A derrota da Juventus para o Barcelona, por 3 a 1, na final da Liga dos Campeões de 2014-15, fez gigantes chorarem. Porém, não foi suficiente para devastar o orgulho dos bianconeri, simbolizado pelas lágrimas de Andrea Pirlo, que se despedia da agremiação. Ao contrário. A disputa “olho no olho”, de igual para igual, contra o time que mais encantou o mundo naqueles tempos fez crescer o brio da torcida juventina, acostumada com as conquistas locais, mas saudosa das emoções proporcionadas pelo protagonismo em nível europeu. Infelizmente, para os piemonteses, ficou nisso mesmo: a Velha Senhora não conseguiu canalizar a energia da desilusão pelo insucesso e transformá-la em título continental nos anos seguintes. Assim, a equipe que quebrou recordes na Serie A passou em branco na Champions League.
Durante a década que dominou a Serie A, com nove títulos seguidos entre 2012 e 2020, a Juventus transformou o sucesso na Liga dos Campeões em obsessão. Pudera: antes de alcançar a decisão de 2014-15, a Velha Senhora tinha chegado à final pela última vez em 2003, quando perdeu para o Milan nos pênaltis. O título mais recente era o de 1996, sobre o Ajax, com outras duas derrotas em finalíssimas no meio do percurso – em 1997, para o Borussia Dortmund, e em 1998, para o Real Madrid.
Na primeira fase de sua era dominante, a Juventus foi comandada por Antonio Conte, que enfileirou campanhas ruins na Champions League até, na pré-temporada de 2014-15, decidir assumir a seleção italiana. Para seu lugar, chegou Massimiliano Allegri, contestado pela pobreza da reta final de seu trabalho pelo Milan, clube em que faturou um scudetto. Max rapidamente calou os críticos: faturou a Serie A com uma vantagem de 17 pontos sobre a Roma e, apesar da derrota nos pênaltis para o Napoli, na Supercopa nacional, deu aos bianconeri o décimo troféu da Coppa Italia. Havia duas décadas que a Velha Senhora não conquistava a taça e também 20 anos que não obtinha uma dobradinha em seu país.
Em paralelo aos grandes resultados em solo italiano, Allegri fez muito mais do que seu antecessor na Champions League. Conte só avançou até as quartas, em 2012-13, e, em 2013-14, foi eliminado na fase de grupos – posteriormente, caiu também nas semifinais da Liga Europa. Max, a princípio, assustou a torcida bianconera ao conduzir a equipe numa fase de grupos traiçoeira, por conta do surpreendente desempenho do Olympiacos. A Juventus foi segunda colocada da chave A, com os mesmos 10 pontos do Atlético de Madrid – um empate de compadres na última rodada serviu para eliminar os gregos, que fizeram 9, enquanto o Malmö foi o lanterna.
No mata-mata, a situação mudou e antigos algozes foram deixados para trás. A jornada começou com uma tranquila classificação nas oitavas, com um 5 a 1 no placar agregado contra o rival Borussia Dortmund. Já nas quartas, a Juventus concentrou suas forças na sua eficiente defesa e passou pelo Monaco com um magro 1 a 0. Na semifinal, foi a vez de superar o Real Madrid com um 3 a 2, num confronto em que Álvaro Morata fez valer a lei do ex e, com dois gols, incluindo o decisivo, no empate por 1 a 1 no Santiago Bernabéu, ofuscou Cristiano Ronaldo – também autor de dois.
Na final, a Juventus enfrentaria um Barcelona tido por muitos como inalcançável, por conta do trio MSN, formado por Lionel Messi, Luis Suárez e Neymar, e de outros grandes jogadores, como Andrés Iniesta, Xavi, Daniel Alves, Gerard Piqué, Javier Mascherano, Sergio Busquets, Jordi Alba e Ivan Rakitic. Na busca por seu primeiro título desde 2011, o Barça teve muita tranquilidade na fase de grupos e foi o líder da chave H, com 15 pontos, deixando para trás Paris Saint-Germain (13), Ajax (5) e APOEL (1). No mata-mata, adversários de alto calibre foram esmagados como moscas: Manchester City (3 a 1 no placar agregado), PSG (5 a 1) e Bayern de Munique (5 a 3) não ofereceram resistência aos comandados de Luis Enrique.
O Barça era favorito e fortíssimo, mas a verdade é que a Juve também tinha muitas estrelas – e um trio badalado. O Barcelona contava com o MSN, autor de mais de 120 gols durante aquela temporada, e a Juventus com o BBC, maior tridente defensivo da década, que havia sido fundamental para que a Velha Senhora acumulasse 27 clean sheets e tivesse sido vazada somente 37 vezes nas 56 partidas disputadas até aquele momento de 2014-15. Porém, Andrea Barzagli e Leonardo Bonucci não teriam a companhia de Giorgio Chiellini na decisão marcada para o Olympiastadion, em Berlim. A ausência do vice-capitão, devido a uma lesão muscular, porém, não foi um fator crucial para a derrota italiana.
Além dos dois zagueiraços aptos para a final e de Pirlo e Morata, citados anteriormente, a Juventus ainda contava com outros jogadores históricos, como Gianluigi Buffon, Stephan Lichtsteiner, Patrice Evra, Paul Pogba, Claudio Marchisio, Arturo Vidal e Carlos Tevez. Apesar do favoritismo de um Barcelona de desempenho ofensivo muito acima do normal, era evidente que a trupe de Allegri poderia provocar problemas para os catalães.
O treinador italiano mandou a campo uma equipe armada num 4-3-1-2 várias vezes usado ao longo do ano, com Barzagli e Bonucci centralizados, Lichtsteiner e Evra nas laterais e um meio-campo dinâmico, com Marchisio, Pirlo e Pogba mais recuados e Vidal fazendo a ligação com o ataque. Luis Enrique, por outro lado, preservou o habitual 4-3-3 dos culés.
Alguns jogadores da Juventus, contudo, entraram em campo desligados e, logo aos 4 minutos, o Barcelona pulou na frente. Com uma ótima trama coletiva, a bola passou por Jordi Alba e Neymar, que conseguiu conectar uma linha de passes dentro da área, contando com a complacência de Vidal e Pogba. Deixado sozinho pelo chileno, Iniesta só rolou para Rakitic – sozinho devido ao atraso de recomposição do francês – empurrar para as redes.
O domínio catalão continuou depois do gol. O Barcelona criou diversas chances e Buffon precisou fazer um milagre num chute de Daniel Alves para o segurar o placar mínimo ainda antes dos 15 minutos. As rápidas trocas de passes entre o meio-campo e o ataque culé envolviam a equipe da Juventus, que não conseguia impor sua conhecida pressão defensiva.
Suárez teve duas boas chances perto do intervalo. Na primeira, arrematou de bico e, após Buffon se esticar todo e não alcançar, a bola passou a centímetros do gol; na segunda, o arqueiro mandou a finalização para escanteio. Do outro lado, a Juventus produziu suas melhores chances com Morata. O espanhol chegou a deixar Mascherano na saudade e rolou para Vidal chutar por cima da baliza de Marc-André Ter Stegen. Mais tarde, o argentino se recuperou no duelo e, com um corte salvador, impediu que o cruzamento de Pogba chegasse ao atacante.
Os números da primeira etapa mostravam a vantagem do time catalão. Foram 66% de posse de bola, 14 faltas sofridas, apenas três cometidas, quatro finalizações no gol e dois cartões amarelos forçados para Vidal e Pogba, além de 359 passes efetuados – contra 160 da Juventus. Enquanto os blaugrana tentavam impor o seu estilo baseado no tiki taka e tinham Messi flutuando entre as linhas, a falta de criação da equipe italiana se dava, em grande medida, pela marcação de Suárez sobre Pirlo, o que tirava o regista bianconero do jogo.
As equipes voltaram iguais para a segunda etapa e o cenário também não se alterou. Quando a Juventus conseguiu um escanteio logo nos primeiros minutos após a bola voltar a rolar, rapidamente o tiro saiu pela culatra e se converteu em um contra-ataque perigosíssimo, de cinco jogadores do Barcelona contra três defensores da Velha Senhora – mais o goleiro. Rakitic carregou a pelota e serviu Suárez, que optou por bater no mesmo canto de Buffon e obrigou o arqueiro a fazer grande intervenção.
Em resposta, a Juve subiu as linhas para pressionar a saída de bola, tentando jogar no erro do adversário, já que não conseguia criar quando tinha a posse. Em uma dessas iniciativas, Lichtsteiner se antecipou a Neymar, recuperou a pelota e a passou para Marchisio, que, num lance de genialidade, a devolveu para o suíço de calcanhar, pegando o sistema defensivo do Barcelona de surpresa. Na ultrapassagem pelo flanco direito, o lateral invadiu a área e achou Tevez: o argentino fez o giro no pivô e finalizou firme, de perna esquerda. Ter Stegen deu rebote, e na sobra, o madrilenho Morata – autor dos gols mais importantes da equipe bianconera naquela Champions League – só teve o trabalho de empurrar para as redes, aos 55 minutos.
Confiantes depois do empate, os italianos cresceram na partida e começaram a manter a posse de bola, colocando Pirlo no jogo. Os papéis se inverteram e, então, quem tentava pressionar eram os catalães. A final de Berlim passou a ter momentos de intensa “trocação”, e a Juventus teve chances com Tevez e Pogba, em finalizações da entrada da área. Durou pouco, porém – menos de 13 minutos.
A Juventus sofreria o segundo gol enquanto mandava na partida e punha o Barça sob pressão. Aos 68 minutos, Messi carregou a bola no meio-campo driblou Marchisio pouco após a intermediária e finalizou rasteiro, com força. Buffon fez mais uma boa defesa, mas deu rebote e Suárez, bem posicionado em relação a Evra, estava na área para conferir e colocar o Barcelona na frente de novo.
Três minutos depois de fazer o segundo, o Barcelona teve um gol bem anulado de Neymar, que acabou desviando a bola com o braço após cabeceá-la. Os catalães passaram a enfileirar chances, que não terminaram nas redes por erros na última hora e finalizações sem rumo. Ao mesmo tempo, as entradas de Xavi, Pedro e Jérémy Mathieu serviram para cadenciar o ritmo do jogo e segurar a Juventus, que não viu suas alterações mudarem o cenário da final.
Já na casa dos 88, Marchisio conseguiu um grande arremate de canhota. Porém, Ter Stegen foi buscar no cantinho esquerdo, salvado os catalães do empate. Na base do abafa, a Juventus ainda tentou chegar à igualdade, mas terminou punida. No sétimo minuto de acréscimos, o Barcelona explorou o campo aberto num contragolpe e Neymar, após tabelar com Pedro, chutou rasteiro para superar Buffon: assim, o brasileiro decretava o placar final na capital da Alemanha.
Enquanto o Barça comemorou o seu pentacampeonato da competição, a Juventus se isolou como equipe que mais finais de Champions League perdeu, com seis. Assim, teve que se resignar com o domínio em solo nacional: então tetracampeã consecutiva da Serie A, chegou a emplacar nove scudetti seguidos até 2020. O recorde absoluto da história do certame é uma honra para os bianconeri e sua torcida. Entretanto, o fato é que esse período de hegemonia na Itália coincide com insucessos em nível europeu, quando a própria diretoria da gigante esperava mais. Em 2017, a Velha Senhora voltaria a disputar uma decisão de Liga dos Campeões, mas, goleada pelo Real Madrid, amargaria o seu sétimo vice em nove disputas da taça de orelhas grandes.
Juventus 1-3 Barcelona
Juventus: Buffon; Lichtsteiner, Barzagli, Bonucci, Evra (Coman); Marchisio, Pirlo, Pogba; Vidal (Pereyra); Morata (Llorente), Tévez. Técnico: Massimiliano Allegri.
Barcelona: Ter Stegen; Daniel Alves, Piqué, Mascherano, Alba; Rakitic (Mathieu), Busquets, Iniesta (Xavi); Messi, Suárez (Pedro), Neymar. Técnico: Luis Enrique.
Gols: Morata (55′); Rakitic (4′), Suárez (68′) e Neymar (90 + 7′)
Árbitro: Cüneyt Çakir (Turquia)
Local e data: Olympiastadion, Berlim (Alemanha), em 6 de junho de 2015