Técnicos

Eugenio Bersellini, o longevo e implacável ‘sargento de ferro’

O meio do futebol é inóspito, atribulado, confuso. No passado, somente caras durões eram capazes de lidar com muitas de suas vicissitudes e conseguiam trilhar uma trajetória de sucessos, contra todas as probabilidades. No último domingo (17), a Itália perdeu um dos expoentes desse modo de enxergar o esporte: aos 81 anos, faleceu Eugenio Bersellini, técnico de extensa carreira e que se destacou principalmente na Inter e na Sampdoria. Por causa dos seus métodos de treinamento e de sua postura, o treinador ficou conhecido como “Sargento de Ferro”.

Nascido em uma pequena cidade da região de Parma, Bersellini teve uma carreira modestíssima como jogador de futebol e foi um habitué da segunda divisão – como meia, vestiu as camisas de Brescia, Monza, Pro Patria e Lecce. A estreia do emiliano como treinador se deu exatamente na equipe salentina, meses após sua aposentadoria dos gramados: em 1969, dirigiu o elenco do Lecce na reta final da Serie C e teve o contrato renovado pela diretoria.

O treinador foi galgando degraus na carreira pouco a pouco, através de trabalhos regulares: foram dois anos na terceira divisão com o Lecce e mais dois na segundona com o Como até estrear na Serie A, no comando do Cesena. Após um biênio e dois 11º lugares pela equipe bianconera, Bersellini assinou com a Sampdoria. Sua primeira passagem por Gênova não foi das melhores e a Samp acabou sendo rebaixada em seu segundo ano no clube. Surpreendentemente, o Sargento de Ferro foi contratado por uma gigante logo após o fracasso: parou na Inter e, definitivamente, mudou de patamar.

Quando Bersellini chegou em Milão, a Itália vivia tempos sombrios: os anos 1970 foram considerados “anos de chumbo” no Belpaese. As dificuldades do país também atingiram a Serie A, que tinha as fronteiras fechadas para estrangeiros e se tornou um torneio ainda mais tático, com estilos de jogo baseados na força física. Neste contexto de dificuldades, a Inter não se encontrava: não vencia nada havia seis anos e não passava da 4ª posição no campeonato. Em uma época de vacas magras, na gestão do presidente Ivanoe Fraizzoli, o treinador foi a representação exata de um time marcado pela determinação e pela honestidade, que conquistou títulos importantes quando ninguém esperava.

O Sargento de Ferro fez história na Inter (Liverani)

Logo em seu primeiro ano, o treinador tirou a Inter do incômodo jejum de conquistas e ficou com a Coppa Italia, que voltaria a faturar em 1982, ano de sua despedida. No entanto, o ponto alto de sua passagem em nerazzurro foi a temporada 1979-80, na qual deu um scudetto à Beneamata: adepto da zona mista, o treinador adaptou o formato original do esquema e utilizou um 4-4-2 em losango, fundamental para alcançar o troféu. No ano seguinte, o treinador ficou perto de alcançar uma glória internacional, mas a equipe caiu nas semifinais de uma Copa dos Campeões, eliminada pelo Real Madrid.

Na Inter, Bersellini tornou realidade uma das duplas mais memoráveis da Beneamata, formada por Alessandro Altobelli e Evaristo Beccalossi – o segundo maior artilheiro da Inter e um dos maiores camisas 10 dos nerazzurri, respectivamente. Beccalossi, inclusive, foi um dos jogadores que mais sofreram com as ordens do Sargento de Ferro. Pouco afeito aos treinamentos e amante da vida noturna, Evaristo teve regimes de exercícios, horas de repreensão e dietas dedicadas exclusivamente a si. Tudo sob o olhar atento do comandante.

Além de elevar o futebol da dupla de ex-brescianos, Bersellini também ficou marcado por ter dado espaço para vários jovens de Interello, que viraram referências no clube: por exemplo, revelou Giuseppe Baresi, Giuseppe Bergomi, Riccardo Ferri e Aldo Serena. Todos os citados foram protagonistas nos poucos títulos do clube entre os anos 1970 e 1980 – alguns conquistados após a saída do técnico, em 1982. Ao longo de sua passagem de cinco anos por Milão, Eugenio dirigiu a Inter em 207 jogos e se tornou o quinto treinador mais longevo na história nerazzurra.

De saída da Inter, foi procurado por Luciano Moggi e aceitou dirigir o Torino. No Piemonte, o emiliano teve a sua disposição uma boa equipe, com peças como o meia Giuseppe Dossena e o atacante Franco Selvaggi – que haviam acabado de se sagrar tricampeões mundiais com a Itália –, além do goleiro Giuliano Terraneo, o meia Renato Zaccarelli e o atacante Walter Schachner.

Apesar do estilo durão, Bersellini era afetuoso com seus jogadores (LaPresse)

Bersellini também ficou dois anos à frente dos granata e conseguiu bons resultados na Serie A (um oitavo e um quinto lugar) e foi duas vezes semifinalista da Coppa Italia, em tempos em que a competição era muito mais valorizada pelos times grandes do que hoje em dia. Saiu de Turim valorizado e ganhou uma nova chance na Sampdoria, que tinha um projeto ambicioso.

Sete anos após sua primeira experiência no estádio Luigi Ferraris, o emiliano ajudou a dar início ao ciclo vitorioso dos blucerchiati, que aconteceu no final da década de 1980 e no início dos anos 1990. Um dos bons motivos para o sucesso de Bersellini em seu segundo trabalho em Gênova foi a mudança de gestão. Quando chegou, o treinador encontrou um clube arrumado e com boa saúde financeira graças a Paolo Mantovani, empresário que adquirira a Samp em 1979.

A temporada 1984-85 foi a mais positiva do período do Sargento de Ferro no Marassi. Os craques Graeme Souness e Gianluca Vialli foram contratados e se juntaram a Ivano Bordon (goleiro titular da sua Inter), Trevor Francis, Pietro Vierchowod e Roberto Mancini, formando um elenco forte o suficiente para conquistar a Coppa Italia (a primeira da história dos genoveses) e um quarto lugar na Serie A. Bersellini ainda conduziu os dorianos a um vice da copa em 1986 e a duas temporadas razoáveis no Campeonato Italiano.

Eugenio Bersellini deixou a Samp em 1986 para dar lugar a Vujadin Boskov – que completou o trabalho iniciado por ele e chegou ao scudetto. A saída coincidiu com o início do declínio na carreira do treinador, que passaria sem muito destaque pela Fiorentina e, depois, não evitaria a queda de Avellino e Ascoli para a Serie B.

Bersellini conquistou uma Coppa Italia pela Sampdoria (Liverani)

A partir de então, o Sargento de Ferro rodaria, sem muita relevância, pela segunda e terceira divisões da Velha Bota, à frente de Como, Modena, Bologna, Pisa e Saronno. O ponto mais alto deste período ocorreu no comando dos comensi, que quase levou de volta para a Serie B (foi eliminado nos playoffs), enquanto o mais soturno foi a queda para a terceirona com os bolonheses. Bersellini também dirigiu a seleção da Líbia e dois clubes do país africano, no qual também se sagrou campeão. No final da carreira, salvou a minúscula Lavagnese da queda para a sexta divisão, em 2006, e no ano seguinte foi diretor esportivo do Sestri Levante, da Serie D.

Após se retirar em definitivo do futebol, Bersellini levou uma vida pacata, afastada do esporte. Diversos treinadores, no entanto, deram continuidade a seu legado. Há profissionais que dão ênfase ao apego aos valores do jogo, ao caráter e à disciplina e há os que se dedicaram a aperfeiçoar os métodos de preparação física trazidos pelo emiliano. De qualquer forma, Eugenio se tornou uma grande influência para técnicos que não foram criados em berço de ouro e precisaram estudar muito para serem respeitados.

No último domingo, complicações de uma pneumonia derrubaram o Sargento de Ferro, que vivia na pequena cidade de Prato, na Toscana. O respeito que conquistou em sua trajetória acabou traduzido em muitas demonstrações de apreço do mundo do futebol italiano a sua memória. De certa forma, um final feliz.

Eugenio Bersellini
Nascimento: 10 de junho de 1936, em Borgo Val di Taro, Itália
Morte: 17 de setembro de 2017, em Prato, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Fidenza (1954-55), Brescia (1955-60), Monza (1960-62 e 1963-66), Pro Patria (1962-63) e Lecce (1966-68)
Carreira como treinador: Lecce (1969-71), Como (1971-73 e 1990-91), Cesena (1973-75), Sampdoria (1975-77 e 1984-86), Inter (1977-82), Torino (1982-84), Fiorentina (1986-87), Avellino (1987-88), Ascoli (1988-90), Modena (1991-92), Bologna (1992-93), Pisa (1994), Saronno (1995-96), Líbia (1999), Al-Ahly-LIB (2001), Al-Ittihad-LIB (2002) e Lavagnese (2006)
Títulos como treinador: Coppa Italia (1978, 1982 e 1985), Serie A (1980) e Campeonato Líbio (2002)

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