Antes de mais uma partida pela Coppa Italia, em 1969, o Cagliari descansava concentrado em um hotel. Quatro astros daquele grande time estavam em um dos quartos, jogando baralho, fumando e bebendo, de forma que o rebuliço chamou a atenção de alguém que prontamente foi avisar o técnico Manlio Scopigno da conduta dos atletas, tida como inadequada.
O treinador entrou de uma vez no cômodo com um ar sério, cigarro no boca e cabelos grisalhos que sugeriam dureza. Avistou Enrico Albertosi, Pierluigi Cera, Roberto Boninsegna e Luigi Riva, que já imaginavam algum tipo de punição. Manlio aproximou-se do grupo e sentou-se à mesa perguntando, ao mesmo tempo em que pegava as cartas para fazer a sua mão, se os jogadores se incomodariam se ele também fumasse ali. A festinha acabou em meia hora e, no outro dia, o clube sardo venceu o seu compromisso.
Essa é uma das tantas histórias anedóticas mais conhecidas de Scopigno, técnico italiano que ficou conhecido como filósofo pelas várias respostas inteligentes que concedia nas entrevistas, pelos pensamentos libertários compartilhados com os seus times e, principalmente, pela sua postura contracorrente, fora do padrão, sempre rompendo as expectativas prévias sobre seu trabalho. De certa forma, essa anedota poderia ser mesmo uma epígrafe de qualquer texto sobre a vida do treinador, pois muitos dos jogadores que conviveram com ele afirmam que, para além do seu vasto conhecimento tático, o seu maior trunfo era a liberdade que concedia aos atletas dentro e fora de campo, sempre na dose certa.
Manlio nasceu em 1925, em Paularo, uma pequena comuna italiana localizada na província de Údine, na região do Friuli. Ainda muito jovem, saiu de sua cidade natal com a família, acompanhando o pai, que era guarda florestal e tinha sido transferido para Rieti, no Lácio. E foi lá que o friulano começou a se dedicar aos dois campos que tanto o marcaram durante sua vida: a Filosofia, que cursou na Universidade de Roma, e o futebol, no qual começou nos quadros juvenis do Rieti, conciliando os estudos com o esporte. Pelo clube amarantoceleste, subiu para o profissional e disputou 56 partidas na Serie C entre 1946 e 1948, jogando como lateral.
A boa velocidade e os recursos ofensivos, algo incomum na época para quem jogava na posição, levaram-no à Serie B, onde defendeu a Salernitana por três temporadas seguidas, entre 1948 e 1951. Na equipe da Campânia, fez a maior parte das partidas como titular, anotou seis gols e sofreu quatro. Isso mesmo: em confronto com o Lecce, na 38ª rodada do certame de 1948-49, atuou como goleiro após a lesão de Aldo De Fazio. Substituições não eram permitidas na época, de modo que Scopigno foi improvisado na baliza e levou todos os tentos que sacramentaram o 4 a 0.
Em 1951, teve o ponto mais alto da sua carreira como jogador, quando se transferiu ao Napoli, chamado pelo treinador Eraldo Monzeglio para disputar a Serie A em um bom time – que contava com Mario Astorri, István Mike e o implacável Amedeo Amadei. Entretanto, seria também o início do fim para Scopigno enquanto atleta, porque na sua sexta partida como titular na temporada 1951-52, contra o Como, vivenciou a glória e a queda: teve ótima exibição como meio-campista e anotou um gol na vitória partenopea por 7 a 1, mas sofreu a ruptura dos ligamentos do joelho direito, uma lesão que tinha um tratamento muito difícil naquela época.
Manlio passou o restante de 1952 em tratamento médico e retornou aos gramados no fim do ano, contra o Novara, já pela temporada 1952-53, naquele que seria o seu último jogo em Nápoles. Scopigno não seria mais relacionado: seu físico não era mais o mesmo, nem a sua autoconfiança. Só voltaria aos campos em 1953-54 pelo Catanzaro, na Serie D.
Àquela altura, já findando sua carreira antes mesmo dos 30 anos, Manlio estava tentando se decidir: continuar os estudos de filosofia ou se dedicar ao trabalho como treinador? A paixão pela bola falou mais alto e o jovem Scopigno foi viver uma bela história no futebol, abandonando o curso universitário, mas sem abrir mão do livre pensamento, da sua autenticidade crítica e da boa capacidade de análise. As habilidades conquistadas na faculdade lhe ajudariam no comando técnico.
O início tão promissor quanto polêmico do técnico filósofo
Quando decidiu seguir carreira no futebol, Manlio foi sagaz e retornou às origens, onde provavelmente teria mais chances de comando. No Rieti, entre 1953 e 1955, atuou como jogador-treinador nas divisões amadoras regionais e depois rumou para a Úmbria, onde trabalhou no Todi, de 1955 a 1957. Scopigno passou novamente pelos amarantocelesti e ainda pelo Ortona até, em 1959, ter a grande guinada na carreira como técnico.
A mudança de trajetória ocorreu devido a sua amizade com Roberto Lerici, que conheceu em um curso de treinadores: o amigo estava à frente do Vicenza, na Serie A, e lhe convidou para ser seu assistente no clube biancorosso. A experiência foi de muito aprendizado para Manlio, pois o seu superior fazia um ótimo trabalho e, inclusive, foi eleito como melhor técnico da primeira divisão na temporada 1960-61.
No fim de janeiro de 1962, Lerici foi demitido do cargo e aconselhou os dirigentes do Vicenza a lhe substituírem com Scopigno, que foi efetivado. À frente da nobre provinciana, o técnico friulano deu continuidade ao trabalho que vinha sendo feito por seu amigo e mentor, fortalecendo o núcleo de revelações de um clube que não tinha como fazer grandes contratações.
Assim, continuou dando rodagem a Luigi Menti e Giorgio De Marchi, revelações de meio-campo, bem como às bandeiras locais, tal qual o líbero Giulio Savoini. Naquela temporada, contou também com o retorno de outra boa revelação do clube, o ótimo atacante Sergio Campana, que vinha do Bologna. Além disso, Scopigno imprimiu seu estilo de comando democrático, ouvindo as demandas do vestiário e mantendo boa relação com o elenco, dosando disciplina nos treinos e alguns graus de liberdade.
O próprio Campana, em depoimento ao jornal La Repubblica, comentou sobre os métodos do técnico, certa vez. “Em Vicenza ele nos concedeu liberdade, nunca um controle telefônico noturno. Pense em como ele estava à frente de seu tempo. Ele distribuiu um questionário a todos: com quem você ficaria feliz em dividir o quarto na concentração? Com qual companheiro você sairia de férias? A quem você confiaria um problema extracampo? Ele confiou a braçadeira de capitão aos mais votados”, contou o ex-jogador.
Taticamente, o filósofo também era muito inventivo. Fez Savoini render mais, puxando-o da ala esquerda para o campo defensivo, por exemplo. E, para completar, sabia lidar com o psicológico dos jogadores, como no caso do atacante brasileiro Luís Vinício, que chegou aos lanerossi vindo do Bologna em 1962 e passou um tempo sem conseguir fazer seus gols. Scopigno conversou com Savoini e pediu ao defensor que marcasse o brasileiro de forma mais leve nos treinos. Vinício começou a balançar as redes nos treinamentos e, consequentemente, nas partidas, de forma que chegou a anotar 17 vezes em 1963-64 e se tornou um dos maiores da história do Vicenza.
Foi dessa forma e nesse ambiente que o filósofo voou com a nobre provinciana. De cara, salvou o time do rebaixamento após substituir Lerici e, na sequência, conquistou resultados impressionantes: o sétimo e o sexto lugares nas temporadas 1962-63 e 1963-64, respectivamente. O prestígio de Manlio só aumentava e isso encaminhou a sua contratação pelo forte Bologna, em 1965.
Os rossoblù tinham vencido o scudetto em 1964 e, ao substituir o lendário Fulvio Bernardini, Scopigno teria a primeira grande oportunidade de comandar um time com projeção nacional – e que contava com craques como Giacomo Bulgarelli, Helmut Haller e Harald Nielsen no elenco. Porém, as coisas não saíram como o esperado para o treinador, muito por conta da crise política interna do clube da Emília-Romanha, à época gerido por Luigi Goldoni, empresário que sucedera o falecido Renato Dall’Ara. O presidente agia com mão de ferro nas decisões, o que mostrou quando demitiu Bernardini depois de uma campanha bastante razoável. As relações não foram melhores com Manlio, que mesmo sendo ainda um emergente, tinha personalidade muito forte.
Apesar de ter um bom relacionamento com o elenco e ter sido bem recebido pela imprensa local, Scopigno não colheu bons resultados de imediato. O filósofo também não aliviava nas críticas, como a que fez ao campo da comuna Modigliana, ao dizer que o gramado era infame e que não voltaria ali. A cidade era administrada por um grupo político aliado de Goldoni e a crítica deixou o presidente insatisfeito. A sensação aumentou depois de uma visita de Manlio a Bernardini, que foi encarada como uma afronta pelo gestor. A gota d’água foi a eliminação do Bologna da Coppa Italia, ainda na primeira fase do torneio, contra o Modena.
Em resumo, o friulano não ligava muito para as convenções sociais e não forçaria uma diplomacia com as amizades políticas do presidente – não era do seu feitio andar como se estivesse pisando em ovos. Goldoni chegou a suspeitar inclusive que Manlio fosse comunista e, após a derrota para o Modena, chegou através de um assistente do mandante uma nota de dispensa para o técnico. Na hora, leu o papel e disse uma das suas tantas frases icônicas: “Existem dois erros de sintaxe e um subjuntivo errado”. Depois de apenas seis partidas e muitas polêmicas, encerrava-se a curta passagem do filósofo pela Emília-Romanha. Anos depois, chegou a ser perguntado por um repórter se voltaria a Bolonha e foi taxativo na resposta. “Sim, com um avião bombardeiro”, brincou.
A busca por afirmação em um clube recém-chegado à Serie A: os anos de Cagliari
Em 1966, Scopigno foi contratado pelo Cagliari, que havia disputado a sua primeira Serie A apenas duas temporadas antes e tinha um projeto de garantir a manutenção na elite por um longo período. Era a oportunidade de engrandecimento e até mesmo de redenção tanto para o clube quanto para o treinador. Os casteddu, que fizeram a Sardenha estrear naquela categoria, visavam tornar a região respeitada no futebol local. Mas a situação extrapolava o próprio esporte, já que a ilha era conhecida por ainda não ter um grande parque industrial, o que simbolizava o seu atraso econômico perante as potências do Norte.
Já na temporada 1966-67, Manlio fez várias alterações táticas cruciais para o time. Começando com a sua principal estrela, Riva: estimulou o ponta-esquerda a fazer mais penetrações na pequena área, onde teria mais condições de fazer gols e potencializar a equipe ofensivamente, atuando praticamente como um atacante de área ao lado do ótimo centroavante Boninsegna, recém-chegado. O dedo do técnico foi certeiro, pois Gigi foi o artilheiro do campeonato com 18 gols e Bonimba fez nove, deixando o Cagliari na belíssima sexta colocação na Serie A, a melhor em sua história até aquele momento.
Aquele time tinha ainda em seu elenco o ótimo Cera, um dos maiores ídolos da torcida sarda, que jogava como volante e aprendeu exatamente com Scopigno a atuar também como líbero, garantindo mais segurança defensiva à equipe. Outro destaque da campanha foi o brasileiro Nenê, que até então atuava como ponta-direita. Sob a batuta de Manlio, foi levado para o meio-campo, onde sua velocidade poderia ser aproveitada para dar mais dinamismo ao setor.
Ao fim da temporada, Manlio Scopigno foi recompensado com a renovação do contrato e o Cagliari foi convidado para participar de um tentativa de formação de uma liga nos Estados Unidos – começando com a importação de equipes completas do estrangeiro para a disputa do torneio no verão do hemisfério norte. Ali, mais uma vez, a excentricidade do filósofo e seus posicionamentos fortes seriam aflorados.
O time sardo jogou a competição como Chicago Mustangs e terminou a sua chave na terceira colocação. Na viagem, surgiram algumas reivindicações de atletas que desejavam aumento salarial, enquanto o clube passava por uma situação financeira difícil. A relação com o presidente Enrico Rocca se desgastou quando Manlio defendeu o elenco e azedou de vez em mais um evento anedótico.
Durante uma noite, a equipe foi convidada para jantar na Embaixada da Itália em Washington D.C., onde aconteceria uma festa. O técnico aproveitou a noitada e exagerou na quantidade de whisky, surgindo logo a necessidade fisiológica natural depois de muitas doses. Uma das pessoas presentes brincou com ele e apontou o jardim como banheiro. O filósofo embarcou na troça e foi urinar no local, sendo surpreendido por funcionários da representação diplomática italiana.
Na volta à Sardenha, Scopigno recebeu o merecido prêmio de melhor técnico da temporada anterior e também uma ligação de Rocca, que exigia esclarecimentos sobre a famigerada noite na embaixada. O mandatário casteddu recebeu do friulano a seguinte resposta: “Vamos, presidente, se apresse, estou com a sopa no prato e não gostaria de deixá-la esfriar”. No dia seguinte, o filósofo estava demitido.
Manlio passou a temporada 1967-68 sem trabalhar, mas recebendo salários pagos pelo presidente da Inter, Angelo Moratti, que o enxergava como sucessor de Helenio Herrera. Scopigno, porém, nunca comandou a gigante da Lombardia. No verão de 1968, o Cagliari mudou de mandatário e Efisio Corrias, novo máximo dirigente, convidou o técnico para voltar ao clube e retomar o grande projeto que havia iniciado dois anos antes. O friulano aceitou.
O mágico biênio 1968-70 na Sardenha
Para a temporada 1968-69, foram montadas as bases de um grande time rossoblù. Permaneceram os bons jogadores dos anos anteriores (Ricciotti Greatti, Cera, Nenê e o mágico Riva) e a eles se juntaram reforços que seriam importantíssimos ao longo dos anos seguintes, como o ótimo goleiro Albertosi, o lateral Giulio Zignoli, o meia-atacante Mario Brugnera e o líbero Giuseppe Tomasini. Com o filósofo no comando de tantos talentos, o Cagliari conseguiu um feito extraordinário, alcançando a segunda colocação na Serie A daquele ano, apenas quatro pontos atrás da campeã Fiorentina, e também o vice da Coppa Italia.
Os resultados, antes inimagináveis, se tornaram um salvo-conduto para os sardos irem além. As coisas ficam ainda melhores quando o clube conseguiu realizar uma negociação certeira: Boninsegna foi vendido para a Inter por 220 milhões de liras e o passe de reforços preciosos: o versátil atacante Angelo Domenghini e o centroavante Sergio Gori, vindos justamente da equipe de Milão. Agora Manlio tinha muitas opções no elenco e montou um esquema tático que trouxe um padrão de jogo invejável para o Cagliari.
Para a temporada 1969-70, Scopigno formou uma espécie de 1-3-3-3, que garantia ao mesmo tempo consistência defensiva e um forte ataque. No gol, estava Albertosi, que costumava fazer grandes defesas quando exigido. No esquema de Manlio, Tomasini era um líbero com grande habilidade na sobra e boa saída de bola, jogando atrás de uma trinca de defensores formada por dois laterais (o seguro Mario Martiradonna pela direita e o criativo Zignoli pela esquerda) e um zagueiro central que fazia o simples, na figura de Comunardo Niccolai.
A defesa era ainda protegida pelo volante e capitão da equipe, Cera, que também atuou como líbero após lesão de Tomasini, com grande habilidade de alternar bons passes e visão de jogo com boa marcação defensiva junto a Niccolai. O setor de criação no meio-campo era sustentado pelo habilidoso Nenê e pelo maestro e camisa 10 Greatti, que faziam a ligação com a poderosa trinca de ataque, formada pelos pontas Gigi Riva e Domenghini e pelo centroavante Gori.
O plano de jogo de Manlio funcionou perfeitamente. Os sardos emendam uma sequência inicial de 11 duelos invictos, que lhes garantiu uma segura liderança no campeonato até uma partida ameaçar a boa fase: na 12ª rodada, contra o Palermo, em confronto difícil, os rossoblù foram derrotados por 1 a 0 pelos sicilianos. Ao fim da peleja, indignado com a anulação de um gol marcado por Riva, o técnico friulano, já tendo sido expulso durante o embate, foi até o auxiliar e o manda enfiar a bandeirinha naquele lugar. O fato foi relatado na súmula e o treinador pegou uma suspensão pelo restante da temporada.
Além disso, um mês depois, Tomasini, um pilar da equipe, se lesionou. Parecia ser o início de uma sequência de revezes, mas a sangria foi rapidamente estancada. O próprio Manlio, com suas brilhantes ideias, tratou de amenizar as perdas, colocando Cera para atuar como líbero, inserindo Brugnera na composição do meio-campo e relativizando filosoficamente a sua suspensão. “Um técnico de pouco serve no banco de reservas, a gente vê melhor o jogo da arquibancada”, afirmou. O clima foi estabilizado, as vitórias continuaram sendo obtidas e o time voou.
Com um ótimo e equilibrado padrão de jogo, além de completo domínio do vestiário, Scopigno levou o Cagliari ao inacreditável título de campeão da Serie A, com estatísticas impressionantes. Era o primeiro título de um clube do sul do país e de uma região até então inexpressiva no panorama esportivo nacional e desprezada pelo resto da Itália. O Napoli, por exemplo, já tinha uma trajetória consolidada na elite e havia ficado bem mais vezes entre os quatro melhores colocados, mas o feito pertenceu à Sardenha, de forma que a vitória foi tratada mais como um título da ilha do que do próprio time. Gigi Riva disse que, a partir dali, não fazia mais sentido dizer que ela era um berço de “bandidos e pastores”.
De acordo com a própria esposa de Manlio, Angela Scopigno, aquele título trouxe impactos muito positivos para a região, como explicou em entrevista para a Gazzetta dello Sport. “A Sardenha até o início dos anos 1960 era considerada um mundo distante e, afinal, um pouco atrasado no imaginário coletivo. Mais tarde, naquelas décadas, suas belezas começaram a ser descobertas, inicialmente por uns poucos eleitos e depois por um número cada vez maior de pessoas”, afirmou. “O título foi um motor cultural e, depois, também de investimentos. Toda uma população viveu com orgulho o feito esportivo mas, o mais importante, acho que foi esse talho positivo produzido por aquela equipe. Pensar que Manlio estava dirigindo me enche de satisfação”, contou.
E, de fato, a elevação da autoestima da população sarda e o tom de resposta às humilhações e aos estigmas sociais criados pela população do norte foram extravasados nas comemorações do título: torcedores carregaram pelas ruas caixões dos gigantes do país, e organizaram festas em uma comemoração que durou uma semana. Angela Scopigno estava certa ao se referir aos investimentos, que realmente aconteceram após o título, principalmente no setor do turismo, o que proporcionou crescimento econômico local. Manlio estava também coberto de razão ao afirmar que aquele título “equivalia a cinco por times de Milão ou Turim”, porque ele certamente significou bem mais do que um troféu.
Futebolisticamente, o feito ainda foi repleto de saldos extraordinários: O Cagliari se tornou o único time de uma das ilhas do país a vencer um scudetto e não de qualquer forma, pois a campanha foi irrepreensível. Foram 30 jogos, com 17 vitórias, 11 empates e apenas duas derrotas, com 42 gols anotados e apenas 11 sofridos, com uma defesa que só foi vazada em 10 dos 30 confrontos da Serie A – o que demonstra o quanto o equilíbrio entre defesa forte e ataque eficiente do plano tático de Manlio foi concretizado em campo.
Após a grande obra, o descanso
Depois do extraordinário título, a temporada 1970-71 começou tranquila para o Cagliari, que manteve a base campeã e iniciou bem a Serie A, com três vitórias e um empate nas quatro primeiras partidas. Contudo, a lesão de Gigi Riva frustrou os planos de Manlio, que tinha na estrela o principal bastião do seu time. Os maus resultados começaram a vir e, ao fim do certame os sardos, ficaram na sétima posição.
Em 1971-72, Scopigno fez mais um excelente trabalho no comando técnico, ao deixar o Cagliari na quarta posição na tabela da Serie A e, em seguida, a própria ilha. Manlio tirou um ano sabático e, depois, recebeu um convite para trabalhar na Roma na temporada 1973-74, mas a passagem pela capital não lhe rendeu bons resultados. A pressão era muito forte na Loba e o treinador resistiu por apenas 10 jogos: quatro empates implicaram em eliminação precoce na Coppa Italia e as quatro derrotas nas seis rodadas iniciais do Campeonato Italiano lhe fizeram ser mandado embora.
Manlio voltou ao Vicenza na temporada 1974-75, mas não conseguiu evitar o rebaixamento da nobre provinciana para a Serie B. O friulano permaneceu no comando dos berici, mas se afastou do cargo por uma doença que o deixou meses acamado. Recuperou-se em 1976, mas decidiu pendurar a prancheta com apenas 50 anos de idade.
Durante sua aposentadoria, já com a saúde debilitada, dedicou a vida à família e aos divertimentos: livros, arte contemporânea e cinema neorrealista. A sua morte aconteceu em 1993, ocasionada após dois ataques cardíacos. Autor intelectual de um feito até hoje só alcançado por um outro clube – o Napoli, que também pertence ao sul italiano e foi bicampeão da Serie A – e tendo trazido uma forte contribuição para a superação do preconceito para com uma região inteira, Scopigno é considerado como o maior técnico da história do Cagliari e foi inserido no Hall da Fama dos casteddu. O friulano também recebeu uma homenagem onde tudo começou: em Rieti, o nome do treinador passou a integrar oficialmente a alcunha do estádio local, conhecido antes de 2005 apenas como Centro d’Italia.
Manlio Scopigno
Nascimento: 20 de novembro de 1925, em Paularo, Itália
Morte: 25 de setembro de 1993, em Rieti, Itália
Posição: lateral e meio-campista
Clubes como jogador: Rieti (1946-48), Salernitana (1948-51), Napoli (1951-53) e Catanzaro (1953-54)
Clubes como treinador: Rieti (1953-55 e 1957-58), Todi (1955-57), Ortona (1958-59), Vicenza (1962-65 e 1974-76), Bologna (1965-66), Cagliari (1966-67 e 1968-72), Chicago Mustangs (1967) e Roma (1973)
Título como treinador: Serie A (1970)