar Dino Manuzzi – nome dado imediatamente após o falecimento do antigo dirigente –, desde 2014 conta com a cessão de seus naming rights e, oficialmente, é o Orogel Stadium-Dino Manuzzi. Em 2018, durante o imbróglio societário, a praça esportiva foi reestruturada e hoje está de acordo com as normas da Uefa. Inclusive, está prestes a receber jogos do Europeu sub-21, assim como Bologna, Reggio Emilia, San Marino, Údine e Trieste.
O primeiro passo do Cesena aos bons tempos já foi dado. O time liderou seu grupo na Serie D de ponta a ponta: nada parou os alvinegros, que conquistaram o acesso à terceirona de 2019-20. O trágico passado recente não lhes interessa, a torcida continua presente e um futuro brilhante está por vir, com contas equilibradas, uma nova diretoria e investimento pesado nas divisões de base. Como diria George Moore, “Um homem percorre o mundo inteiro em busca daquilo que precisa e volta a casa para encontrá-lo”. E nada melhor para o cavalluccio do que retornar às suas origens, na Romanha.
Ficha Técnica: Cesena
Cidade: Cesena (Emília-Romanha)
Estádio: Dino Manuzzi
Fundação: 1940
Apelidos: Bianconeri, Cavalluccio
Temporadas na Serie A e B: 13 na A e 32 na B
Os brasileiros: Silas, Amarildo, Diego Cavalieri, Éder, Felipe Dal Bello, Adriano Ferreira Pinto, Artur Moraes, Luiz Gabriel Sacilotto, Guilherme do Prado, Raphael Martinho, Zé Eduardo, Adriano Mezavilla
Time histórico: Francesco Antonioli (Sebastiano Rossi); Giancarlo Oddi, Davor Jozic, Pierluigi Cera; Giampiero Ceccarelli, Adriano Piraccini, Marco Parolo, Emanuele Giaccherini (Luis Jiménez), Alessandro Bianchi (Ruggiero Rizzitelli); Dario Hübner, Walter Schachner (Massimo Agostini). Técnico: Alberto Bigon.