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Místico, ‘louco’ e vencedor: quem foi Juan Carlos Lorenzo, inesquecível treinador da Lazio

Mais do que conquistas concretas, Juan Carlos Lorenzo marcou seu nome no futebol por conta de seu jeito único. O argentino comandou diversos clubes e teve trabalho célebre pela Lazio. Na verdade, foram três passagens pela equipe laziale ao longo de três décadas.

Treinador com excelente didática, Lorenzo era um manual de detalhes na hora de preparar sua equipe para uma partida, listando as virtudes e fraquezas do adversário. Extremamente supersticioso, tinha algumas manias (ou obsessões), que deram a ele uma aura que transita entre a caricatura e o cult. Serviu até de inspiração para algumas obras do cinema italiano, como, por exemplo, a comédia “Mezzo destro mezzo sinistro”, de 1985, na qual o ator Leo Gullotta interpreta um técnico chamado Juan Carlos Fulgencio.

Canhoto habilidoso

Filho de José, um sapateiro, e Rosa, uma passadeira, Lorenzo, descendente de italianos, nasceu em Buenos Aires no distante 1922. Por se tratar de uma figura particular e enigmática, há uma certa confusão em relação à sua data de nascimento. Nos registros argentinos, consta que ele veio ao mundo no dia 20 de outubro; já em outros documentos, no dia 22; e, segundo autoridades brasileiras que lhe concederam uma autorização de residência, o parto ocorreu no dia 27.

Meia-atacante canhoto de ótima técnica, estreou profissionalmente no Chacarita Juniors, em 1943. Dois anos depois, deu um salto na carreira e foi para o Boca Juniors. Em 1948, refez os passos de outros argentinos da época e rumou para a Itália, quando foi contratado pela Sampdoria, cujo treinador era Adolfo Baloncieri, parceiro de Giuseppe Meazza na Squadra Azzurra.

No ano seguinte, marcado pela Tragédia de Superga e pelo desaparecimento do Grande Torino, Lorenzo ajudou os blucerchiati a alcançarem a quinta posição da Serie A, com a ajuda de seu eficiente chute cruzado. A Samp tinha um memorável setor ofensivo, chamado de “ataque de metralhadora” (attacco a mitraglia), formado por Adriano Bassetto, Renato Gei e Arnaldo Lucentini.

Toto, como era conhecido, passou quatro temporadas na Ligúria e ajudou a Sampdoria a ficar em posições intermediárias na tabela da Serie A nas três últimas campanhas. Em 1952, então, embarcou para a França, no intuito de defender o FC Nancy – não confundir com o AS Nancy Lorraine, figurinha carimbada da Ligue 1. Esta época marcou o início de uma espécie de fixação de Lorenzo com o oito, que era o número de sua camisa.

Após fazer sucesso na Lazio e se desentender com a diretoria, Lorenzo assinou com a arquirrival (Arquivo/AS Roma)

Já demonstrando certo apetite pelo lado tático do jogo, Lorenzo matriculou-se em um curso técnico organizado pela federação inglesa de futebol, pago pelo próprio FC Nancy, e que era ministrado por Walter Winterbottom, o primeiro treinador na história da seleção inglesa. Durante o período, era comum ser indagado por colegas de classe que queriam saber por que os jogadores argentinos eram tão hábeis no drible e, como resposta, dizia que se tratava de uma questão cultural, pois em seu país as crianças brincavam de driblar umas às outras, exercitando o lado lúdico em torno do esporte.

Lorenzo tomou tanto gosto pela coisa que, anos mais tarde, enquanto atuava pelo Atlético de Madrid, fez uma reciclagem no mesmo curso, mas com uma pequena diferença. Alfredo Di Stéfano e László Kubala, ícones do futebol espanhol, por Real Madrid e Barcelona, foram seus novos colegas de classe. O argentino continuou na Espanha e também vestiu as camisas de Rayo Vallecano e Mallorca, clube pelo qual se aposentou e, imediatamente, teve a oportunidade de tentar seu primeiro trabalho como treinador.

Rápida ascensão: Copa do Mundo e a chegada à Cidade Eterna

Toto conduziu o time das Ilhas Baleares da terceira à primeira divisão antes de regressar ao país natal para assumir o San Lorenzo. Em 1962, aceitou o convite feito pela Federação Argentina de Futebol para treinar a seleção na Copa do Mundo, no Chile. No torneio, a albiceleste foi eliminada na fase de grupos, ficando atrás da líder Hungria e da Inglaterra, que avançou graças ao saldo de gols.

Dispensado do cargo, Lorenzo foi procurado por Ernesto Brivio, renomado empresário e político que já havia trabalhado como cineasta, criador de cavalos e outras empreitadas mais. Brivio, àquela altura, era o presidente da Lazio, que se encontrava em maus lençóis: o clube enfrentava dificuldades financeiras e, em 1961, sofrera a primeira queda para a Serie B em sua história.

Lorenzo, então, chegou para o lugar de Carlo Facchini e recolocou os biancocelesti na Serie A em seu primeiro ano por lá, após o vice da segunda divisão. Os principais destaques em campo foram Pierluigi Pagni, Paolo Bernasconi, Orlando Rozzoni e seu xará, Juan Carlos Morrone. Na elite do futebol italiano, a equipe laziale fez boa campanha e terminou na oitava colocação, com destaque para um triunfo maiúsculo sobre a Juventus por 3 a 0 em pleno Comunale de Turim. Foi por volta desta época que o argentino recebeu o apelido de “Don Juan”.

O treinador argentino tinha um comportamento característico durante os 90 minutos. Geralmente começava quieto, sentado, mas ao primeiro erro de seus comandados ou da arbitragem, se levantava com as mãos erguidas ao céu, lembrando um cantor de ópera. Outra característica que ele tinha, quando visitante, era a de pendurar ramos de alho e atear fogo no vestiário para afastar o mau olhado ou para propiciar boa sorte em caso de insucesso. Quando o jogo era em casa, ele acendia um incenso e ouvia alguma música acústica. Para mostrar bravura ao adversário, cantava na frente deles durante o aquecimento. Era teatral e imprevisível porque era de sua natureza. Certa vez, quando foi acometido por uma inflamação no tendão, tratou do problema com claras de ovo e bandagens apertadas.

Vendo que a Lazio ainda estava com os cofres vazios, Don Juan, concebeu um projeto de recuperação financeira que foi endossado pelo presidente Angelo Miceli. Se tratava do chamado “plano MiLor”, em alusão aos sobrenomes de ambos, e que consistia na venda de ingressos para temporadas plurianuais, o que garantiria que o clube honrasse o pagamento dos jogadores. Mas acabou que Lorenzo se desentendeu com o dirigente Giovanni Gilardoni acerca de uma possível renovação de seu contrato. Como resposta, fechou com a rival Roma, no verão europeu de 1964.

Em 1964, Lorenzo deu a cara a tapa e falou com os torcedores da Roma sobre a delicada situação financeira da agremiação (La Roma)

Engana-se quem pensa que os giallorossi viviam um melhor momento econômico, pois a situação era tão complicada quanto a vivida do outro lado do rio Tibre. Em 1964, por iniciativa de Lorenzo, os jogadores da Roma chegaram a encabeçar uma angariação chamada “Colletta del Sistina”, que aconteceu no teatro romano de mesmo nome. O objetivo era que os próprios atletas e membros da comissão técnica se juntassem a torcedores fanáticos numa corrente de doações para que a agremiação, extremamente endividada, continuasse a pagar as contas – até as mais básicas, como as necessárias para que o elenco pudesse viajar para os jogos fora de casa. A vaquinha deu certo.

Antes disso, já com Toto no banco, os lupi tinham vencido a Coppa Italia de 1964, cuja final invadiu a temporada posterior, graças ao gol solitário de Bruno Nicolè ante o Torino. Para além do título conquistado logo de cara e da iniciativa que manteve a Roma em funcionamento, a excentricidade de Lorenzo marcou sua passagem na Cidade Eterna. Na mesma medida em que ele era capaz de armar um plano de jogo sólido e esteticamente agradável, também era extremamente supersticioso – e teve alguns episódios dignos de se tornarem lendas urbanas.

Em relação à velha fixação pelo número oito, ele sempre pedia quartos que contivessem o referido: 8, 18, 108, 218 etc. Inclusive, uma vez chegou a obrigar um hóspede a mudar de quarto quando todos os que lhe interessavam estavam ocupados. Outro fator que marcava o treinador era a vestimenta. Lorenzo era capaz de usar o mesmo traje por vários jogos e só o trocava em caso de derrota – sua peça favorita era uma camisa azul com bolinhas brancas. O mesmo valia para sua alimentação, que basicamente se resumia a saladas e doces.

Toto dirigiu a Roma por apenas uma temporada e, apesar da Coppa Italia vencida, entregou resultados medianos em 1964-65 – nono lugar na Serie A, eliminação nas semifinais no mata-mata nacional e queda nas oitavas da Copa das Feiras. Em 1966, tornou a comandar a Argentina num Mundial. No torneio, por algumas vezes, imitava a voz do treinador adversário com a intenção de confundir os oponentes, gritando para os atacantes passarem a bola para trás ou para chutarem quando a finalização parecia improvável. A artimanha não ajudou muito e seu time foi eliminado pela Inglaterra, a anfitriã, nas quartas.

Superstições, superstições e mais superstições

Lorenzo passou os anos seguintes treinando River Plate e Mallorca e, na sequência, apareceu a chance de retornar à capital italiana: em 1968, Umberto Lenzini, patrono da Lazio, fez o convite para que ele ajudasse seu time a subir para a Serie A. Mais uma vez o objetivo foi atingido em sua primeira tentativa e, já pensando na dificuldade que teria na elite do futebol nacional, Toto levou duas promessas do Internapoli: o jovem goleador Giorgio Chinaglia e Giuseppe Wilson, que viriam a se tornar lendas dos laziali.

Quando conheceu Wilson, o argentino o comparou a Tarcisio Burgnich. Com Chinaglia, viu potencial e afirmou que ele se tornaria o maior atacante italiano de sua época, mas inicialmente entendeu que o grandalhão estava um pouco acima do peso. Por isso, Don Juan lhe impôs uma rigorosa dieta, proibindo o álcool e até mesmo que ele andasse de elevador, para que se exercitasse subindo e descendo escadas. Contrariando o ceticismo de alguns diretores, o presidente Lenzini seguiu a intuição do técnico e os contratou.

Os reforços deram um retorno imediato e foram peças-chave para que a Lazio terminasse no oitavo lugar, longe da briga contra o descenso. O sucesso da dupla no futuro ajudou a reforçar a narrativa em torno da aura “mística” que passaria a acompanhar Lorenzo.

Com passagens por Lazio e Roma, Toto Lorenzo fez do estádio Olímpico sua segunda casa (Repubblica)

O argentino chegou a forçar o lateral-direito Diego Zanetti e mais outros defensores a perseguirem uma galinha, justificando que o insólito exercício era uma boa alternativa para melhorar os reflexos e o arranque. Talvez isso tenha servido de inspiração para uma cena do filme “Rocky II” (1979), quando o antigo treinador de Rocky Balboa (Sylvester Stallone) o obrigou a fazer o mesmo, na chamada “chicken chase”. Desde então, o protocolo de caça à ave foi incorporado aos treinamentos no CT Tor di Quinto.

Lorenzo era muito cauteloso quanto à confidencialidade de seu plano tático – a ponto de ser assolado pelo medo de estar sendo observado por espiões. Houve uma vez em que a Lazio se preparava no estádio Flaminio, às vésperas de uma partida pela Serie A. Ao chegar ao local, notou um carro que parecia pertencer ao Brescia, justamente o adversário do dia seguinte. Como medida de segurança, tomou uma atitude inesperada e mandou que todo mundo evacuasse o recinto. Em mais de uma situação, também temendo vazamentos, treinava com laterais exercendo a função do centroavante e vice-versa.

Outra ocasião famosa se deu antes de um Derby della Capitale. O ônibus da delegação biancoceleste se encaminhava para o Olímpico e ultrapassou um sinal vermelho bem na altura do estádio Flaminio. Foi um bom augúrio, já que a Lazio venceu o clássico diante da maior rival. A partir daí, Lorenzo instaurou uma nova regra: o motorista teria de sempre repetir aquele percurso e, é claro, ignorar qualquer sinal de trânsito, mesmo que isso significasse o aumento do risco de acidentes no entorno do estádio. Na verdade, qualquer situação que antecedesse uma vitória era vista como um presságio e deveria se repetir de forma obsessiva, nesse caso.

A temporada 1970-71 da Lazio foi marcada por graves problemas financeiros e um péssimo futebol. As águias foram rebaixadas após terminarem na 15ª posição e, consequentemente, Lorenzo foi demitido. É um fato que a venda do ponta-esquerda Gian Piero Ghio ao Napoli foi um aspecto que impactou negativamente na fracassada campanha. Sem saber, o treinador foi responsável por ter iniciado a construção da espinha dorsal do time que venceria o scudetto três anos após sua saída, sob o comando de Tommaso Maestrelli.

Em 1972, de volta a Buenos Aires, Toto teve brilhante passagem pelo San Lorenzo, com duas inéditas taças nacionais conquistadas: o título Metropolitano e o Nacional. Depois seguiu para o Atlético de Madrid, onde foi finalista da Copa dos Campeões, encarando o fortíssimo Bayern Munique. O elenco da equipe alemã reunia sete atletas que, dentro de alguns meses, venceriam a Copa do Mundo: Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Sepp Maier, Paul Breitner, Jupp Kapellmann, Hans-Georg Schwarzenbeck e Uli Hoeness.

Em campo, o Atleti vencia com gol de Luis Aragonés, mas Schwarzenbeck empatou o jogo faltando menos de um minuto para o apito final. Com a igualdade, os times realizaram um replay dois dias depois. O lado espanhol, que jogava de forma aguerrida quase 100% do tempo e tinha atletas de idade mais avançada, estava exausto, e os bávaros venceram com facilidade: 4 a 0.

“Estávamos ganhando por 1 a 0, no último segundo o Bayern Munique empatou com um chute de longe e causou um ataque cardíaco no presidente do clube”, comentou Lorenzo, que reconheceu a superioridade do time bávaro, mas fez questão de cornetar a arbitragem. “O Bayern, reconheço porque é justo, jogou melhor, trabalhou melhor e se recuperou muito melhor do que nós, desde o outro dia. No entanto, saliento que o primeiro gol foi marcado em impedimento claríssimo e o terceiro também foi bastante duvidoso. Nossa equipe sentiu muito o esforço do primeiro jogo. Quero agradecer aqui, daqui, o esforço que os jogadores e os torcedores espanhóis fizeram e o calor e fervor que tivemos aqui, continuamente”, declarou à revista El Gráfico. Ao término da temporada, Toto não permaneceu e, para o seu lugar, assumiu o recém-aposentado Aragonés.

Em 1970, enquanto comandava a Lazio, Toto cumprimenta o boxeador argentino Carlos Monzón antes de uma luta, em Roma (Popperfoto/Getty)

Taticamente, Lorenzo tinha predileção por um estilo mais pragmático, se inspirando no clássico catenaccio italiano. Inclusive, em parte de sua estadia na Cidade Eterna, ele rivalizou com o também argentino Helenio Herrera, grande nome do estilo, que treinava a Roma. Toto prezava pelo bloqueio imediato na zona intermediária, a fim de obstruir a construção ofensiva adversária. Ele gostava de escalar suas equipes em um 4-3-1-2, com o setor de meio-campo em forma de diamante. No Campeonato Espanhol, não pode competir com o Barcelona do recém-contratado Johan Cruyff e teve de se contentar com o vice.

Após a boa campanha na capital espanhola, o treinador partiu em longa peregrinação. Viveu por sete anos na Argentina e comandou times como Unión, Boca Juniors, Racing, Argentinos Juniors e San Lorenzo. Durante o período, ganhou prestígio ao conquistar taças inéditas pelo Boca Juniors, como o bicampeonato da Copa Libertadores e uma Copa Intercontinental. Nas três temporadas seguintes, teve breves passagens por equipes do México (Atlante) e Colômbia (Independiente Santa Fé), além de outros dois novos trabalhos em sua terra natal, por Vélez e Atlanta.

O terceiro e último voo pelas águias

Em 1984, Lorenzo voltou para sua terceira passagem na Lazio, agora presidida por seu amigo e ex-comandado Chinaglia. O novo presidente celeste localizou o argentino tomando sol em uma praia de Miami, nos Estados Unidos, antes de lhe fazer a proposta e concretizar a reunião da dupla que havia feito sucesso entre os anos 1960 e 1970.

O fato é que o clube sofria muito com problemas financeiros desde o rebaixamento que lhe foi imposto em 1980, em virtude do envolvimento de alguns jogadores no escândalo Totonero. Mesmo assim, o argentino aceitou assumir a equipe após a segunda rodada da Serie A, sucedendo Paolo Carosi.

O elenco da Lazio reunia talentos como Michael Laudrup, Bruno Giordano, Vincenzo D’Amico, Lionello Manfredonia e o volante brasileiro Batista, mas a campanha do time biancoceleste na Serie A foi vexatória e contrastou com a da Roma, que vinha de um vice-campeonato e brigou na parte de cima da tabela. A primeira vitória só aconteceu na sétima rodada, num 2 a 1 sobre a Cremonese. O compromisso seguinte, no entanto, reservou a última das peripécias de Don Juan.

Foi em um dérbi capitolino. Buscando reduzir a disparidade técnica entre os rivais, Lorenzo, trajado com calças altas bem acima da barriga, uma camisa escura de gola enorme, cinto, cabelo impecável, pegou um toca-fitas e pôs para tocar tango, no volume máximo, enquanto realizava uma dança que parecia ritualística. À medida que os jogadores da Roma passavam pelo vestiário, ele pegava um copo e o erguia em sinal de provocação. O jogo terminou empatado sem gols e, segundo dizem, os giallorossi estavam irreconhecíveis naquele dia. É por eventos como este que alguns torcedores da Lazio apelidaram o treinador de feiticeiro – ou “O Mago dos Pobres”, em contraste com Herrera, que tinha a alcunha de “O Mago”.

Na 11ª rodada, o compromisso foi em Gênova, contra a Sampdoria. Temendo a agilidade do atacante Trevor Francis, Lorenzo impôs uma rigorosa dieta ao zagueiro Daniele Filisetti, que já era magro, obrigando-o a perder três quilos em cinco dias para que pudesse acompanhar a velocidade do perigoso atacante inglês.

Em sua terceira passagem pela Lazio, Toto se reuniu com Chinaglia, que dessa vez ocupava a presidência (SS Lazio Fans)

Quando se enfrentaram, Francis teve atuação destacada e Filisetti, exausto, teve de ser substituído ao término do primeiro tempo, quando a Lazio perdia por 2 a 0. No intervalo, Lorenzo armou novo incêndio e incinerou mais algumas camisas, no intuito de que o ato desse cabo do azar. Por falar em camisas, ele mandou que o goleiro Fernando Orsi trocasse sua peça vermelha por uma verde, alegando que a outra cor era muito chamativa para os atacantes adversários. A equipe romana buscou o empate com gols de Ernesto Calisti e Batista, e o jogo terminou em 2 a 2. A torcida biancoceleste considera que isso foi um feitiço conjurado pelo argentino.

Talvez percebendo que, na bola, sua equipe não era capaz de competir com as demais, Lorenzo apelou para provocações que denotam um lado mais romântico do futebol – ou seria sujo? Ele pedia que seus comandados ungissem uma pomada picante nas mãos, encorajando-os depois a esfregar os dedos no rosto dos adversários, irritando seus olhos. Também instruiu os defensores Filisetti, Arcadio Spinozzi e Massimo Storgato a colocarem em seus meiões as fotos das esposas de jogadores consagrados que fossem enfrentar, como Pietro Paolo Virdis, Alessandro Altobelli e Zico, por exemplo. A ideia seria fazê-los perderem a cabeça e cavar expulsões.

Justificando o controverso estilo, Lorenzo se defendeu. “Todos me acusam de querer jogar um jogo especulativo, que eu neguei o jogo de ataque, que mandei meus jogadores em campo fazerem algo de errado. Mas futebol é isso: se você não ganhar, eles te expulsam no dia seguinte. Se você vencer, você é o rei, caso contrário, você será odiado por todos”.

Questões morais à parte, seu estratagema não surtiu efeito. Sua última partida no comando da Lazio foi na 20ª rodada da Serie A, em uma impiedosa goleada por 4 a 0 sofrida para o Napoli, com direito a uma tripletta anotada por Diego Armando Maradona.

Os aquilotti chegaram a amargar uma pesada sequência de sete derrotas consecutivas e só tiveram dois triunfos em 30 rodadas. Número inferior ao de treinadores que tiveram em um ano: Giancarlo Oddi e Roberto Lovati, em dupla, foram os nomes seguintes. Toto Lorenzo somou 198 partidas no comando do time laziale, sendo 184 pela Serie A – um recorde que perdurou até ser batido por Simone Inzaghi, em 2021. No total, o argentino é o terceiro técnico com mais jogos pela agremiação, atrás apenas do supracitado, com 251, e de Dino Zoff, com 202.

De volta à Argentina em 1985, Toto treinou novamente o San Lorenzo. Seu último tango foi em 1987, quando se aposentou enquanto comandava o Boca Juniors. Juan Carlos Lorenzo faleceu em novembro de 2001, aos 79 anos, devido a uma enfermidade no pulmão. Pouco antes de partir, expressou o desejo de ser cremado e ter suas cinzas espalhadas em La Bombonera, mas sua família optou por enterrá-lo no cemitério Jardín de Paz, localizado em Belgrano, bairro da zona norte de Buenos Aires. Uma mudança que alguém tão supersticioso poderia considerar um sacrilégio.

Juan Carlos Lorenzo
Nascimento: 20 de outubro de 1922, em Buenos Aires, Argentina
Morte: 14 de novembro de 2001, em Buenos Aires, Argentina
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Chacarita Juniors (1940-45), Boca Juniors (1945-47), Sampdoria (1948-52), Nancy (1953-54), Atlético de Madrid (1954-57), Rayo Vallecano (1957-58) e Mallorca (1958)
Títulos como jogador: Primera B Nacional (1941)
Carreira como treinador: Mallorca (1958-60 e 1967), San Lorenzo (1961, 1972, 1981-82 e 1985), Argentina (1962 e 1966), Lazio (1962-64, 1968-71 e 1984-85), Roma (1964-65), River Plate (1966), Atlético de Madrid (1973-74), Unión (1975-76), Boca Juniors (1976-79 e 1987), Racing (1980), Argentinos Juniors (1981), Atlante (1982), Vélez Sarsfield (1982-83), Atlanta (1983) e Independiente Santa Fé (1984)
Títulos como treinador: Tercera División (1959), Segunda División (1960), Coppa Italia (1964), Serie B (1969), Primera División Nacional (1972 e 1976), Primera División Metropolitano (1972 e 1976), Copa Libertadores (1977 e 1978), Copa Intercontinental (1977) e Primera B Nacional (1983)

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