Jogadores Técnicos

Nevio Scala, o comandante do Parma nos anos de ouro

O Parma faliu oficialmente em 2015 e começou a renascer no final de junho do mesmo ano. O clube vai recomeçar da Serie D e terá como um dos comandantes dessa tentativa de volta por cima um homem identificado com as maiores glórias parmenses. Ele tem nome e sobrenome: Nevio Scala. O novo presidente do Parma se destacou como treinador no início dos anos 1990 e foi um dos responsáveis por fazer os crociati conquistarem seus primeiros títulos em sua década de ouro.

Muito antes de treinar o Parma, Scala chegou a ser jogador de futebol. Nascido no Vêneto, o jovem Nevio logo se transferiu para Milão, onde iniciou a carreira profissional pelo Milan. Ele nunca se tornou um craque, mas foi um jogador útil para equipes da parte alta da tabela da Serie A por uma década – apesar de ser quase sempre reserva. Neste período, atuou também por Roma, Vicenza, Fiorentina e Inter, mas conquistou seus títulos na segunda de suas três passagens pelo Milan. Com o Diavolo, além de uma Recopa e de uma Serie A, pode se gabar de ter vencido uma Copa dos Campeões.

Fora dos campos durante a maior parte do tempo, Scala aprendeu muito sobre a parte tática do jogo. E, uma de suas principais influências vem dos tempos de Milan, onde foi treinado por Nereo Rocco, um dos mais célebres utilizadores do catenaccio. Após aposentar-se, Scala voltou ao Vêneto, e dirigiu as categorias de base do Vicenza. Ele chamou atenção e viajou para o sul da Itália, contratado pela inexpressiva Reggina. Seu trabalho na Calábria foi excelente: na primeira temporada, acesso para a Serie B, e na temporada seguinte, bateu na trave na tentativa de levar os amaranto pela primeira vez para a elite. Seu time, quinto colocado empatado em pontos com a Cremonese, acabou sendo derrotado no spareggio – jogo-desempate que havia antigamente para definir situações de igualdade de pontos em campeonatos de pontos corridos na Itália.

Foi com a ótima campanha que o casamento com o Parma começou. Os crociati também disputaram aquela Serie B, mas terminaram apenas na nona posição – Zdenek Zeman fracassou na missão de substituir Arrigo Sacchi, que aparecera para o futebol treinando a equipe na terceira divisão, dois anos antes, e, à época, já estava no comando de um Milan histórico. Já ambicioso, o Parma de Calisto Tanzi, dono da Parmalat, escolheu um técnico de estilo bem diferente dos outros dois. Enquanto Sacchi e Zeman pregavam futebol mais ofensivo, Scala tinha como predileção um jogo mais tradicional do futebol italiano, inspirado no catenaccio e chamado de zona mista. Assim, ele conquistou o respeito na Emília-Romanha e no mundo, guiando um time que se tornaria histórico.

Um dos clubes que Scala defendeu como jogador profissional foi a Roma (Arquivo/AS Roma)

A primeira temporada de Nevio Scala no comando do Parma já adiantava o que estava por vir: teve o acesso da equipe para a Serie A pela primeira vez em quase oitenta anos de existência – para completar, a conquista da vaga foi comemorada diante da Reggiana, rival regional. Para o debute na elite, o magnata Tanzi colocou a mão no bolso e contratou nomes de peso internacional, como o brasileiro Cláudio Taffarel, o belga Georges Grün e o sueco Tomas Brolin – todos destaques em suas seleções –, que se somaram a pilares do time, como Luca Bucci, Lorenzo Minotti, Luigi Apolloni e Alessandro Melli. A campanha foi ótima, e o Parma ficou nas três primeiras posições por boa parte da temporada, embora tenha acabado na sexta posição, empatado em pontos com o Torino, mas à frente de times fortíssimos, como a Juventus de Roberto Baggio e o Napoli de Diego Maradona e Careca, campeão no ano anterior.

A vaga na Copa Uefa logo de cara já deixava a temporada com cara de sucesso absoluto. Tanto é que para o segundo ano na elite, Scala recebeu apenas reforços pontuais – alguns deles, porém, se tornariam pilares da equipe, como os laterais Antonio Benarrivo e Alberto Di Chiara. No Campeonato Italiano, um sétimo lugar mostrou que a equipe estava se estabelecendo entre os grandes. E, se na Copa Uefa o time não decolou, a mostra de que o Parma chegava para ficar ficou por conta do título da Coppa Italia. O herói da campanha foi o jovem atacante Melli, que anotou seis gols – um deles na partida de volta da final contra a Juventus, na qual o Parma reverteu a vantagem de 1 a 0 da Velha Senhora e ficou com o 2 a 1 no placar agregado. Começava ali a existir uma forte rivalidade entre Parma e Juve.

Scala ficaria, ainda, outros quatro anos no comando dos ducali, e com resultados ainda melhores. Na temporada 1992-93, ele ganhou os reforços do volante Gabriele Pin e do atacante Faustino Asprilla e abocanhou o título da Recopa, vencendo o Royal Antwerp, e ainda uma terceira posição na Serie A, um recorde para a equipe. O time se fortaleceu com as contratações de Gianfranco Zola, Roberto Sensini e Massimo Crippa, mas em 1993-94 o Parma terminou a temporada com gosto amargo. O Arsenal acabou derrotando os gialloblù na final da Recopa, e nem mesmo o título na Supercopa Uefa, meses antes, diante do Milan, aplacou a decepção – à época, a Supercopa não era tão importante.

Na campanha de 1994-95, Scala viveu seus últimos grandes momentos sob o comando do Parma. O esquema funcionava muito bem antes: no seu 3-5-2, Benarrivo, Di Chiara e Crippa criavam pelos flancos, Grün, Minotti, Apolloni e Sensini ofereciam segurança defensiva e, na frente, Brolin, Asprilla e Zola concluíam as jogadas, com a ajuda de Melli. Para a temporada que começaria após a Copa do Mundo, o Parma ganhou os reforços de Fernando Couto, Dino Baggio e do promissor Stefano Fiore, que deixaram a equipe ainda mais forte. Foi o ápice dos ducali sob o comando do treinador vêneto, que aproveitou-se do elenco numeroso e fez o time deslanchar.

Scala comemora uma de suas muitas vitórias à frente do Parma (AIC)

Na Serie A, Zola anotou 19 gols, mas outra vez o scudetto ficou apenas na imaginação, embora a equipe tenha lutado “nas cabeças” até o final. Os parmenses acabaram com a terceira posição, atrás da campeã Juventus e empatados em pontos com a vice Lazio, perdendo nos critérios de desempate. Na Copa Uefa, no entanto, a história foi diferente, e um forte Parma foi deixando adversários para trás com propriedade, crescendo nos jogos contra os times mais fortes.

Frente à Juventus, nas finais, a rivalidade que marcou o início dos anos 1990 na Itália foi posta à prova novamente. Era a chance de revanche da Juve, que só havia levado a melhor sobre o Parma na Serie A, considerando os quatro últimos confrontos, enquanto o Parma poderia comemorar outro título sobre os juventinos, como o da Coppa Italia, três anos antes.

Scala venceu o duelo tático com Marcello Lippi na ida e na volta e, mesmo que o Parma tivesse um time forte, foi o dedo do treinador que ajuou os gialloblù a passarem por um verdadeiro esquadrão, que tinha nomes como Robert Jarni, Paulo Sousa, Angelo Di Livio, Didier Deschamps e um ataque mortífero, com Roberto Baggio, Gianluca Vialli, Fabrizio Ravanelli e um jovem Alessandro Del Piero. O treinador contou ainda com duas belas atuações do Baggio do seu time, que desbancou o xará mais famoso e marcou nas duas partidas. Com o 1 a 0 em Parma e o empate por 1 a 1 em Milão – sim, a volta foi disputada no Giuseppe Meazza –, o time da província pode comemorar o título mais importante da sua história.

O ano seguinte foi de muitas críticas para Scala e o seu Parma. Como a equipe crescia, os investimentos da Parmalat só aumentavam e as expectativas de um scudetto ou de outros títulos também. Em 1995-96, os ducali conseguiram contratar uma estrela do porte de Hristo Stoichkov, que brilhou na Copa do Mundo de 1994 e por anos no Barcelona, e ainda contaria com estrelas ascendentes como Gianluigi Buffon e Fabio Cannavaro, em suas primeiras temporadas no Ennio Tardini. Além disso, Melli retornava e quase toda a forte base era mantida. Nada poderia dar errado, certo? Pelo contrário.

O Perugia foi o último clube de Scala no futebol italiano (LaPresse)

Stoichkov foi uma espécie de termômetro da equipe: raramente se entendeu com Zola dentro de campo, o que ocasionou uma temporada de poucos altos e muitos baixos. Naquele ano, o Parma caiu no primeiro turno da Coppa Italia e nas quartas da Recopa, e ficou com o 6º lugar na Serie A – um pontinho atrás de Lazio e Fiorentina, terceira e quarta colocadas. Parece até uma temporada digna, mas se esperava mais – embora o técnico tenha sido absolvido depois, uma vez que os erros foram mais atribuídos às contratações que não vingaram. Para evitar maiores desgastes, Scala e diretoria preferiram interromper o trabalho ao final da temporada. Na última partida do treinador no estádio Ennio Tardini, aplausos por cerca de 10 minutos e muita emoção. Nevio Scala era um semideus em Parma.

Após deixar o Parma, Scala tirou férias e não aceitou nenhuma proposta para continuar em atividade. No entanto, após cerca de seis meses parado, o treinador topou um desafio: assumiu o Perugia, que estava na zona de rebaixamento da Serie A 1996-97, substituindo Giovanni Galeone. O ambicioso time comandado por Luciano Gaucci retornava à elite, mas não estava jogando bem. Dessa forma, Scala pegou o cargo na 16ª rodada, logo após o ano novo. Sua equipe tinha jogadores como Marco Materazzi, Gennaro Gattuso, Müller, Luca Bucci e Massimiliano Allegri, mas os destaques eram Michel Kreek e o artilheiro Marco Negri.

Nas 22 rodadas que comandou os biancorossi, Scala não conseguiu afastá-los da zona de rebaixamento, mas uma sequência de três vitórias nas últimas rodadas era animadora. Os grifoni entravam na 34ª e última rodada precisando de um empate no confronto direto contra o Piacenza treinado pelo “bombeiro” Bortolo Mutti para se salvar. As chances eram boas, até porque o Cagliari, outro que brigava para não cair, jogava fora contra o Milan – que não vinha bem, mas era um gigante nacional. No entanto, o Cagliari bateu o Diavolo em pleno San Siro e, em Piacenza, os emilianos venceram e acabaram jogando o time umbro para a segundona. Os três times ficaram empatados com 37 pontos, mas o Perugia perdia nos critérios de desempate e caiu. Já o Piacenza veio em grande crescimento na reta final da temporada e, no jogo extra contra o Cagliari, venceu e deixou os sardos na mesma situação que o time dirigido por Scala.

Mesmo tendo sido rebaixado com o Perugia, Nevio Scala foi promovido. O italiano iniciou, então, sua carreira no exterior, e não foi em qualquer trabalho: substituiria Ottmar Hitzfeld no Borussia Dortmund. Uma tarefa nada fácil, já que o suíço passara seis anos na equipe, e vencera duas Bundesligas, duas Supercopas da Alemanha e, para colocar a cereja no bolo, acabara de conquistar a Liga dos Campeões. Scala contava com um time forte e que tinha protagonizado fortes duelos contra a Juventus nos anos anteriores, assim como o seu Parma – na verdade, entre 1990 e 1995, as duas equipes foram as principais rivais da Juventus, do ponto de vista do equilíbrio e constância dos confrontos. Entre os principais jogadores à sua disposição, podemos citar os ex-juventinos Stefan Reuter, Andreas Möller, Paulo Sousa e Júlio César, o ex-interista Matthias Sammer e Stefan Klos, Michael Zorc, Heiko Herrlich e Stéphane Chapuisat, bandeiras do clube.

Uma das experiências do técnico no seu período pós-Parma foi no Borussia Dortmund (picture alliance/Getty)

Com este elenco em mãos, quis o destino que Scala encontrasse o Parma na Liga dos Campeões. No Grupo A da competição, uma vitória para cada lado: 1 a 0 para os italianos na ida, com gol de Hernán Crespo, e 2 a 0 na volta, com dois de Möller. O Parma, comandado por Carlo Ancelotti, caiu na fase de grupos, mas os aurinegros de Dortmund foram em frente. Quando poderia encontrar novamente a Juventus e repetir a final da LC passada – e outros duelos da Copa Uefa na mesma década –, o Borussia de Scala caiu. Parou nas semifinais, contra o Real Madrid, e depois viu a Juve levantar a orelhuda. Na Bundesliga, a equipe ficou apenas com a 10ª posição.

No entanto, Scala não saiu de mãos abanando – pelo contrário. Antes de tudo isso, em dezembro, com a temporada em curso, o treinador comandou o Dortmund na final do Mundial Interclubes – ou Copa Intercontinental, como queiram – frente ao Cruzeiro de Dida, Gonçalves, Bebeto, Donizete e do técnico Nelsinho Baptista. A fácil vitória por 2 a 0, com gols de Zorc e Herrlich, foi o único título do italiano na Alemanha. Até hoje, apenas Bayern Munique e Borussia Dortmund possuem este título entre as equipes germânicas.

Mesmo com o título mundial, Scala deixou a Alemanha e ficou dois anos parado. Retornou ao futebol para comandar o Besiktas, mas não durou nem uma temporada completa. Em 2002, assumiu o Shakhtar Donetsk em uma época em que o campeonato ucraniano era mais fraco do que hoje, e nem mesmo com a dobradinha – liga e copa nacionais – permaneceu no cargo. Um ano depois, substituiu Vladimir Fedotov no Spartak Moscou com a temporada em andamento e garantiu uma Copa da Rússia. No ano seguinte, campanha mediana e fim de carreira. Scala, então com 57 anos, voltou para a Itália e passou a se dedicar ao cultivo de tabaco na fazenda da família, além de comentar partidas ocasionalmente para uma rádio.

Após ficar tanto tempo afastado do futebol, Scala voltou ao caminho do Parma. Com a falência do clube, novos investidores se uniram para levantar a equipe. A Parmalat – que não é mais dos corruptos Tanzi – tem como parceiro Guido Barilla, dono da multinacional de alimentos que leva o seu nome e que foi fundada por seu pai, nascido em Parma. Nevio Scala será o principal executivo do novo grupo, que ainda nomeará Luigi Apolloni como técnico e Lorenzo Minotti como diretor esportivo. Conduzido por quem ama o Parma, as cinzas em breve poderão constituir uma nova fênix.

Nevio Scala
Nascimento: 22 de novembro de 1947, em Lozzo Atestino, Itália
Posição: meio-campista
Clubes em que atuou: Milan (1965-66, 1967-69 e 1975-76), Roma (1966-67), Vicenza (1969-71), Fiorentina (1971-73), Inter (1973-75), Foggia (1976-79), Monza (1979-80) e Adriese (1980-81)
Títulos como jogador: Serie A (1968), Recopa Europeia (1968) e Copa dos Campeões (1969)
Carreira como treinador: Vicenza [juvenis] (1985-87), Reggina (1987-89), Parma (1989-96), Perugia (1996-97), Borussia Dortmund (1997-98), Beisktas (2000-01), Shakhtar Donetsk (2002) e Spartak Moscou (2003-04)
Títulos como treinador: Coppa Italia (1992), Recopa Europeia (1993), Supercopa Uefa (1993), Copa Uefa (1995), Mundial Interclubes (1997), Copa da Ucrânia (2002), Campeonato Ucraniano (2002) e Copa da Rússia (2003)

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