Fundado há mais de 110 anos, o Bologna é o time mais importante da Emília-Romanha e um dos mais tradicionais da Itália. Afinal, é sete vezes campeão italiano e duas vezes faturou a copa nacional. Apesar disso, depois do escândalo Totonero, em 1980, mesmo sofrendo apenas cinco pontos de penalização, o time jamais foi o mesmo.
O Bologna não conseguiu se atualizar frente as transformações que estavam acontecendo no futebol italiano, como o aumento de investimentos e a liberação de jogadores estrangeiros, que elevou o nível dos elencos. Foram duas sucessivas quedas entre 1981 e 1983, e nos últimos quarenta anos, o time passou uma parte considerável do tempo em divisões inferiores, atravessou um processo de falência e ganhou apenas um título: a Copa Intertoto de 1999, extinto campeonato que dava vaga para a Copa Uefa.
Em 2014, depois de uma longa tratativa, o panorama começou a se modificar. Naquele ano, o Bologna foi comprado por um grupo de empresários estadunidenses e canadenses, liderados por Joe Tacopina. O executivo é quase uma superestrela da advocacia em Nova York, e vive fazendo aparições em canais de notícias do país ou dirigindo sua Maserati. Tacopina quase comprara o time em 2008, mas desistiu na última hora; posteriormente, fez parte do grupo que adquiriu a Roma em 2011, e foi seu vice-presidente. Se demitiu em 2014 para poder adquirir e controlar o Bologna.
Seu braço direito foi Joey Saputo, que lidou com toda a negociação entre a nova sociedade, a antiga e a prefeitura de Bolonha. Saputo é um empresário canadense, dono de uma franquia na Major League Soccer, o Montréal Impact, e sempre foi o sócio que daria estabilidade financeira a esta nova gestão.
Entretanto, o papel de presidente do time era de Tacopina, e isso começou a gerar embates sobre qual o rumo que o time deveria tomar. A cisão foi escalando até um ponto de ruptura apenas um ano depois da aquisição do Bologna. Ali, o estadunidense anunciou sua demissão como presidente do clube, e teve o cargo preenchido pelo canadense quase que imediatamente. Tacopina acusa Saputo de não ter cumprido os acordos e de ter feito repetidos aportes de capital para diminuir a sua participação societária, e assim, tomar o controle do clube. Logo após sua demissão, o norte-americano comprou o Venezia e é o presidente do time desde então.
Joey Saputo sabia que, ao assumir o controle do Bologna, teria uma nova responsabilidade em comparação a seu time na América do Norte. Afinal, ganharia em termos intangíveis, já que a tradição, história e importância do clube italiano são superiores ao de Montréal. Ao mesmo tempo, administrativamente, precisaria de um grande empenho, pois o Bologna tinha grande dívida e acabara de cair para a Serie B, o que gerava uma drástica diminuição de suas receitas.
Primeiramente, o canadense preparou um ousado plano de investimentos, jamais visto na história do clube. Saputo sabia que deveria fazer aportes de capital consideráveis para colocar o time em posição de não se endividar ainda mais e se reforçar de forma considerável, o que levaria a equipe a se renovar gradualmente. Desde sua entrada, a agremiação emiliana já recebeu investimentos de cerca de 150 milhões de – grande parte para cobrir balanços que ficaram “no vermelho”.
Nos últimos dois anos as receitas do Bologna vêm em alta, mas os gastos em reforços também vêm subindo. O grande exemplo disso foi o recorde de 70 milhões de euros gastos nas janelas de transferências desta temporada: 40 milhões apenas em jovens promessas, como Riccardo Orsolini (adquirido em definitivo, após empréstimo junto à Juventus), Takehiro Tomiyasu e Andreas Skov Olsen. Em questão de vendas, apenas Erick Pulgar foi vendido por uma quantia considerável e custou 10 milhões de euros à Fiorentina.
Com certeza esta não é uma estratégia revolucionária. Também já vimos quais são os riscos que um clube pode correr ao ter de depender de seu dono. Mas, de qualquer forma, depois de alguns ajustes e fugas do rebaixamento nos primeiros anos, o investimento contínuo vem mostrando um resultado relativamente positivo sob o comando de Sinisa Mihajlovic, que colocou o Bologna para brigar por uma vaga na Liga Europa.
Além disso, o Bologna sofria uma falta de modernização do seu setor de futebol, como vários outros times italianos, que ainda têm uma mentalidade antiquada, romântica, com pouco estudo dos negócios e mais voltada à intuição. Entre 2002 e 2014, a equipe teve sete presidentes diferentes, mostrando que a gestão do clube beirava o amadorismo. Saputo adquiriu a agremiação com a expectativa de mudar tais padrões, de forma que ofereceu todo o staff do Montréal Impact à disposição dos rossoblù e se voltou a planejar investimentos em marketing, vendas e todo o business que envolve o futebol moderno.
O diretor de marketing atual, o alemão Christoph Winterling, anunciou poucos meses atrás que o Bologna pela primeira vez iria entrar no mercado chinês via redes sociais, com conteúdos específicos para o público asiático, o que demonstra uma grande diferença de mentalidade negocial em relação ao marketing da equipe de alguns anos atrás. Sua atuação é tão significativa que existem boatos de que o Liverpool pode tentar atrair o executivo para a Inglaterra na próxima temporada.
Obviamente o time não tem meios de competir com a Juventus de Cristiano Ronaldo ou a Inter de Lukaku. Sabendo disso, a diretoria descobriu uma maneira inteligente de lidar com a situação: mostrar a singularidade da equipe emiliana. Atualmente, o Bologna aposta em reforçar as suas raízes com a região, criando promoções para os estudantes da Universidade de Bolonha em praticamente todos os jogos e sempre vinculando sua imagem ao estádio Renato Dall’Ara, já um ícone da cidade de Bologna e do futebol italiano.
Como já escrevemos aqui anteriormente, o histórico campo do Bologna tem quase cem anos de funcionamento, fica apenas a três quilômetros de distância do centro histórico da cidade e tem uma arquitetura única. Uma soma de fatores que pode ajudar o setor de marketing em sua empreitada para mostrar como os felsinei são únicos.
O plano de modernização do estádio já é uma realidade e, segundo o presidente, nos próximos quatro anos deverá sair do papel. Ao mesmo tempo que o novo estádio acaba com a pista de corrida e cobre todos os assentos disponíveis (hoje, apenas a tribuna de honra é coberta), grande parte da arquitetura antiga da parte externa será mantida e a identidade da histórica arena ficará intacta.
Atualmente, os times italianos precisam urgentemente rever a situação de seus estádios, que são desconfortáveis para os padrões atuais e não incentivam o torcedor a largar o pay per view para assistir aos jogos in loco. Além disso, geram pequeníssima receita para as equipes. Neste quesito, o Bologna caminha a passos largos para ganhar uma grande vantagem sobre seus rivais.
Em termos estritamente futebolísticos, o que podemos afirmar é que o plano de Saputo não é excepcional, mas é louvável. Mihajlovic salvou o time da queda na temporada passada e encerrou a Serie A em 10º lugar, colocação mais alta do time desde a chegada da administração norte-americana. O sérvio também fez o time praticar um futebol que os torcedores rossoblù não viam há algum tempo. Ele é ajudado por Marco Di Vaio, ex-atacante que jogou no Bologna e depois no Impact, e Walter Sabatini, conhecido por fazer grandes descobertas em mercados pouco badalados. Respectivamente, eles são responsáveis pelo setor de olheiros e pela coordenação técnica tanto do clube italiano quanto do canadense.
Isso pode parecer estranho à primeira vista, mas a relação entre os dois times é orgânica e parte do princípio do reconhecimento da necessidade de ambos. O Bologna tem urgências específicas e precisa de bons jogadores, já prontos para a Serie A, enquanto o Montréal Impact precisa de atletas baratos, uma vez que a MLS funciona com um sistema de teto salarial. Assim, o Bologna empresta atletas jovens para o time canadense enquanto o Impact forma uma grande rede de talentos por toda a América do Norte, deixando-os prontos para irem à Europa e “alimentarem” o irmão italiano.
Podemos discutir sempre quais são os planos de investimento de um clube, qual será sua gestão ou se ele irá se modernizar ou não. A atual diretoria do Bologna avisou na primeira coletiva de imprensa que pretende restaurar as glórias do time rossoblù, reformar seu estádio e construir algo que irá durar por vários anos. Mas o princípio mais importante – e que vale para todos os casos de modelo de gestão futebolística já mencionados na Calciopédia – é que aquele executivo que se planejar bem e tiver paciência, terá o que deseja. Por enquanto, os veltri estão conseguindo.