O futebol feminino tem muito mais histórias para contar do que se esta ou aquela jogadora é lésbica. A frase – bem óbvia – resume a entrevista bombástica que Elena Linari deu à Raisport neste sábado (19/10). Linari é zagueira da seleção italiana e do Atlético de Madrid. Ela chocou a Itália ao sair do armário com praticamente um manifesto pelo respeito no futebol feminino: “É um erro que a atenção ao nosso movimento se concentre, sobretudo, em jogadoras gays”, foi uma das declarações da atleta.
Após a entrevista ir ao ar, ela recebeu diversos elogios no Twitter: corajosa, palmas, parabéns, um exemplo. O impacto quase parece um exagero para o público brasileiro. Nossas jogadoras fazem declarações de amor às suas namoradas nas redes sociais, os sites de fofoca repercutem, pode haver perda de patrocínio e nós nem fazemos mais as contas de quantas já se assumiram. No caso da Elena Linari, de 25 anos, postar uma selfie com a companheira é sinônimo de medo.
Per vedere l’intervista completa, vi aspetto oggi alle 14.00 h su @RaiDue a #Dribbling https://t.co/62nAi0x0fg
— Elena Linari (@ElenaLinari) October 19, 2019
Enquanto em Madri, na Espanha, ela consegue viver sem se esconder, na Itália, a percepção é outra: “Sou a primeira a ter medo do enfrentamento porque não sei como as pessoas podem reagir. Tenho medo do julgamento”, declarou Linari, na entrevista. A frustração da jogadora vai além. Além de a Itália ser um país marcado pelo preconceito e pela homofobia, o futebol feminino parece se resumir ao tema, como se fosse o único assunto possível no extracampo.
“É necessário dizer que uma menina está com outra menina para ganhar a atenção do público? Nós, realmente, entendemos tudo errado”
“O que a seleção masculina fez, de ir ao hospital Bambino Gesù, aquilo foi uma imagem muito forte”, lembrou Elena, sobre a visita da seleção italiana a crianças com câncer em Roma, com direito a doação de aparelho para facilitar o diagnóstico de câncer. “Eu espero que o nosso time tenha essa oportunidade”, completou. “Para dar atenção ao futebol feminino precisa falar de suas sexualidades? É um paradoxo. É necessário dizer que uma menina está com outra menina para ganhar a atenção do público? Nós, realmente, entendemos tudo errado.”
Preconceito
Em um esporte de macho, falar sobre a presença das mulheres, e, principalmente, de mulheres gays, é mais impactante do que deveria em 2019. Poucos jogadores na história tiveram a coragem de se assumir. Foi o caso do goleiro Giovanni Licchello, único ex-jogador de futebol assumidamente gay na Itália.
Também entrou para a conta italiana a declaração do meia alemão Thomas Hitzlsperger, que chegou a atuar pela Lazio, em 2010. O jogador deu uma entrevista em 2014, um ano depois de encerrar a carreira, dizendo que esperava que a sua atitude abrisse mais portas no esporte. Na Bota, particularmente, alguns motivos tornam este movimento mais difícil.
De 49 países europeus, a Itália fica em 35º em um levantamento que mostra a situação da população LGBT no continente. O balanço é feito anualmente pela Ilga-Europe, uma organização voltada à defesa dos direitos destes cidadãos. Segundo o documento, na Itália, em 2018, houve mais perseguição a homossexuais nas ruas. Violência contra pessoas trans, bullying nas escolas, dificuldade para adoção e até discriminação em hospitais e postos de saúde estão no documento.
Aos 80 anos, a avó de Elena Linari tinha consciência das dificuldades que a atleta teria no país. Emocionada, Linari citou a matriarca na entrevista à Raisport: “Foi tocante quando ela soube. Estava feliz, chorou e disse ‘tenho muito medo porque você não está protegida.”’