Jogos históricos

Em 2007, Zlatan Ibrahimovic ofuscou seu ídolo Ronaldo e deu o Dérbi de Milão para a Inter

Se você acompanha futebol italiano há alguns anos, provavelmente já viu um vídeo de Zlatan Ibrahimovic admirando seu maior ídolo no esporte, Ronaldo, durante um Derby della Madonnina. O sueco nunca escondeu que o Fenômeno era sua referência dentro de campo. O que algumas pessoas não sabem é que Ibra e Ronaldo foram os protagonistas daquele jogo, marcado pelo olhar venerado do então atacante interista para o brasileiro, à época a contratação mais badalada do Milan na temporada. Em etapas distintas da carreira – um em ascensão, o outro, em declínio –, os dois balançaram as redes e mexeram com o ânimo dos torcedores presentes em San Siro.

Inter e Milan tiveram sucesso na temporada 2006-07. Os nerazzurri nadaram de braçada na Serie A e ganharam o scudetto após alcançarem incríveis 97 pontos – um recorde que só seria superado em 2013-14, com os 102 pontos da Juventus. Já o Diavolo, que começara o campeonato com oito pontos a menos devido ao esquema Calciopoli, se vingou do Liverpool e conquistou sua sétima taça da Champions League.

No turno inicial da Serie A 2006-07, a dupla de Milão disputou uma das partidas mais frenéticas da temporada: um 4 a 3 a favor da Inter. Para o dérbi do returno, o Milan queria dar o troco e contava com um elemento a mais para tentar fazê-lo: Ronaldo. Contratado junto ao Real Madrid na janela de janeiro, o centroavante reencontraria a Beneamata pela primeira vez desde que deixara a Itália, em 2002. E seu objetivo era ativar a lei do ex justamente com a camisa rossonera.

Os rivais milaneses chegaram ao jogo em situações opostas tanto na Serie A quanto na Liga dos Campeões. No certame nacional, a Inter já estava isolada na ponta e pronta para soltar o grito de campeã, mas vinha de eliminação na competição continental. Totalmente sem chances de título via campeonato, o Milan, por sua vez, figurava fora do G4 e concentrava suas atenções na Champions League, onde havia deixado o Celtic pelo caminho para avançar às quartas de final.

Em seu primeiro encontro com a Inter, Ronaldo fez valer a lei do ex contra os nerazzurri (AFP/Getty)

O clima pré-jogo

Antes de os jogadores entrarem em campo para um raro clássico disputado numa tarde de domingo, as torcidas trocaram provocações. Na transmissão da Sky Sport 1, canal que exibiu o jogo para a Itália, as câmeras de TV mostraram faixas de interistas zombando do peso de Ronaldo. Já os milanistas tiravam sarro da recente eliminação dos rivais na Liga dos Campeões. Cinco dias antes do dérbi, a Beneamata viu o Valencia avançar às quartas de final devido ao gol qualificado: 2 a 2 no Giuseppe Meazza, 0 a 0 no Mestalla.

Dentro das quatro linhas, jogadores de alto nível trajavam os uniformes dos dois maiores clubes de Milão. A Inter havia qualificado seu elenco antes do início da temporada 2006-07, com as chegadas de jogadores do nível de Maicon, Maxwell, Fabio Grosso, Olivier Dacourt, Patrick Vieira, Hernán Crespo e Ibrahimovic. Tais aquisições ajudaram uma equipe que já era forte a dar um salto e conquistar todas as competições nacionais nos anos seguintes.

O Milan, por sua vez, mantinha uma base forte das temporadas anteriores, mesmo com as saídas das referências Jaap Stam, Rui Costa e Andriy Shevchenko – maior artilheiro do dérbi de Milão, com 14 gols, diga-se de passagem – no início de 2006-07. As contratações de Ronaldo e Massimo Oddo, na janela de janeiro, potencializaram um plantel que já era estrelado. Sem poder disputar competições europeias, visto já que havia jogado a fase de grupos da Champions pelo Real Madrid, o atacante brasileiro foi o centro das atenções no Derby della Madonnina do segundo turno daquela Serie A.

Cruz precisou de apenas 17 segundos em campo para empatar o Derby della Madonnina (AFP/Getty)

Longe da melhor forma física, Ronaldo foi escalado como titular por Carlo Ancelotti, que não podia contar com Filippo Inzaghi, combalido pela gripe, e optou por deixar Alberto Gilardino e Ricardo Oliveira no banco. O baixinho Iván Córdoba e o grandalhão Marco Materazzi seriam os responsáveis por frear o camisa 99 rossonero. A linha defensiva, porém, estava desfalcada do lateral-direito Maicon, suspenso, e Roberto Mancini escolheu Nicolás Burdisso para fechar o setor, com Javier Zanetti logo à frente. Grosso, e não Maxwell, faria o outro flanco da retaguarda. Esteban Cambiasso, Vieira e Adriano também não tinham condições de atuar no grande confronto. Pelo Milan, Alessandro Nesta, Kakha Kaladze e Serginho estavam lesionados.

Ronaldo aplica a lei do ex

A Beneamata demonstrou mais ímpeto no começou do jogo. Crespo, em um chute rasteiro de fora da área, sem muita força, colocou Dida para trabalhar. Ibra era um dos jogadores mais participativos durante o primeiro tempo, visto que aparecia em todas os lugares do ataque. “Na Inter, Mancini me deixava livre para criar”, destacaria o atacante, em seu segundo livro biográfico, Adrenalina, anos mais tarde. Mas o camisa 8 não teve chances de marcar na etapa inicial. Crespo, por outro lado, ficou com a bola dominada e livre dentro da área, mas a finalização de esquerda não saiu da melhor maneira e foi para fora.

Já o Milan quase não chegava com perigo à meta de Julio Cesar. O goleiro, na verdade, mais observava seus companheiros ameaçando a meta do compatriota Dida do que sujava o uniforme com defesas difíceis. Aos 17 de jogo, Mancini precisou mexer: Grosso sentiu um estiramento muscular e acabou deixando o campo para a entrada de Maxwell. Cinco minutos depois, o Diavolo marcou presença no ataque, quando Andrea Pirlo teve espaço na entrada da área e finalizou no meio do gol, parando no arqueiro nerazzurro, que espalmou à linha de fundo.

Iluminando no clássico de Milão, Cruz quaseanotou uma doppietta e participou do gol da virada (AFP/Getty)

Aos 30 minutos, houve um lance polêmico. Ibrahimovic driblou Daniele Bonera dentro da área e caiu após um suposto toque por baixo do contestado defensor milanista. O árbitro Nicola Rizzoli, no entanto, interpretou como simulação do sueco e lhe puniu com cartão amarelo. Da outra extremidade do campo, Ronaldo recebia muitas vaias da torcida nerazzurra quando tocava na bola. Quando recebeu passe de Kaká e, em posição irregular, tocou para o fundo das redes, o assistente levantou a bandeira e anulou o gol – para a felicidade dos interistas.

Perto do intervalo, Luís Figo criou a melhor chance de gol da Inter no primeiro tempo. O português ganhou o duelo pessoal com Oddo, canetou o lateral e arrematou, buscando o segundo poste, mas a bola saiu pela linha de fundo. O lance até fez o então presidente do clube, Massimo Moratti, se agitar nas tribunas do San Siro.

Poucos minutos depois, o Milan deu a resposta e abriu o placar. Kaká, próximo à linha lateral pela esquerda, girou para cima de Dacourt, carregou a bola pelo meio e a passou para Gennaro Gattuso. O camisa 8, então, tocou para Ronaldo, que dominou, levou a redonda para a perna canhota e soltou um tiro rasteiro, sem chances para Julio Cesar. Na comemoração, colocou as mãos atrás da orelha, em um gesto de desabafo pelas vaias que estava ouvindo.

Ibracadabra: em tarde mágica, o sueco superou Ronaldo, seu ídolo de infância, e deu vitória à Inter (AFP/Getty)

Ibra e Cruz viram o jogo

Na volta dos vestiários, Mancini foi obrigado a realizar mais uma alteração. Dacourt, que terminou o primeiro tempo mancando e reclamando de dor no tornozelo direito, foi substituído pelo zagueiro Walter Samuel. Não era uma boa notícia para a Inter, que já estava desfalcada de vários jogadores importantes e acabara de queimar sua segunda alteração por lesão no dérbi. E tudo isso precisando correr atrás no placar. A partida recomeçou, entretanto, com a Beneamata mais presente no campo de ataque. Ibrahimovic, quase sem ângulo, mandou uma bomba de direita, mas Dida foi esperto para impedir o tento.

Kaká era o jogador mais calibrado do Milan. O brasileiro se encontrava em uma fase mágica e carregava o time rossonero para o ataque, arrastando defensores e sofrendo faltas. Em uma das jogadas construídas pelo camisa 22, Gattuso quase ampliou a vantagem, após receber passe de Ronaldo. O chute do volante saiu à direita da meta interista. Mancini não gostou da chegada do Diavolo e preparou sua última carta na manga: trocar Crespo por Julio Cruz. A estrela do técnico brilhou e, 17 segundos depois de pisar no gramado, o bomber empatou o dérbi.

Ibrahimovic arrancou pela ponta direita, fez Paolo Maldini parecer um defensor comum e cruzou para a pequena área. Dida desviou, tirando Oddo da trajetória da bola, e Cruz encheu o pé direito. O gol fez explodir o estádio, que tinha mando da Beneamata. Minutos depois do tento, o centroavante quase anotou uma doppietta. Massimo Ambrosini deu um presentaço a Maxwell, que foi à linha de fundo e levantou na área, encontrando o argentino livre: ele tocou de calcanhar e por pouco não meteu um golaço – a pelota saiu por cima da meta.

Com o empate, a Inter cresceu no jogo, e Ancelotti notou que precisava fazer algo para não deixar seu time amolecer. Por isso, o técnico milanista deu gás novo à equipe com as entradas de Cafu e Gilardino nas vagas de Oddo e Clarence Seedorf, respectivamente. Contudo, quem encontraria as redes novamente seria a Beneamata. Córdoba cobrou lateral para Cruz, que dividiu de cabeça com Ambrosini, ganhou a disputa física com Marek Jankulovski e rolou para Ibrahimovic. O sueco chapou rasteiro e, assim como no primeiro turno, feriu o Milan.

A fim de evitar a derrota em mais um Derby della Madonnina, Ancelotti colocou o jovem Yoann Gourcuff em campo no lugar de Gattuso, mas a substituição não surtiu efeito. A Inter tornou o jogo mais físico nos minutos finais de jogo e cometeu muitas faltas. Porém, aguentou a pressão rossonera até o derradeiro apito de Rizzoli e festejou mais um triunfo sobre o rival citadino. Assim, a Beneamata voltava a vencer o clássico nos dois turnos da Serie A depois de 23 anos de jejum.

Inter 2-1 Milan

Inter: Julio Cesar; Burdisso, Córdoba, Materazzi, Grosso (Maxwell); Zanetti, Dacourt (Samuel), Stankovic; Figo; Ibrahimovic, Crespo (Cruz). Técnico: Roberto Mancini.
Milan: Dida; Oddo (Cafu), Bonera, Maldini, Jankulovski; Gattuso (Gourcuff), Pirlo, Ambrosini; Seedorf (Gilardino), Kaká; Ronaldo. Técnico: Carlo Ancelotti.
Gols: Cruz (54′) e Ibrahimovic (75′); Ronaldo (40′)
Árbitro: Nicola Rizzoli (Itália)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 11 de março de 2007

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