Técnicos

Giuseppe Marchioro enfrentou decepção pelo Milan e brilhou com azarões da elite italiana

Olhando para o passado, conseguimos enxergar que o futebol é repleto de histórias de fracassos e poucas de sucessos. Giuseppe Marchioro viveu ambos. O treinador teve uma carreira bastante exitosa, mas amargou um eterno arrependimento: ter frustrado a torcida do clube que lhe revelou para o futebol.

Nascido em Milão, em 1936, Marchioro começou a jogar futebol nas divisões de base do Milan, aos 13 anos de idade, na posição de atacante. Com a equipe juvenil, atuou até os 21 anos, inclusive sendo capitão rossonero e campeão do conhecido Torneio de Viareggio em sua última temporada.

Sem oportunidades, Pippo acabou nunca jogando profissionalmente pelo Milan. Foi emprestado para o Parma e, depois, para a Pro Patria, sendo finalmente cedido para a Pro Vercelli, em 1959. Depois de 17 gols em 82 jogos, o atacante se transferiu para o Varese, onde curiosamente desenhou um epítome de sua carreira. Em 57 jogos, distribuídos em duas temporadas, Marchioro anotou apenas um tento pela equipe lombarda, mas também conseguiu levar o time a duas promoções consecutivas, da Serie C para a Serie A.

Depois deste triunfo coletivo e fracasso individual, já com 28 anos e jogando como meio-campista, o milanês ficou dois anos no Catanzaro. Na época, o time da Calábria jogava a segunda divisão e chegou à final da Coppa Italia de 1965-66, passando por Napoli, Lazio, Torino e Juventus, até cair para a Fiorentina. Inclusive, na partida derradeira, no Olímpico, o Catanzaro empatava com a viola até os 14 minutos do segundo tempo da prorrogação, com um gol do próprio Marchioro. No entanto, um pênalti foi marcado para os toscanos, que converteram e ficaram com o título.

Marchioro jogou mais duas temporadas de Serie C pelo Legnano e, aos 32 anos, encerrou a carreira como profissional. Sem tempo a perder, na temporada seguinte o ex-jogador foi integrante das comissões técnicas de Nils Liedholm e Gigi Radice, no Monza. Depois de alguns anos aprendendo com os mestres, Pippo finalmente começou sua carreira como treinador: acertou com o Verbania, que disputava a terceira divisão.

Mario Frustalupi, Pierluigi Cera e Marchioro: jogadores experientes deram suporte ao jovem treinador na Romanha (Arquivo/Cesena)

Após alguns bons resultados no time piemontês, o treinador teve mais uma louvável temporada no Alessandria, de mesma divisão, e conseguiu o título da Coppa Italia da Serie C, o que lhe fez subir um degrau na carreira. Giuseppe assumiu o Como em 1973, na Serie B, e entregou o cargo em 1975 com um acesso ao mais alto escalão italiano. Marchioro chamou a atenção de grandes clubes, mas foi o Cesena – que vinha com um audacioso projeto liderado por Dino Manuzzi – que contratou o jovem treinador.

Em sua primeira temporada na Serie A, o milanês contou com os reforços de Giancarlo Oddi e Mario Frustalupi, oriundos da Lazio, e conseguiu um grande feito. O Cesena alcançou a sexta colocação e uma inédita (e até hoje, única) classificação para a Copa Uefa. Um resultado espetacular, que rendeu ao time alvinegro a alcunha de “temíveis provincianos”, já que o cavalluccio não vinha dos grandes centros.

Propondo um futebol vertical e com marcação pressão no campo todo, Marchioro fez sucesso na Itália e retornou ao clube em que tudo começou. Pippo assinou com o Milan para a temporada 1976-77, porém, na maior chance de sua carreira, amargou um grande fracasso: o elenco não comprou suas ideias de vanguarda e a relação com o astro Gianni Rivera era conturbada. Os rossoneri somaram apenas duas vitórias em 15 partidas da Serie A e o técnico acabou sendo demitido logo após o fim de um primeiro turno pífio.

Depois de uma rápida passagem pelo Cesena, que então jogava a Serie B, Marchioro resolveu enfrentar um grande desafio: retornar ao Como, que estava na C1. Pippo conseguiu duas promoções consecutivas, levando os lariani à primeira divisão em 1980-81, mantendo-os ali na primeira campanha. A temporada de 1981-82, contudo, foi bem menos proveitosa para os comascos e o milanês caiu no final do primeiro turno, depois de somar apenas uma vitória em 14 rodadas.

Marchioro foi revelado pelo Milan como jogador, mas não foi bem no Diavolo quando recebeu a chance de treiná-lo (LaPresse)

O final melancólico de seu trabalho no Como inaugurou mais uma fase de baixa em sua carreira como treinador. Após a dispensa, Marchioro passou por seis agremiações e não ficou por mais de uma temporada em nenhuma delas – respectivamente, Avellino, Cesena, Ancona, Prato, Barletta e Foggia. Pippo comandou o time campano na Serie A; o romanholo, na B, e os restantes, na Serie C1. Nesse período, seu maior feito foi levar o Barletta à segundona pela primeira vez na história. Por sorte, o futebol ainda lhe reservava momentos doces: Giuseppe Marchioro conseguiu se reinventar e ter um último belo trabalho.

Em 1988, o milanês assumiu a Reggiana, também na C1, mas o desfecho foi diferente de todos os anos precedentes: obteve uma promoção com os grenás já em sua primeira temporada. Depois disso, a Regia passou quatro anos na segundona italiana, obtendo uma tripla sétima colocação e um primeiro lugar em 1992-93. Nesse período, Pippo ajudou a valorizar atacantes como Andrea Silenzi e Fabrizio Ravanelli, que teriam passagens de sucesso por clubes grandes da Itália e também atuariam na Inglaterra.

Marchioro ficara 11 anos longe da primeira divisão e voltou com estilo, tendo os reforços de Cláudio Taffarel, Johnny Ekström, Luigi De Agostini e Michele Padovano – além de Dorin Mateut e Paulo Futre, que foram contratados em novembro, na janela de outono. O início da temporada foi ruim para os granata: a equipe sofria com a inexperiência (nunca havia disputado a elite) e não saía da zona de rebaixamento. Para piorar, Ekström não rendeu e foi rapidamente repassado ao Betis, enquanto Futre sofreu séria lesão em sua estreia.

Pippo, porém, podia contar com o esforço redobrado de seus comandados, além da importância tática de Mateut e os gols de Padovano. Contrariando expectativas, a equipe saiu da zona de rebaixamento na 15ª rodada e teve um Natal feliz. Dali para frente, a Reggiana alternou momentos de irregularidades naturais para um time da parte baixa de tabela a alguns resultados importantes – empates com Juventus, Roma e Sampdoria e vitórias sobre Inter, Torino, Napoli e seu rival, o Parma.

Já no fim da carreira, Pippo Marchioro conseguiu resultados impressionantes pela Reggiana (Arquivo/AC Reggiana)

Na última rodada, a Regia precisava vencer o Milan, já campeão, em San Siro. Um gol de Massimiliano Esposito e um show de Taffarel selaram o milagre: a Reggiana se salvou do rebaixamento. Marchioro ficou com os louros pela reação no campeonato e pela grande atuação no clássico contra o Parma, tida como a melhor da campanha. Na vitória por 2 a 0, o time esteve bem postado em campo e produziu muitas jogadas, a ponto de vencer uma das equipes mais temidas da época com autoridade.

Já com 63 anos, Marchioro teve seu contrato renovado, já que conseguiu manter o time emiliano na Serie A. Contudo, o presidente Franco Dal Cin não lhe deu muito crédito na temporada seguinte: investiu em Francesco Antonioli, Angelo Gregucci, Sunday Oliseh, Rui Águas e Igor Simutenkov, mas o time não rendeu. Após sete derrotas e apenas um empate nas oito rodadas iniciais do campeonato 1994-95, Pippo foi demitido.

Com o fim de seu último trabalho de fôlego, teve sua última experiência na elite com o Genoa, na mesma temporada – na época, ainda que fosse raro, técnicos podiam treinar equipes diferentes num mesmo ano, na Itália. Marchioro não conseguiu fazer os grifoni engrenarem e, antes mesmo de o time da Ligúria ser rebaixado, perdeu o cargo. Depois, Pippo passou por Venezia e Cesena, na Serie B, e Triestina, na quarta divisão. Todos esses trabalhos duraram menos do que 15 jogos.

Em 1997, o técnico se aposentou e se distanciou completamente do futebol para se dedicar à família. Marchioro voltaria às grandes manchetes apenas por motivos tristes. Em 2013, ele e a esposa, Liliana, foram agredidos por bandidos fortemente armados que invadiram sua casa em Versilia, na Toscana. Em 2018, a sua companheira faleceu. Meses depois, Pippo – então com 82 anos – foi visitar a filha e os netos em Cesena e teve um relógio arrancado de seu pulso nas ruas da cidade. Sensações nada agradáveis para quem só quer ter um pouco de paz na velhice.

Giuseppe Marchioro
Nascimento: 13 de março de 1936, em Milão, Itália
Posição: atacante e meio-campista
Clubes como jogador: Parma (1957-58), Pro Patria (1958-59), Pro Vercelli (1959-62), Varese (1962-64), Catanzaro (1964-66) e Legnano (1966-68)
Títulos como jogador: Serie C (1963) e Serie B (1964)
Carreira como treinador: Verbania (1970-72), Alessandria (1972-73), Como (1973-75 e 1978-82), Cesena (1975-76, 1977-78, 1983-84 e 1996-97), Milan (1976-77), Avellino (1982), Ancona (1984-85), Prato (1985-86), Barletta (1986-87), Foggia (1987-88), Reggiana (1988-94), Genoa (1994), Venezia (1995) e Triestina (1997)
Títulos como treinador: Coppa Italia da Serie C (1973), Serie C (1979 e 1989) e Serie B (1980 e 1993)

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