Você pode até nunca ter ouvido falar nele, mas Ezio Pascutti faz parte do hall dos grandes jogadores do futebol italiano. Mito do Bologna, único clube que defendeu, Eziolino era conhecido por seu instinto goleador, por seu jeito estourado, mas também por seu sorriso fácil. Uma expressão que não podemos mais ver desde 4 de janeiro de 2017, quando o atacante faleceu, aos 79 anos.
Apesar de ter sido ícone do Bologna, Pascutti nasceu bem longe da Emília-Romanha. Natural de Martegliano, um vilarejo no nordeste da Itália, próximo a Údine, o atacante que tinha o gol no sangue deu seus primeiros passos em um time amador da região, o Pozzuolo. Antes mesmo de completar 18 anos, foi notado por Gipo Viani, então técnico do Bologna, e partiu para a “Cidade das Duas Torres”, que adotou para o resto da vida.
Ter utilizado somente as cores rossoblù em 14 anos de carreira como profissional já fariam, por si só, Ezio Pascutti entrar para a galeria de ídolo do Bologna. No entanto, ele foi conquistando espaço no coração dos torcedores pouco a pouco: contratado em 1954, como um total desconhecido, só estreou em 1º de janeiro de 1956, marcando um dos gols da vitória fora de casa sobre o Lanerossi Vicenza.
Gipo Viani tinha olho de bom entendedor de futebol: passou a utilizar o “fedelho de Martegliano”, como ele era chamado, e não se arrependeu, pois Pascutti anotou 11 gols em 18 jogos naquela Serie A. Nada mal para um estreante que, ainda por cima, jogava pelos flancos, sendo mais responsável de abastecer o centroavante Gino Pivatelli – artilheiro da competição, com 29 gols – do que de marcar os seus golzinhos.
Viani deixaria o Bologna em 1956, mas Pascutti continuaria a ser bastante utilizado pelos técnicos seguintes. À época, os felsinei eram um dos times mais importantes e temidos de toda a Itália: dono de seis scudetti, somente Juventus, Genoa e Inter haviam sido campeões nacionais mais vezes. Por isso, a torcida era exigente e cobrava da equipe não somente boas colocações, mas um futebol bonito – nenhum técnico ou jogador ficava em paz na Emília-Romanha se não proporcionasse um espetáculo.
Pascutti não era esse tipo de jogador: embora atuasse como ala, se caracterizava mais pela velocidade, pela coragem e pela garra. Era combativo, briguento e eficaz, à sua maneira: perdia gols fáceis, mas se esforçava para empurrar a bola para as redes. Por causa disso, foi perseguido por grande parte dos torcedores bolonheses no início de sua trajetória no clube, ainda que fosse o cara capaz de garantir gols e pontos ao time.
Eziolino passou a fazer uma dupla interessante com Marino Perani a partir da temporada 1958-59 – salvo em 1959-60, ano em que o companheiro atuou no Padova. Pascutti aproveitava os cruzamentos do colega baixinho para marcar muitos gols de cabeça, que eram sua especialidade: foi assim que iniciou sua história goleadora, diante do Vicenza, e que marcou alguns de seus tentos mais importantes. Apesar do sucesso da dupla, foi somente a partir de 1961 que o Bologna começou a brigar intensamente por títulos. Naquele ano chegava ao clube Fulvio Bernardini, um dos treinadores mais importantes do período.
O Professore não era a primeira opção do presidente Renato Dall’Ara, que preferia Nereo Rocco e seu catenaccio, mas se encaixava exatamente no que a torcida pedia: seus times nunca praticavam um futebol feio, pois ele gostava de jogadores habilidosos. Isso significaria que Pascutti perderia espaço? Não mesmo: ele continuaria sendo um dos pilares do time, que ganharia a Copa Mitropa logo no primeiro dos quatro anos da gestão Bernardini. Com Fuffo, o Bologna teve uma 6ª posição como pior resultado e faria a história.
Era difícil competir com os estelares elencos de Inter e Milan naquela época, mas o Bologna conseguiu se inserir na disputa por scudetti. Ao lado de lendas como Giacomo Bulgarelli, Helmut Haller e Harald Nielsen, Pascutti foi uma das estrelas do sétimo e último scudetto conquistado pelo clube felsineo, em 1964. Na disputa acirradíssima contra a célebre Grande Inter, ele foi essencial de ponta a ponta, com oito gols e as muitas assistências que, fizeram de Nielsen o artilheiro daquela edição da Serie A, com 21 tentos.
O título bolonhês veio de forma suada e com um caminho cheio de percalços: jogadores da equipe foram acusados de doping e Bernardini foi suspenso por ter, supostamente, os induzido ao uso de substâncias proibidas – a inocência de todos acabou sendo provada. O presidente Dall’Ara faleceu na reta final do campeonato e os rossoblù ainda precisaram vencer a Inter no famoso spareggio. Foi a única vez que a Serie A teve de ser decidida em um jogo-desempate em campo neutro.
O time que “jogava como se estivesse no paraíso” não dava somente espetáculo, mas era guerreiro. Uma marca que tinha a influência do mais brigão do elenco: Eziolino. Em 2009, ocasião da morte de Bulgarelli, Pascutti deu uma declaração marcante sobre a conquista do scudetto: “diziam que éramos dopados, mas nosso único ‘doping’ era o coração gigante”.
Pascutti tinha um preparo físico superior ao da média para a época, e, por isso, tinha facilidade para superar os marcadores: era muito rápido para antecipá-los, de qualquer jeito (mesmo). Uma de suas fotografias mais célebres foi tirada em 1966, quando marcou um gol tão esplêndido quanto complicado, em um jogo contra a Inter. Ezio se atirou para alcançar uma bola cruzada à meia altura e superou Tarcisio Burgnich, seu colega na seleção italiana, para cabecear para as redes e ser, mais uma vez, carrasco dos nerazzurri. Ainda hoje, reimpressões dessa imagem enfeitam bares de Bolonha.
Pascutti se aposentou cedo. Abandonou o futebol por causa de problemas no joelho, em 1969, quando tinha apenas 32 anos. Ezio ainda é o terceiro maior goleador da equipe na história, atrás somente de Angelo Schiavio e Carlo Reguzzoni: sem nunca ter sido cobrador de pênaltis, alcançou a estrondosa marca de 142 gols em 336 partidas pelo Bologna. O atacante ainda foi detentor de uma marca incrível, obtida em 1962-63 e superada somente por Gabriel Batistuta, em 1994: marcou gols (12) em 10 rodadas consecutivas da Serie A.
O faro de gol e aplicação nos treinos levaram Ezio Pascutti a duas Copas do Mundo com a Itália, em 1962 e 1966. Querido pelo técnico Edmondo Fabbri, o atacante chegou a barrar Mario Corso e Luigi Riva, mas ficou marcado com a camisa da seleção pelas campanhas ruins dos azzurri naqueles mundiais. O episódio negativo mais marcante aconteceu, porém, em um jogo das oitavas da Eurocopa (que era disputada em um sistema eliminatório diferente do atual), contra a União Soviética, que defendia o seu título.
Em Moscou, em pleno estádio Lênin, Pascutti não se intimidou diante de milhares de soviéticos. O atacante recebeu uma dura entrada por trás de Eduard Dubinski e reagiu, empurrando-lhe no peito e ameaçando dar-lhe um murro. Acabou expulso, aos 23 minutos de jogo, e foi vaiado por todo o estádio, enquanto se encaminhava para os vestiários. Eziolino já estava acostumado com vaias, mas teve de conviver com elas por longos meses: a Itália acabou sendo derrotada, ficou fora do torneio, e ele foi eleito como bode expiatório.
Apesar de a Uefa não ter tomado nenhuma medida disciplinar contra ele, pegou uma suspensão de 90 dias da Federação Italiana e, durante meses, o jogador foi perseguido em seu próprio país por torcedores de outras equipes. Ainda assim, não se deixou abalar e seguiu carreira tanto na seleção quanto no clube, até pendurar as chuteiras, em 1969. Pela Itália, o atacante marcou oito gols em 17 partidas.
Pascutti seguiu no futebol como técnico de equipes menores e até treinou o Sassuolo, quando o time era praticamente amador – foram duas ocasiões, uma nos anos 1980 e outra antes, pela Sassolese, um dos clubes que se fundiram aos neroverdi. Fora dos gramados, continuou com seu estilo durão, que só se adocicava quando caía nos braços da torcida do Bologna. Um carinho recíproco, que fez a cidade chorar o seu ídolo e o embalar em luto, no início de 2017.
Ezio Pascutti
Nascimento: 1º de junho de 1937, em Martegliano, Itália
Morte: 4 de janeiro de 2017, em Bolonha, Itália
Posição: atacante
Clube como jogador: Bologna (1955-69)
Títulos com jogador: Serie A (1964) e Copa Mitropa (1962)
Carreira como treinador: Vis Pesaro (1969-70), Baracca Lugo (1971-73) e Sassuolo (1973-75 e 1986-87)
Seleção italiana: 17 jogos e 8 gols