Jogos históricos

No duelo dos Baggios, Dino brilhou e o Parma ganhou a Copa Uefa ao bater a Juventus

Juventus e Parma. Indiscutivelmente, uma das notáveis rivalidades do futebol italiano na década de 1990. De um lado, a Velha Senhora, historicamente temida e acostumada a ser campeã. Do outro, um clube pequeno, fundado em 1913, que só foi conquistar o seu primeiro grande título em 1992, ao faturar a Coppa Italia em cima da própria Juve – antes disso, o maior troféu alcançado havia sido o da Serie C, em 1954. Foi justamente a partir daquela decisão que se instaurou um célebre antagonismo entre as equipes. O ápice deste enfrentamento ocorreu na temporada 1994-95, quando os dois lados brigaram em todas as frentes, com destaque para uma disputa continental: a da Copa Uefa.

Breve retrospectiva

Antes, é preciso contextualizar a trajetória dos clubes. Graças a um generoso aporte financeiro por parte da Parmalat, empresa de laticínios que patrocinou o Parma a partir de 1987, após o acesso à segundona, o time emiliano viu a sua realidade mudar, e para melhor. Durante o período, os crociati foram treinados por Arrigo Sacchi e Zdenek Zeman, na Serie B. Em 1990, já sob o comando de Nevio Scala, os gialloblù obtiveram a promoção à elite após terminarem o campeonato da divisão de acesso na quarta colocação. Scala armou seu time em um 3-5-2 extremamente compacto, que se tornou sua marca registrada.

Na metade inicial da década de 1990, Parma e Juventus estabeleceram rivalidade por conta da disputa de títulos, como o da Copa Uefa de 1995 (Allsport)

As temporadas seguintes foram férteis, com excelentes campanhas na Serie A – destaque para o terceiro lugar alcançado em 1992-93 – e três taças. O Parma faturou o título supracitado da Coppa Italia, o da Recopa Uefa, em 1993, contra o Royal Antwerp, da Bélgica, e o da Supercopa Uefa, no ano posterior, batendo o Milan de Fabio Capello. Ao longo desse período, passaram pelo clube alguns grandes jogadores, como Cláudio Taffarel, Faustino Asprilla, Tomas Brolin, Dino Baggio, Fernando Couto e Gianfranco Zola.

Através do mesmo recorte temporal, apesar de não ter alcançado o scudetto – foi vice em duas ocasiões, ambas sucumbindo ao Milan, em 1991-92 e 1993-94 –, a Juventus teve uma campanha mágica em 1989-90, vencendo a Coppa Italia e a Copa Uefa, contra Milan e Fiorentina, respectivamente. Em 1992-93, destaque para outro título do segundo principal torneio europeu, ao bater o Borussia Dortmund.

A temporada 1994-95

Em 1994-95, o Parma, buscando aumentar o nível de seu plantel, contratou o defensor português Fernando Couto e foi buscar na Juventus o reforço de Dino Baggio, que passara a ser chamado de “Baggio 2” para não ser confundido com Roberto Baggio, estrela turinense. Gianni Agnelli, proprietário da agremiação bianconera e da Fiat, ironizou a aquisição dos emilianos: “Há anos em que se vender leite te deixa mais rico do que vender carros”, disse, referindo-se às altas cifras por um atleta que ele não tinha em sua mais alta estima.

No Tardini, Robi viu Dino, o outro Baggio, brilhar (imago/AFLOSPORT)

Já a Juve passou por uma mudança em seu comando técnico. Giovanni Trapattoni, que treinara os bianconeri por três anos, em sua segunda passagem pela Velha Senhora, foi para o Bayern de Munique. Para o seu lugar, chegou Marcello Lippi, que viria a se tornar um dos maiores treinadores na história da equipe de Turim.

Lippi tinha a missão de tirar o clube da fila de quase 10 anos sem vencer um scudetto. Para isso, ele queria montar uma equipe mais coesa, ou em outras palavras, menos dependente de Baggio, sua maior estrela. Robi ficou parado por mais de três meses, após sofrer uma lesão no joelho em duelo contra o Padova, no final de novembro. Quem o substituiu foi o jovem Alessandro Del Piero.

Uma palavra que pode definir a disputa, naquele ano, entre bianconeri e gialloblù é equilíbrio. Na Copa Uefa, ambos avançaram à decisão de forma contundente, e apresentando um ótimo futebol. O caminho do Parma foi trilhado com vitórias sobre Vitesse (2 a 1 no placar agregado), AIK (3 a 0), Athletic Bilbao (4 a 3), Odense (1 a 0) e Bayer Leverkusen (5 a 1). A Juventus, por sua vez, deixou para trás CSKA Sofia (8 a 1), Marítimo (3 a 1), Admira Wacker (5 a 2), Eintracht Frankfurt (4 a 1) e Borussia Dortmund (4 a 3).

A Juventus levou o jogo de volta da final para Milão, mas o Parma de Zola conseguiu segurar a vantagem (imago)

O primeiro encontro, realizado no Ennio Tardini, foi decidido por Baggio. Não o Baggio mais famoso, mas por Dino, e logo aos 5 minutos da etapa inicial. O meio-campista aproveitou lançamento magistral de Zola e deu um toquinho para tirar a bola de Michelangelo Rampulla, goleiro bianconero, que saiu em disparada para tentar bloquear a finalização e nada pode fazer. Bem cedo, a Juventus pagava o preço de ter que atuar com uma defesa remendada, com os volantes Alessio Tacchinardi e Luca Fusi improvisados.

A Juventus teve uma boa oportunidade ainda no primeiro tempo, quando Didier Deschamps partiu pela esquerda e rolou para Fabrizio Ravanelli, que arrematou para fora. Nos 45 minutos finais, os visitantes continuaram em busca de igualdade, e por pouco não conseguiram. Gianluca Marocchi, que entrara no lugar de Massimo Carrera, arriscou um petardo da meia-lua, mas Luca Bucci defendeu com extremo reflexo. O arqueiro, aliás, foi o grande responsável pela manutenção do placar. Ele operou um verdadeiro milagre ao impedir um chute de Gianluca Vialli que parecia certeiro, em lance de pura categoria.

A Velha Senhora insistiu e continuou pressionando, mas a bola estava decidida a não entrar. Após o término da partida, alívio para os crociati, que foram a campo com um esquema muito defensivo e garantiram uma vantagem valiosa para o derradeiro duelo, em Milão. Isso mesmo, em Milão. Na época, a Juventus optava por atuar no San Siro nos grandes jogos, como a decisão da Copa Uefa e a semifinal contra o Borussia Dortmund, pelo clima gélido do Delle Alpi, que tinha arquibancadas muito distantes do gramado, e por causa da maior capacidade do estádio lombardo. E, claro, por que não arrecadar um pouco mais?

No segundo tempo, peixinho de Dino Baggio definiu a peleja (Arquivo/Uefa)

Emoção até o fim

A mudança de campo não atrapalhou os bianconeri, que impuseram desde o primeiro minuto a mesma pressão do confronto anterior. As esperanças residiam no poderoso trio de ataque, composto por Baggio, Vialli e Ravanelli.

De cara, os três articularam uma perigosa jogada, que terminou na assistência de Baggio para Vialli. O centroavante tentou finalizar e, depois de um bate-rebate, a bola foi cortada em cima da linha por Alberto Di Chiara. A Juve era sempre perigosa, especialmente pelo lado esquerdo, com Ravanelli ora aberto como um autêntico ponta ora centralizado para formar uma dupla com Vialli.

O plano do Parma era claro: fechar-se ao máximo e partir no contragolpe, em especial com o veloz Asprilla. O colombiano aproveitou uma bola recuperada e puxou um contra-ataque pela esquerda a todo vapor. Stefano Fiore, meio-campista dos ducali, acompanhou o lance, mas não conseguiu aproveitar o ótimo passe do sul-americano, que o deixou em condições de abrir o marcador.

Festa em Milão: o farrista Asprilla puxou as comemorações pelo título do Parma (Allsport/Getty)

Pouco tempo depois, aos 34 minutos, Moreno Torricelli descolou um lançamento do lado direito da defesa para a ponta esquerda do ataque da Juventus, encontrando Vialli às costas do lateral Antonio Benarrivo. O camisa 9 não perdoou e fuzilou, de canhota, para o fundo das redes, sem chances para Bucci. Um golaço, tanto pelo passe quanto pelo chute.

Quando o árbitro belga Frans van den Wijngaert apitou o fim do primeiro tempo, o Parma respirou aliviado. Além do contragolpe puxado por Asprilla, as chances de maior perigo para o clube emiliano foram através de bola parada, com cabeçadas que não tiveram a direção do gol. O panorama se manteve o mesmo no início da etapa final. Torricelli teve a chance de se consagrar quando recebeu passe perfeito de Robi Baggio e saiu na cara de Bucci, mas o camisa 1 crociato salvou.

Por volta dos 54 minutos, o Parma fez duas coisas que ainda não tinha feito naquela tarde: trocar passes pacientemente no campo ofensivo e, obviamente, o gol. O zagueiro Lorenzo Minotti iniciou a jogada pelo lado esquerdo e tocou para Massimo Crippa, que dominou de costas e tocou para Asprilla, posicionado na faixa central. O camisa 11 percebeu a rápida subida de Roberto Mussi, que entrara no lugar de Benarrivo, e tocou para o defensor, que cruzou na medida para Dino Baggio, posicionado sozinho na pequena área. O meia teve apenas o trabalho de testar a bola para a baliza desguarnecida.

A Copa Uefa de 1995 foi a terceira conquista internacional daquele endinheirado Parma (Allsport/Getty)

Em apuros e jogando contra o relógio nos 30 minutos restantes, os bianconeri partiram com tudo para o ataque e chegaram a marcar com Torricelli, mas o lance foi invalidado por conta de Vialli, que participou da jogada e estava impedido. O Parma resistiu e se defendeu bravamente, com destaques para as atuações soberbas de Fernando Couto e Minotti, que repeliram todas as investidas adversárias e asseguraram que o resultado não mais se alterasse até o apito final. Assim, os emilianos levantavam o terceiro troféu internacional de sua história – e o mais importante deles.

A Juventus ainda teria motivos de sobra para sorrir naquela temporada. No mês seguinte, reencontrou o Parma na decisão da Coppa Italia e, desta vez, se sagrou campeã. Além disso, também faturou o scudetto, interrompendo um jejum que durava desde 1986, e novamente se saiu bem um embate decisivo diante dos gialloblù: quatro dias após a final da Copa Uefa, a equipe de Lippi obteve vitória por 4 a 0, com destaque para três assistências de Roberto Baggio no encontro. Na celebração do título da Serie A, a Velha Senhora se lembrou do lateral-esquerdo Andrea Fortunato, vítima de leucemia em abril daquele ano.

Para o Parma, as derrotas para a Juve após a conquista da Copa Uefa nem foram tão lamentadas. Afinal, o clube, que poucos anos antes estava na terceirona, agora chegava ao seu auge, na temporada mais bem sucedida de sua história: além de atingir as duas finais e ganhar uma delas, terminou a Serie A no terceiro lugar, perdendo o vice para a Lazio apenas no saldo de gols. Era a coroação do trabalho de Scala e de todo um elenco que era capaz de jogar de igual para igual contra qualquer adversário.

Parma 1-0 Juventus

Parma: Bucci; Benarrivo (Mussi), Minotti, Apolloni, Fernando Couto, Di Chiara; Sensini, D. Baggio, Pin; Zola (Fiore), Asprilla. Técnico: Nevio Scala.
Juventus: Rampulla; Carrera (Marocchi), Tacchinardi, Fusi (Del Piero), Jarni; Di Livio, Deschamps, Paulo Sousa; R. Baggio; Ravanelli, Vialli. Técnico: Marcello Lippi.
Gol: D. Baggio (5′)
Árbitro: Antonio Jesús López Nieto (Espanha)
Local e data: estádio Ennio Tardini, Parma, em 3 de maio de 1995

Juventus 1-1 Parma

Juventus: Peruzzi; Torricelli, Porrini, Ferrara, Jarni; Di Livio (Carrera), Marocchi (Del Piero), Paulo Sousa; R. Baggio; Ravanelli, Vialli. Técnico: Marcello Lippi.
Parma: Bucci; Susic, Minotti, Fernando Couto; Benarrivo (Mussi), Crippa, D. Baggio, Di Chiara (Castellini); Fiore; Zola, Asprilla. Nevio Scala.
Gols: Vialli (35′); D. Baggio (54′)
Árbitro: Frans van den Wijngart (Bélgica)
Local e data: estádio San Siro, Milão, em 17 de maio de 1995

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