Na cabeça de qualquer fã de futebol, é impossível desassociar Alcides Ghiggia da Copa de 1950. Ao se ouvir o nome do uruguaio, as primeiras imagens que vêm à cabeça são de seu memorável chute cruzado à meta do goleiro Barbosa. Chute este que levou os brasileiros às lágrimas, e o alvoroço do Maracanã ao mais fúnebre silêncio. Discorrer sobre o impacto do lance é chover no molhado, e vale, aqui, abordar a sua passagem pela Bota, iniciada três anos depois da final que lhe garantiu vida eterna na história do esporte.
Tendo iniciado sua carreira na década de 1940, é bastante difícil saber ao certo como foi a vida profissional de Ghiggia antes de assinar com o Peñarol, em 1948. Lá, porém, ele se destacou: o clube, campeão nacional invicto de 1949, formou a base da seleção na Copa do Mundo do ano seguinte. Dentre os titulares, cinco ou seis vinham dos aurinegros de Montevidéu.
O ponta-direita ainda conquistaria os campeonatos de 1951 e 1953. No último título, sua presença foi bem menor. Espaço para lendas: uns dizem que Ghiggia foi agredido por brasileiros e que isso o tirou dos gramados por um tempo longo, e outros afirmam que ele batera num árbitro e, portanto, sofria punição. Fato é que Ghiggia aceitou a oferta da Roma e, ainda em 1953, desembarcou na capital italiana.
De volta à Serie A depois de ter sofrido sua primeira e única queda em 1951, a Roma queria retomar os sucessos da década anterior. Para isso, mudou sua casa para o recém reformado Estádio Olímpico, à época apelidado de Stadio dei centomila (Estádio dos cem mil) devido à sua capacidade.
Faltava futebol, porém, para fazer o clube brigar pelo scudetto. Eram poucos os jogadores de alto nível na equipe, sendo o habilidoso Ghiggia um deles. Além do uruguaio, Dino Da Costa e Giacomo Losi se notabilizavam neste período. O primeiro, atacante carioca, mantém recorde com Marco Delvecchio de maior número de gols no dérbi romano: nove. O ainda jovem Losi, por sua vez, passou toda a carreira com os giallorossi, nunca foi expulso e só contabiliza menos presenças que Francesco Totti na história do clube.
Alcides Ghiggia não teve problemas para se adaptar ao futebol italiano. Em 1955, foi peça-chave na melhor campanha romanista da época: uma terceira colocação vantajosa para a equipe, que ainda não se via capaz de competir com Inter, Juventus e Milan. Nos seis campeonatos entre 1950 e 1955, cada um ganhou duas vezes.
O ponta se firmou com facilidade, e, mantendo regularidade, foi convocado para defender a seleção italiana, ainda em 1957 – por conta de sua origem, já que seus pais eram oriundos da região de Lugano, no único cantão da Suíça etnicamente itálico. Ele, que havia deixado de disputar a Copa de 1954 com o Uruguai graças ao veto da Roma, disputaria cinco partidas com a Nazionale. Curiosamente, o trio de ataque italiano era formado por três sul-americanos: Ghiggia, Schiaffino – seu ex-companheiro de Peñarol e seleção uruguaia – e Dino Da Costa, parceiro de Roma. A Itália, contudo, não conseguiu se classificar para a Copa de 1958.
Mesmo com mais de 30 anos, Ghiggia se manteve como um pilar para a Roma. Estabelecido, chegou a ser o capitão da equipe em várias ocasiões – enquanto acumulou, por seis meses, o cargo de técnico do pequeno Sora, da província de Frosinone, na quinta divisão. Sua principal conquista na capital veio em 1961, após a contratação de Schiaffino: novamente jogando juntos, eles ajudaram o clube a vencer a Copa das Feiras, torneio continental que, hoje, grosso modo, equivaleria à Liga Europa.
Ghiggia não parou por aí, e, na temporada seguinte, já com 35 anos, assinou com o Milan. Sentiu o gosto de ganhar um scudetto, embora só tenha entrado em campo quatro vezes. Depois de um ano em Milão, voltou ao Uruguai para defender o Danubio, enquanto Schiaffino aproveitava para encerrar sua carreira. Alcides Ghiggia permaneceu jogando até 1968, quando pendurou as chuteiras, pouco antes de completar 42.
Durante bastante tempo, Ghiggia ficou conhecido como o último sobrevivente do Maracanazo. Até que, em 16 de julho de 2015, justamente no aniversário de 65 anos do dia em que calou 200 mil pessoas no Maracanã e obteve seu maior feito, a chama se extinguiu. Aos 88, o protagonista de um dos momentos mais célebres da história do futebol, sofreu um ataque cardíaco e morreu, num hospital de Montevidéu. A memória daquele gol marcado, porém, não se apaga. Afinal, como o próprio uruguaio gostava de dizer, só três pessoas fizeram o maior estádio do Brasil ficar em silêncio: Frank Sinatra, o papa João Paulo II e ele próprio.
Alcides Ghiggia
Nascimento: 22 de dezembro de 1926, em Montevidéu, Uruguai
Morte: 16 de julho de 2015, em Montevidéu, Uruguai
Posição: ponta-direita
Clubes como jogador: Sud América (1944-48), Peñarol (1948-53), Roma (1953-61), Milan (1961-62) e Danubio (1961-68)
Títulos como jogador: Campeonato Uruguaio (1949 e 1951), Copa do Mundo (1950), Copa das Feiras (1961) e Serie A (1962)
Clubes como treinador: Sora (1959-60) e Peñarol (1980)
Seleção uruguaia: 12 jogos e 4 gols
Seleção italiana: 5 jogos e 1 gol
Já tinha pesquisado muito sobre Ghiggia. Otimo post.
O grande carrasco do Brasil em copas do mundo.