Revolucionário, campeão do mundo em 1978 com a Argentina, boêmio e um verdadeiro filósofo da bola, César Luis Menotti teve altos e baixos na sua longa trajetória como técnico. Na Europa, El Flaco conduziu bem o Barcelona – que contava com Diego Maradona – e ganhou três títulos com os catalães. Depois de um razoável trabalho no Atlético de Madrid, Menotti passou pouco mais de uma década sem treinar uma equipe europeia.
No verão de 1997, Menotti pode tornar ao continente europeu ao assinar um contrato de dois anos com a Sampdoria, agremiação do país de seus antepassados, que haviam saído da região das Marcas, no centro-leste da Itália. O projeto parecia promissor: o clube genovês vivia uma certa “ressaca” após um ciclo esplêndido com o sérvio Vujadin Boskov, no qual os genoveses conquistaram um inédito scudetto, e um bom trabalho do sueco Sven-Göran Eriksson, vencedor da copa nacional. A Samp, portanto, tinha uma base rodada e material humano de qualidade.
Enrico Mantovani, presidente da agremiação, tinha o objetivo de começar uma nova era em Gênova e, Menotti, o homem que lançou Maradona na seleção albiceleste e revelou vários talentos, aparentava ser a pessoa certa para isso. Para El Flaco, o time genovês seria o seu “novo Barcelona”, isto é, o técnico pretendia ganhar títulos no clube e construir um DNA próprio. Uma das primeiras declarações do argentino em solo italiano comprovaria isso. “Eu escolhi a Sampdoria porque sei que posso montar uma equipe campeã”.
Menotti chegou a Gênova com uma difícil tarefa: teria de contratar um camisa 10 para substituir o ídolo máximo do clube, Roberto Mancini, que havia rumado para a Lazio naquele verão. O escolhido foi um velho conhecido do técnico: Ángel “Matute” Morales, joia do Independiente e um de seus pupilos.
O meia-atacante argentino se juntaria às diversas estrelas que se encontravam no time naquela temporada, como seu compatriota Juan Sebastián Verón, o alemão Jürgen Klinsmann, o sérvio Sinisa Mihajlovic, os franceses Pierre Laigle, Alain Boghossian e Christian Karembeu, além dos italianos Moreno Mannini e Fausto Salsano, ícones da era dourada blucerchiata. Os atacantes Sandro Tovalieri e Vincenzo Montella também pareciam boas opções para o treinador.
Dentro das suas características ofensivas, El Flaco armou o time num 4-3-1-2, com um tridente ofensivo composto por Morales, Klinsmann e Montella. Neste esquema, sempre prezava pelo talento individual dos jogadores, que tinham a liberdade de tomar as melhores decisões que avaliavam: segundo a máxima do técnico, “a única coisa que um atleta jamais pode parar de fazer em campo é pensar”.
A estreia do treinador argentino foi contra o Vicenza, no Marassi, em uma partida vencida por 2 a 1, com um gol de Boghossian no início da primeira etapa e de Tovalieri, aos 88 minutos. Poucos dias depois, em setembro de 1997, o clube disputou duas eliminatórias, em competições diferentes: na Coppa Italia, o time de Menotti venceu o Torino por 4 a 3 no agregado; já na Copa Uefa, uma desastrosa eliminação para o Athletic Bilbao, que avançou com a soma de 4 a 1. Críticas em relação à posição de alguns jogadores começavam a aparecer, mas a equipe conseguiria bons resultados contra Atalanta (2 a 0) e Juventus (1 a 1).
Matute Morales, o queridinho de Menotti, não conseguia engrenar no time e sempre passava em branco nos jogos. O único gol que o argentino marcou durante sua estadia em Gênova foi contra a Juventus, no empate de 1 a 1. “O novo Mancini”, assim descrito por El Flaco, foi, na verdade, um grandíssimo “flop”.
Na sexta rodada da Serie A, o clube ocupava a sexta colocação, com apenas uma derrota. Esse cenário parecia corrigível, mas havia uma diferença entre Menotti e a cúpula da Samp. O argentino reclamava exageradamente com a diretoria por novos reforços, como o de Marcelo Salas, e os pedidos, tidos como exagerados, sempre eram negados por Mantovani. O jeito com o qual El Flaco se comunicava com os jogadores e a sua forma rigorosa de controlar o vestiário também se tornaria um grande problema: atritos começavam a eclodir.
Depois de dois jogos perdidos por 3 a 0 na Serie A contra Lazio e Milan, e uma eliminação para os rossoneri com duas derrotas na Coppa Italia, por 3 a 2 e 2 a 1, o trabalho de Menotti estava totalmente comprometido. A presença no clube se tornara angustiante para o técnico de 60 anos, que veio a se reunir com Mantovani: o encontro durou seis horas e meia, mas foi amigável e terminou com a rescisão do contrato de duas temporadas que o argentino tinha com a Sampdoria. Curiosamente, havia 16 anos que a agremiação não demitia um treinador com a temporada em andamento.
Em uma entrevista dada ao jornal Clarín, logo após a sua saída, Menotti explicou que sua partida se deu porque ele não compartilhava dos mesmos ideais que a diretoria, e salientou que os seus pedidos por reforços, eram sempre recusados. “É inútil continuar. Para mim, o time precisa de reforços, mas o clube não considera que sejam necessários. Tenho uma carreira de prestígio para defender e não posso aceitar certas coisas. Estou acostumado a outras exigências e esse elenco não é capaz de brigar por títulos”, disparou, contradizendo as suas declarações iniciais.
Nos 14 jogos de Menotti como técnico da Sampdoria, a equipe conquistou apenas quatro triunfos e perdeu em oito oportunidades. Pela Serie A, foram três vitórias, dois empates e três derrotas, que deixaram os blucerchiati na oitava colocação. Logo depois de ir embora da Ligúria, retornou para o Independiente, clube em que estava antes dos amargos meses vividos em Gênova.
Separada de El Flaco, a Samp reatou com o seu ídolo máximo: Boskov. O maior técnico da história doriana retornou ao time lígure para atuar como um verdadeiro bombeiro, pronto para apagar as “chamas” deixadas pelo forte temperamento do genioso – e genial – argentino. O sérvio comandou o time no resto da Serie A, potencializou Montella, que terminou o campeonato com 20 gols, e levou a equipe a um justo nono lugar.
A Sampdoria foi o último time europeu treinado por Menotti. O técnico – que, como jogador, teve passagens por Santos e Juventus da Mooca – continuou a sua carreira nas Américas do Sul e Central, onde se deu melhor. Apesar disso, El Flaco não conquistou mais troféus na fase final de sua trajetória à beira das canchas e, em 2007, aos 69 anos, pendurou as pranchetas depois de comandar o Tecos, do México. O campeão mundial se tornou cartola do Independiente e, a partir de 2019, foi diretor de seleções da AFA, a Associação do Futebol Argentino. O campeão mundial ocupou o cargo até o dia de sua morte, aos 85 anos.
César Luis Menotti
Nascimento: 22 de outubro de 1938, em Rosario, Argentina
Morte: 5 de maio de 2024, em Buenos Aires, Argentina
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Rosario Central (1960-63), Racing (1964), Boca Juniors (1965-66), New York Generals (1967), Santos (1968) e Juventus-SP (1969-70)
Títulos como jogador: Campeonato Argentino (1965) e Campeonato Paulista (1968)
Carreira como treinador: Huracán (1971-74), Argentina (1974-83), Barcelona (1983-84), Boca Juniors (1986-87 e 1993-94), Atlético de Madrid (1987-88), River Plate (1989), Peñarol (1990-91), México (1991-92), Independiente (1996-97, 1997-99 e 2005), Sampdoria (1997), Rosario Central (2002), Puebla (2006) e Tecos (2007)
Títulos como treinador: Campeonato Argentino (1973), Copa do Mundo (1978), Copa do Mundo Sub-20 (1979), Copa do Rei (1983), Copa da Liga Espanhola (1983) e Supercopa da Espanha (1983)
Seleção argentina: 11 jogos e 2 gols