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Hakan Şükür: do flop na Itália ao golpe na Turquia

“Esportista de sucesso resolve ingressar na vida política”. O enredo é bem clichê e no Brasil nós temos vários exemplos – para ficar só no futebol, Romário e Bebeto, dupla de ataque do tetra. Na Turquia não é diferente e Hakan Şükür, maior jogador da história do país, fez o mesmo: o jogador que fracassou com a camisa de três clubes italianos foi parlamentar turco e um dos importantes atores em um momento delicado para sua nação.

Antes de Arda Turan nenhum jogador turco alcançou tanta fama e respaldo internacional quanto Şükür. O centroavante foi terceiro colocado com a Turquia na Copa do Mundo de 2002 e é o maior artilheiro da história da seleção, além de segundo na lista dos que mais vestiram a camisa vermelha. O goleador jogou em um clube do porte da Inter e também passou pela Inglaterra, mas foi em casa que se tornou mito: em mais de 500 partidas pelo Galatasaray fez quase 300 gols, ficando em segundo em número de jogos e tentos pelos leões. Ninguém balançou tanto as redes no Campeonato Turco quanto ele.

A idolatria que adquiriu pela seleção e pelo clube mais vencedor do país fizeram do Touro do Bósforo um candidato fortíssimo para as eleições nacionais. E ele tinha acesso à classe política: quando se casou pela primeira vez, a cerimônia foi transmitida em rede nacional e teve a bênção de Recep Tayyip Erdoğan, então prefeito de Istambul. Em 2011, quando já estava afastado dos gramados, se candidatou ao parlamento turco pelos conservadores do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) – o mesmo de Erdoğan, então primeiro-ministro e hoje presidente do país.

Şükür teve uma passagem ruim pelo Torino e, após levar o Galatasaray à glória internacional, acertou com a Inter (Allsport)

Dois anos depois, Şükür rompeu com Erdoğan por discordar de mudanças no sistema educacional do país e se tornou um parlamentar independente. O ex-atacante é ligado ao clérigo Fethullah Gülen, líder de um movimento conhecido como Hizmet, que faz oposição ao presidente e atua justamente no setor escolar. Em fevereiro de 2016, Şükür foi indiciado pela justiça local por ter criticado o presidente através de seu Twitter – um dos muitos desmandos de Erdoğan, que tem conduzido uma guinada autocrática no país e perseguido adversários. Se condenado, o artilheiro poderia pegar quatro anos de prisão.

Apesar da dura oposição ao autoritário regime de Erdoğan, que trata seus opositores com mão de ferro, o Hizmet e Şükür condenaram a tentativa de golpe. O ex-jogador está fora do país, mas falou sobre a situação através do Facebook: “A nação perdeu nesses dias os conceitos de democracia e legalidade. Um golpe é inaceitável e não é capaz de curar qualquer coisa”, declarou. Para driblar a perseguição, Hakan teve de deixar a Turquia e se exilou nos Estados Unidos. Com todos os seus bens bloqueados, o ex-atacante precisou se virar na Califórnia e, além de ter aberto um café e uma escolinha, trabalhou até mesmo como motorista de aplicativo.

Para entender melhor a situação na Turquia vale ler este texto do José Antonio Lima.

O atacante antes da política

Nascido a cerca de 150 km de Istambul, Hakan Şükür tem origem kosovar e albanesa. O atacante começou sua carreira no Sakaryaspor e passou pelo Bursaspor antes de alcançar o topo em termos de Turquia: ou seja, vestir a camisa amarela e vermelha do Galatasaray. Pelo Gala, o atacante de 1,91m utilizou toda sua força, seu poder de finalização e a especialidade da casa (o cabeceio) para fazer 71 gols em 144 partidas – média de quase um a cada dois jogos. Apelidado de Touro do Bósforo por causa de sua constituição física, Şükür chamou a atenção do Torino e, aos 24 anos, se transferiu para a Itália.

Acredite: Şükür foi um dos jogadores que a Inter contratou como alternativa a Ronaldo (Allsport)

O atacante chegou a Turim com a expectativa de seguir os passos de Lefter Küçükandonyadis, à época o maior artilheiro da seleção turca e grande referência do país internacionalmente: o ponta-esquerda de origem grega foi ídolo do Fenerbahçe, mas jogou também por Fiorentina e Nice, além de ter atuado na Copa de 1954, a primeira da Turquia. Şükür ganhou a camisa 9 e a expectativa de fazer um tridente ofensivo interessante com o ganês Abedi Pelé e o italiano Ruggiero Rizzitelli, mas falhou. Foi utilizado nos primeiros cinco jogos da Serie A e marcou um gol contra o Bari, mas o técnico Nedo Sonetti nunca mais o colocou em campo.

A primeira experiência do turco na Itália durou apenas seis meses – o Toro seria rebaixado no fim daquela Serie A. Em janeiro, o técnico Fatih Terim o levou para o Galatasaray, clube em que Şükür continuou a ser mito: entre 1997 e 2000 ele foi artilheiro da Süper Lig por três vezes consecutivas e ainda faturou o tetracampeonato. Em 1997-98 o Touro do Bósforo chegou a balançar as redes 46 vezes e, em 2000, foi ele quem comandou a conquista da Copa Uefa, com seis gols. No mesmo ano, fez os dois gols que colocaram a Turquia nas quartas de final da Eurocopa. O suficiente para convencer a Inter a levar o atacante, mais maduro, de volta para a Itália.

A diretoria da Inter acreditava que Şükür poderia dar à equipe os gols que Ronaldo, com séria lesão, não teria como fazer. O O Touro do Bósforo assumiu a camisa 54 – referência ao número 9 e ao primeiro mundial da Turquia – e foi titular no ataque ao lado de Christian Vieri, com Robbie Keane e Álvaro Recoba no banco. Hakan Şükür ficou um ano e meio em Milão e fez seis gols: alguns deles foram importantes, como contra Roma, Fiorentina, Milan e Hertha Berlim – valendo classificação às oitavas de final da Copa Uefa.

O atacante turco faturou uma Coppa Italia pelo Parma (Getty)

Na temporada seguinte, a chegada de Héctor Cúper fez o turco perder espaço (fez somente uma partida) e ser negociado, em janeiro, com o Parma. Ele nem fez tão feio com a camisa nerazzurra, mas a exigência no clube era muito grande àquele momento e o alvoroço nos bastidores era enorme. Por isso não houve paciência com ele.

Vestindo amarelo e azul, o Touro do Bósforo passou seis meses disputando a titularidade com Emiliano Bonazzoli e Savo Milosevic, mas nunca conseguiu se destacar. Em 16 jogos, Şükür marcou três gols e ajudou os crociati a vencerem a Juventus na final da Coppa Italia. O seu único título no Belpaese.

Após os meses em Parma, o atacante foi para a Ásia e liderou a Turquia na campanha do terceiro lugar na Copa. O capitão marcou somente uma vez, mas entrou para a história: com 10 segundos, fez o gol mais rápido em todas as edições do torneio. O sucesso do Touro do Bósforo no Japão e na Coreia do Sul fez com que o Parma o vendesse para o Blackburn, mas na Inglaterra ele também fracassou. Assim, Şükür voltou ao Galatasaray e foi rei novamente com a camisa amarela e vermelha, até se aposentar, em 2008.

Hakan Şükür
Nascimento: 1º de setembro de 1971, em Adapazari, Turquia
Posição: atacante
Clubes: Sakaryaspor (1987-90), Bursaspor (1990-92), Galatasaray (1992-95, 1995-2000 e 2003-08), Torino (1995), Inter (2000-01), Parma (2002) e Blackburn (2002-03)
Títulos: Copa da Turquia (1988, 1993, 1996, 1999, 2000 e 2005), Copa do Chanceler (1992 e 1995), Jogos do Mediterrâneo (1993), TSYD Cup (1993, 1998, 1999 e 2000), Campeonato Turco (1993, 1994, 1997, 1998, 1999, 2000, 2006 e 2008), Supercopa da Turquia (1993, 1996 e 1997), Copa Uefa (2000) e Coppa Italia (2002)
Seleção turca: 112 jogos e 51 gols

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1 Comentário

  • Excelente conteúdo! Curto demais ler as matérias da Calciopedia. E só um ponto, faltou colocar o Torino entre os times que ele passou no final da matéria.

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