Não houve disputa – e até Paolo Maldini, diretor do Milan, foi enfático ao dizê-lo. Nesta terça, 16 de maio, a Inter voltou a atuar melhor do que o Diavolo e, correndo pouquíssimos riscos, venceu o adversário mais uma vez pelas semifinais da Champions League. Com a vitória por 1 a 0 e um placar agregado de 3 a 0 ante o rival local, a equipe nerazzurra se classificou para a decisão do maior torneio de clubes da Europa, que não jogava havia 13 anos. Em Istambul, na Turquia, enfrentará Manchester City ou Real Madrid.
A inesperada falta de competição no Derby della Madonnina, um dos mais nobres e acirrados do futebol mundial, começou a ser construída com a sólida vantagem que a Inter construiu, em apenas 11 minutos do jogo de ida com o Milan. A equipe de Simone Inzaghi manteve essa dianteira até o apito final e tornou a missão dos comandados de Stefano Pioli muito complicada.
Em 90 minutos, os rossoneri precisariam fazer pelo menos dois gols – e não sofrerem nenhum – contra uma Inter que passara sete dos 11 compromissos anteriores da Champions League sem ser vazada. Uma rival que fora capaz de lhe negar a alegria das redes balançadas nos três confrontos anteriores, todos terminados com triunfos dos nerazzurri. E isso precisaria ser feito em um momento de contraste entre as equipes: de um lado, um Milan em má fase e atolado em dúvidas; do outro, uma Beneamata em ascensão na reta final da temporada. Os obstáculos do Diavolo eram técnicos, táticos e psicológicos.
Nos minutos iniciais do Derby della Madonnina válido pela volta das semifinais, o Milan até mostrou disposição e força para escalar a montanha. Aos 6, Hernandez experimentou uma bomba cheia de efeito, que passou por cima do gol, e, aos 11, Tonali encontrou Díaz no centro da área, após fazer jogada pela esquerda. O espanhol estava sozinho na altura da marca do pênalti e tentou colocar no canto, mas Onana saltou para segurar a bola e mostrou que os rossoneri precisariam fazer algo especial se quisessem superá-lo nesta noite.
Após o susto inicial, justificado pelo ímpeto do Milan, a Inter conseguiu levar o jogo do jeito que queria. A Beneamata mantinha a defesa muito bem postada, mas não tão baixa a ponto de chamar o rival para o seu campo nem tão alta para permitir que Rafael Leão tivesse espaço para progredir em transição. Inclusive, dali até o apito final, os rossoneri criaram apenas uma chance clara, e com o português. Aos 38 minutos, o craque do Diavolo dividiu no alto com Darmian e se deu melhor, ficando com o vácuo deixado pelo italiano para acelerar: depois de driblar Acerbi, contudo, finalizou para fora.
A bem da verdade, a Inter, ainda que só atacasse com cautela, teve mais chances perigosas do que o Milan e Maignan trabalhou muito mais do que Onana. Logo aos 13 minutos, o francês fez uma defesaça no contrapé, em chute de Barella – o lance foi invalidado por impedimento, mas a posição de Dzeko, na origem da jogada, parecia legal. Já aos 39, aliás, o bósnio deu uma casquinha venenosa na bola, completando levantamento de Çalhanoglu, e obrigou o camisa 16 rossonero a fazer um milagre.
No restante do primeiro tempo, o que se viu foi uma verdadeira batalha. Choviam entradas fortes dos dois times – um pouco mais ríspidas pelo lado do Milan –, embora o árbitro Clément Turpin preferisse levar tudo na conversa. O francês só foi tirar o cartão amarelo do bolso após 27 faltas, aos 56 minutos de jogo, e o mostrou a Thiaw. No fim das contas, 37 infrações foram cometidas, quatro jogadores rossoneri e dois nerazzurri foram advertidos, mas o número total de punidos deveria ter sido bem maior.
Por conta da arbitragem permissiva de Turpin, costumava levar a melhor quem chegava mais forte nas divididas. E, assim, o franzino Díaz e o opaco Junior Messias foram se desconectando do jogo com o passar do tempo. Giroud não recebeu uma bola digna de ser finalizada em toda a partida e Rafael Leão, visivelmente longe de estar 100% fisicamente, lutava em vão. Pela Inter, a última linha não cometia erros e Barella era muito hábil em roubar posses e construir jogadas. Çalhanoglu e Brozovic, que entrou no lugar do lesionado Mkhitaryan, no fim da primeira etapa, ditavam o ritmo da equipe.
O tempo ia passando, o Milan não conseguia alterar o cenário do jogo e Pioli também não fazia alterações – mexeu no time aos 64 minutos, quando Thiaw se lesionou e deu lugar a Kalulu. Inzaghi, então, mudou para matar o confronto: aos 66, sacou Dimarco e Dzeko, proporcionando as entradas de Gosens e Lukaku. A dupla criaria a primeira jogada perigosa da segunda etapa. A ação definitiva, concluída aos 74.
Tudo começou com Gosens, que encontrou Martínez mesmo entre dois marcadores; depois, Lautaro trocou passes com Lukaku, com o alemão acompanhando a jogada e dando opção à dupla. A ação nem foi muito rápida, mas a defesa do Milan ficou tonta: desnorteados, Calabria e Kalulu não deram botes certos, enquanto Krunic sequer tentou roubar a bola do belga. Para completar, Tomori e Hernandez ficaram parados no centro da área e deram condição ao argentino, que chutou forte e superou Maignan. Normalmente impecável, o francês não conseguiu pegar o arremate de canhota, que passou entre ele e a trave.
Foi o oitavo gol de Lautaro em 14 aparições no Derby della Madonnina. Entre os atletas em atividade, o argentino só marcou menos vezes do que Zlatan Ibrahimovic (10) no clássico. Sexto maior artilheiro do confronto, Martínez é o quarto maior carrasco do Milan e o único que ainda pode aumentar a conta.
Conhecendo sua história no Derby della Madonnina e o peso de seu gol, Lautaro correu para a Curva Nord e se apoiou na parede de vidro que separa os torcedores do gramado, para comemorar junto com eles. O gesto foi muito similar ao realizado por Graziano Bini, lendário capitão nerazzurro, na partida de volta das semifinais da Copa dos Campeões de 1980-81, quando a Inter venceu o Real Madrid por 1 a 0 – embora não tenha conseguido reverter o 2 a 0 construído pelos merengues na ida. Na mesma fase da competição e também com a faixa no braço, o argentino produziu uma imagem que entrará para o rol de grandes momentos da Beneamata.
Se a celebração de Bini representou o orgulho de defender a equipe mesmo se um objetivo não for cumprido, a de Lautaro honrou um final feliz. Um desfecho que, aliás, poderia ter sido ainda mais radiante para o argentino. Aos 78 minutos, ele dominou um lançamento de Onana, viu Maignan adiantado e tentou encobri-lo, mas o francês colocou para escanteio.
Ali, o Milan já dava sinais de que não teria mais condições de reagir. Pioli decidiu mexer só depois do gol, sacando Messias e Díaz para dar minutos a Origi e Saelemaekers, mas a sensação era a de que já havia jogado a toalha: terminou o duelo com duas substituições por fazer, deixando Rebic e De Ketelaere no banco.
As opções pouco animadoras à disposição de Pioli, em comparação ao material humano que Inzaghi tinha em mãos, demonstram o tamanho da diferença de qualidade entre os elencos de Milan e Inter. Enquanto o técnico nerazzurro decidiu o dérbi com duas peças saídas do banco, o rossonero sequer fez as cinco substituições previstas na regra. Ao fim do jogo, Maldini, diretor esportivo do Diavolo, admitiu a distância entre os rivais.
Esse abismo entre Inter e Milan levou os nerazzurri a obterem marcos históricos com a vitória no Derby della Madonnina. Pela quarta vez em toda a história, a Beneamata superou o Diavolo em quatro jogos seguidos, repetindo o que fizera entre 1932 e 1934 1973 e 194 e 2018 e 2020. E isso só foi por possível graças a dois triunfos na Champions League, competição em que jamais havia vencido o rival citadino.
A noite também foi muito especial para o ala Dimarco. Há 20 anos, ele acompanhou, das tribunas de San Siro, a eliminação da Inter pelo Milan nas semifinais da Champions League e prometeu revanche. Conseguiu a reviravolta como peça fundamental da equipe e, após o apito final, comandou a Curva Nord de dentro do gramado. Na época daquela queda, aliás, o presidente nerazzurro era Massimo Moratti. Aniversariante do dia, o ex-cartola apagou 78 velinhas nos camarotes do Meazza, ao lado de Steven Zhang e outros dirigentes interistas.
É muito curioso notar como a situação da Inter mudou da água para o vinho em 30 dias – o que tornou possível tanta euforia em San Siro e a confirmação da permanência de Inzaghi, por parte do presidente Zhang, para a próxima temporada. Em 15 de abril, a derrota caseira da Beneamata para o Monza atirava fortes dúvidas sobre a continuidade do trabalho do técnico e mesmo sobre o futuro imediato da equipe nas competições que ainda disputa. Desde então, os nerazzurri obtiveram oito vitórias, um empate, classificação para duas finais e conforto no G4 da Serie A. Um notável crescimento num momento crítico e decisivo, que dá confiança para a comunidade interista acreditar que é possível surpreender Manchester City ou Real Madrid em Istambul.