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As anedotas do poeta Ezio Vendrame, o ‘George Best italiano’

Em seus ensaios dedicados ao futebol, o multiartista Pier Paolo Pasolini teorizou sobre a linguagem do jogo: o drible, para o pensador, integraria o chamado “futebol de poesia”. “O drible é essencialmente poético”, escreveu. O “futebol de prosa”, ao contrário do de poesia, seria coletivo e esnobaria as fintas. Dentro desse contexto, naturalmente existem prosistas e poetas. Ezio Vendrame, conterrâneo e contemporâneo de Pasolini, era um desses bardos: se valia do seu “individualismo-poético” dentro das quatro linhas, mas também fora dela. O drible, o passe inspirado, o espetáculo eram sua síntese.

É driblando – e fazendo poesia – que se escapa do conformismo, do futebol de regras. Vendrame, o rebelde anticonformista sempre fugiu às leis do jogo e da vida, fintando-as assim como fazia com seus oponentes e os tantos clichês que o rodeavam. O visual hippie, o estilo bad boy, o caráter mulherengo e as semelhanças na aparência lhe renderam inúmeras comparações ao lendário ponta norte-irlandês George Best. Mas Ezio nem sempre gostava das comparações. “Sou único”, dizia. De fato, talvez ninguém tenha sido tão contracorrente e contracultural quanto o italiano.

Boêmio nato, era fã de noitadas – que muitas das vezes eram passadas com o músico e rebelde Piero Ciampi. Vendrame era acusado de ter seu talento prejudicado pela sua indisciplina, mas nunca considerava tais queixas. Para Ezio, a vida sempre vinha antes do jogo e era possível curtir ambas de forma simultânea.

A infância difícil e o começo no futebol

Nascido na comuna de Casarsa della Delizia, na região do Friuli, onde Pasolini passou parte considerável de sua vida, Vendrame não dispôs de uma infância fácil. Quando tinha 6 anos de idade, seus pais, já separados, tiveram que recorrer ao Estado para conseguir uma educação digna para o filho – que, mesmo não sendo órfão, ingressou num orfanato. Na tumultuosa adolescência, Ezio forjou o seu “gênio difícil” e seus gostos, inclusive futebolísticos: o jovem era fã da elegância de Luigi Meroni e da técnica de Gianni Rivera. Procurando reproduzir o que seus ídolos faziam, foi descoberto por olheiros da Udinese e ingressou no setor juvenil da equipe bianconera, aos 13.

Depois de sete anos na base do time, onde jogou com Dino Zoff – que, na época, era definido, segundo Ezio, como um “um goleiro ruim, em que ninguém acreditava” –, assinou um contrato profissional com a Spal, em 1967. Não disputou uma partida sequer pela equipe que disputava a Serie A, mas foi objeto de uma rara e memorável gafe cometida pela Panini, em seu célebre álbum de figurinhas: sua foto foi estampada no lugar destinado ao atacante Gildo Rizatto, com as informações pessoais do colega de clube. O equívoco foi o primeiro da história da publicação.

O outro destaque da insólita passagem de Vendrame pela Spal foi o embate com o histórico presidente da agremiação, Paolo Mazza. O cartola acusara Ezio de falta de comprometimento com o elenco. Segundo o dirigente, o rebelde faltava aos treinos para se encontrar com seus amigos e o seu primeiro amor – Roberta, uma prostituta da região de Ferrara. Tal conflito resultou na cessão do habilidoso ponta para o Torres, da Serie C. Entre 1968 e 1971, ele disputou a terceira divisão italiana por três equipes diferentes: além do time sardo, representou Siena e Rovereto, passando apenas um ano em cada. Pelos bianconeri da Toscana, amargou o rebaixamento para a quarta categoria.

Encontro de poetas: no início da carreira, Vendrame posa com o interista Mario Corso (Il Messaggero)

Os anos de Serie A: Vicenza e Napoli, duas diferentes realidades

Após três longas temporadas na Serie C, onde pode apresentar seu bom (e oscilante) futebol sem muitas preocupações, Ezio embarcaria em mais uma aventura. Esta, porém, seria um pouco mais sistemática e próspera do que as outras. O Vicenza, militante na elite nacional, resolveu apostar as fichas no friulano, que impressionara olheiros dedicados a prospectar talentos nas redondezas – Rovereto fica a apenas 70 km da sede dos lanerossi.

Em sua primeira temporada com a camisa biancorossa, Vendrame teve grande destaque num clássico contra o Verona. Nele, marcou seu único gol no campeonato pela equipe do Vêneto, forneceu uma assistência para o tento de Mario Maraschi, acertou o travessão após grande jogada e ainda esbanjou habilidade com seus dribles. Em 1971-72, o Vicenza obteria uma celebrada salvezza.

Quando enfrentou Rivera, craque do Milan e seu ídolo na adolescência, Vendrame o cumprimentou como um verdadeiro fã, e depois de ter dado uma caneta no rossonero, pediu encarecidamente perdão. Não era justo humilhar um poeta como Rivera na frente de um San Siro lotado. O singelo gesto de pedir desculpas demonstrava a posição de Ezio em relação ao jogo: era um espectador dentro do gramado, que pouco se diferenciava daqueles que se acomodavam nas arquibancadas.

Entre altos e baixos, a passagem do cabeludo pelos lanerossi foi a mais positiva de sua carreira. Nas três temporadas com a camisa branca e vermelha, conquistou a torcida com seu estilo irreverente e imprevisível, e ainda ajudou o time a conquistar épicas permanências na Serie A. Foi apelidado de “[Mario] Kempes italiano” por Giampiero Boniperti, presidente da Juventus. O cartola definiu Ezio como “um grandíssimo talento desperdiçado” e que, se tivesse a cabeça no lugar, “poderia jogar na seleção por anos”.

Em 1974, Vendrame não renovou o contrato com a equipe vicentina, tornando-se livre para negociar com um time maior. Luís Vinício, técnico brasileiro do Napoli, era um admirador do talento do rebelde e pediu a contratação do friulano à diretoria, que ofereceu a Ezio um salário de pouco mais de 20 milhões de velhas liras – o dobro do que ganhava no Vicenza.

A princípio, a proposta parecia perfeita: ganhar um salário soberbo, jogar para uma torcida apaixonada e poder gozar das noites da cidade de Nápoles era tudo o que Vendrame sonhava. Mas o desengano viria a cavalo – ao menos futebolisticamente. Mais tarde, Ezio descobriria que seus vencimentos eram bem inferiores aos de jovens que apenas compunham elenco na Atalanta e ganhavam cerca de 60 milhões de velhas liras por mês.

O curto período no Napoli ficou marcado pela alternância entre o banco de reservas da equipe – jogou apenas três partidas na temporada inteira, sempre entrando na segunda etapa – e as camas de hotel, que frequentemente dividia com seus casos amorosos. Boemia, música, mulheres e a parceria com o cantor e compositor Piero Ciampi: essa foi a súmula da estadia de Vendrame no sul da Itália. O futebol ficava por último. Quem sabe, não ficasse em lugar algum. Ele mesmo resume sua passagem pela Campânia. “Em Capri, minha casa parecia um consultório de ginecologia. As visitas [de mulheres] começavam às 9 horas da manhã e terminavam apenas às 10 da noite”.

Por conta de sua atribulada vida extracampo, caiu em desamor com o técnico brasileiro, que inicialmente o desejava no plantel napolitano. A equipe terminou com o vice-campeonato da Serie A 1974-75, ficando atrás apenas da Juventus. Por sua vez, o Vicenza, antigo time de Vendrame, amargou o descenso para a segundona. Mas Ezio saiu do Napoli com uma certeza: a carreira de jogador profissional não era para ele. E muito mais do que isso: o futebol profissional em si era um grande tédio conformista.

Em seus poucos anos na elite, Vendrame teve boas atuações com a camisa do Vicenza (Gazzetta dello Sport)

Padova: uma passagem marcada por anedotas

Depois da nebulosa temporada, ao menos sob o aspecto esportivo, Vendrame acertou com o Padova, da Serie C, em 1975. De volta ao Vêneto, o técnico e habilidoso fantasista frequentaria novamente um ambiente favorável ao seu futebol e ao seu estilo de vida. No ano mais prolífico da carreira, com cinco gols marcados em 24 jogos no campeonato, pode conciliar a curtição com a consistência nas atuações, sendo o protagonista da campanha na terceirona, terminada com um 12º lugar.

A segunda temporada de Ezio pelo Padova seria marcada por duas histórias curiosas envolvendo dois times que brigavam pela promoção à Serie B – Cremonese e Udinese. Sem muitas pretensões, os biancoscudati perambulavam pelo meio de tabela na terceirona, e lá estavam havia quase 10 anos. Mas a formação coadjuvante se tornaria decisiva na luta pelo acesso: enfrentaria, num espaço de menos de 15 dias, as duas agremiações que lutavam ponto a ponto pela vaga na segunda divisão seguinte. Na época, subia apenas a equipe campeã de cada grupo da terceira categoria.

Num dos livros que escreveu, Ezio afirmou que, dias antes do confronto com a Udinese, que estava atrás da Cremonese na tabela, havia recebido, de seu antigo clube, uma proposta de cerca de 7 milhões de velhas liras para ter uma “performance ruim”. Uma dinheirama em comparação ao valor que o Padova pagava ao meia: 22 mil velhas liras por ponto conquistado, o valor mínimo de “bicho” estipulado pela Federação Italiana de Futebol, a FIGC. “Eu havia jogado mal muitas outras vezes… e de graça”, explanava Vendrame, que diz ter aceitado o suborno.

Em campo, seria tudo diferente. Ainda nos primeiros minutos da nervosa partida, Vendrame, hostilizado pela torcida da Udinese, anotaria um tento de pênalti, mas ainda havia tempo para uma redenção. Perto do intervalo, a equipe friulana empataria o jogo. Tudo seguia nos trilhos até o minuto 66, quando Ezio cobraria um escanteio. Fez um gesto para a torcida bianconera, dizendo que iria marcar dali. E o fez, de maneira antológica. Um gol olímpico que pôs o estádio abaixo. “Tive que punir aquele público de ingratos. Que se danem os sete milhões, viva as 44 mil liras [pelos dois pontos somados]”, diria, anos depois. Dario Sanguin fez mais um para os biancoscudati aos 88 e encaminhou a vitória que praticamente acabava com as chances de acesso do time de Údine.

A partida contra a Cremonese, dias depois, seria mais uma demonstração do jeito Vendrame de ser. Segundo o atacante, o resultado do jogo havia sido combinado: prestes a confirmar o acesso à Serie B, a Cremo havia acordado um pacto de não agressão com o Padova, visando que a peleja terminasse sem gols. No estádio Silvio Appiani, em Pádua, as duas equipes atuavam de forma passiva e Ezio, incomodado com este cenário, resolveu despertar a torcida, que já se conformava com o empate. Pegou a bola ainda no meio de campo e foi em direção à sua própria baliza. Driblou todos os companheiros que viu pela frente e, quando chegou perto do arqueiro, fingiu um chute e também o fintou. Por fim, parou a bola em cima da linha e começou um contra-ataque. “Então a emoção estava garantida”, afirmou.

Em sua autobiografia, publicada em 2002, Vendrame contou que um torcedor do Padova teria infartado nas arquibancadas durante o dramático ato. Entretanto, o poeta afirmava não ter culpa alguma. “Eu estou convencido de que aquele torcedor cometeu suicídio, porque deve haver um motivo para que um cardiopata venha me ver jogar”, ironizou.

Ainda em maio de 1977, mês em que protagonizou as anedotas descritas anteriormente, Ezio, já com 30 anos, disputou a última partida pelo Padova, em um empate do time contra o Alessandria. Naquele verão, o atleta assinou com o Audace, pequeno clube localizado no bairro de San Michele Extra, em Verona.

Ezio chegou a capitanear a equipe rossonera, que disputava a Serie C, e marcou cinco gols em 34 partidas disputadas. Mesmo assim, não conseguiu evitar o seu rebaixamento. Era a sua última aventura numa categoria profissional: o restante da carreira do cabeludo seria transcorrido nas divisões inferiores, com os jovens e com os atletas amadores que ele tanto admirava, e onde também não teria preocupação com seu desempenho.

O único título da carreira de Vendrame viria justamente no período em que ele menos se importara com o esporte. De fato, na vida inteira, Ezio pouco ligava para vitórias ou derrotas, pois havia coisas mais importantes. “Para mim, vencer era uma maldição. Jogava para me divertir, nunca para ganhar. A vida vem à frente do futebol”, dizia. O friulano faturou a Serie D em 1979, quando defendia o Pordenone: pelos ramarri, só atuou em sete partidas.

Para Vendrame, o futebol não estava em primeiro lugar; em alguns momentos, chegava a ser um fardo (Scoopnest)

A amizade com o músico Piero Ciampi

Na época em que defendia o Napoli, Ezio conheceu o músico e poeta Piero Ciampi, que o introduziu à música e à poesia. Foi assim que, inspirado pelo artista igualmente rebelde e anticonformista, começou a rabiscar versos e compor canções, ainda na carreira de futebolista. Por onde andava, levava um violão consigo. O artista também se tornaria um nobre acompanhante de Vendrame na sua vida boêmia e promíscua.

Piero, um convicto revolucionário comunista nascido em Livorno, foi, além de um grande amigo, um verdadeiro mestre para Vendrame. Segundo ele, o músico era “um Cristo entre homens”, e o responsável por mudar toda sua forma de pensar. “Quando eu encontrei Piero, minha perspectiva mudou. Eu não conseguia mais pensar em futebol”, constatara Ezio. A admiração não era pequena.

Quando vestia a camisa do Padova, Vendrame chegou a pegar a bola e parar o jogo para cumprimentar seu amigo nas arquibancadas. Sem relutar, ainda pediria para o juiz interromper de vez a partida. O motivo? “O futebol se transforma numa coisa muito banal quando temos um poeta como Piero na nossa frente”, explicou em uma entrevista.

A morte do músico de 45 anos, em 1980, vítima de um câncer de esôfago, foi um duro golpe para Vendrame. “Devo tudo ao Piero. Tudo que sei, aprendi com ele. A morte dele me chocou”, lamentou o friulano, tempos depois. Ezio continuou prestando homenagem à sua “alma gêmea” até os últimos dias de sua vida, incansavelmente. Um dos tributos aconteceu em um programa de TV na década de 1990, no qual recitou a canção “Il Marciapiede” (“O Passeio”), de autoria do genial Ciampi.

O fim do “pesadelo” da carreira como jogador de futebol

Vendrame voltou à sua terra natal, Casarsa Della Delizia, em 1979, com o intuito de jogar por um time amador da região – o Juniors Casarsa. Contudo, o seu ciclo como atleta seria interrompido, dois anos depois, por dois motivos.

Primeiro, a morte do grande amigo Piero Ciampi, em 1980, deixou um vazio gigante em Ezio, que posteriormente enfrentaria a depressão. A outra causa da aposentadoria foi a dura sentença proferida por um juiz romano, que determinou o seu banimento permanente do futebol por conta de agressão a um árbitro.

Anticonformista, Vendrame foi uma “mosca branca” no futebol profissional (Getty)

Em sua despedida do futebol, Vendrame organizou uma partida beneficente, para a qual convidou amigos e ex-companheiros de time, incluindo o goleiro Ernesto Galli, o atacante Chinesinho e o meio-campista Giancarlo Salvi, seus colegas de Vicenza. Gianfranco Zigoni, ex-jogador de Juventus e Verona, além de militante comunista, também esteve presente no amistoso, ao lado do jornalista Gianni Mura e do ilustre Paolo Rossi, que cumpria suspensão devido ao envolvimento no escândalo Totonero.

A pena de Vendrame seria reduzida pouco tempo depois. A conquista da Copa do Mundo de 1982, com show do amigo Pablito, gerou uma anistia para todos os jogadores que tinham sofrido algum tipo de sanção disciplinar da FIGC. Antes de se aposentar definitivamente, com 35 anos, Ezio foi companheiro de time do igualmente rebelde Zigoni na Opitergina, uma pequena agremiação de Oderzo, ainda na região do Vêneto.

O seu futebol não importa: o polêmico treinador Vendrame

“Foda-se o pressing, a equipe compacta, a linha de impedimento e as diagonais. Eu cuspo no inventor dessa merda! O futebol real é outra coisa, existe um espírito que devemos proteger ao menos nas categorias juvenis”, protestava Vendrame contra o jogo modernizado. Logo depois de pendurar as chuteiras, começou a treinar estudantes do Juniors Casarsa, o time em que atuava quando foi banido do esporte, em 1981.

Vendrame tratava os jovens jogadores como verdadeiros filhos, prezava apenas por seus talentos, e não cobrava conhecimentos táticos profundos. “Procuro colocá-los no caminho certo”, dizia o poeta. Também lhes transmitia a mesma filosofia que seguia nos tempos de atleta. “A vida vem primeiro, depois o futebol”.

O friulano treinou ainda os juniores do Pordenone e do Venezia. Mas, devido aos conflitos que tinha com os pais dos jogadores, que não concordavam com os seus métodos polêmicos – reza a lenda que Ezio presenteara os jovens com preservativos –, o cabeludo pouco durou nessas agremiações. Na época, declarou até que “queria treinar um time só de órfãos”.

Com os garotos da Sanvitese, da cidade de San Vito al Tagliamento, próxima a Casarsa, criou uma verdadeira família. Ezio introduziu os jovens talentos às canções de Piero Ciampi e a poemas de sua própria autoria. Aos pequenos, ensinava suas maneiras de conquistar mulheres e como… manipular os órgãos genitais. Vendrame permaneceu na equipe por 11 anos, até 2013.

Nas divisões inferiores, sem tanta cobrança, Vendrame conseguiu levar uma vida mais feliz, conciliando o esporte com a arte e a boemia (Il Gazzettino)

O poeta maldito

Apaixonado pela arte desde a adolescência, Vendrame desenvolveu carreira como escritor e músico depois de deixar os gramados, já com os ensinamentos e a bênção do seu mestre Piero. Ezio era fã de autores clássicos e “malditos”, como a poetisa italiana Alda Merini, o visionário itálico Dino Campana e o estadunidense Charles Bukowski, e construiu obra marcada pelo caráter existencialista, onde expressava sua profunda angústia e mostrava seu olhar negativo sobre a vida, no presente e no futuro. “Escrever está me salvando de cometer suicídio. Não tenho alternativas”, falava.

Vendrame publicou o seu primeiro livro em 1994: “Io di nascosto” – “Eu, secretamente”, em tradução literal. Entre 1994 e 2002, foram lançadas sete obras de sua autoria, incluindo ensaios, compilados de poesias, histórias de sua frenética vida e contos de ficção.

Sua publicação mais famosa, datada de 2002, é a sua autobiografia, intitulada como “Se mi mandi in tribuna, godo” – “Se você me mandar para as arquibancadas, vou adorar”. O título faz referência a um cômico dissabor entre Vendrame e o técnico Luís Vinício: na ocasião, o comandante napolitano teria deixado o artista de fora de um jogo contra o Cagliari, fazendo Ezio retrucar com a frase que estampou a sua magnum opus.

Em 2003, Vendrame colaborou com a autobiografia do ex-jogador e amigo Gianfranco Zigoni. Ezio também era um grande admirador de música, indo do erudito ao heavy metal, e compôs canções para a aclamada banda de folk rock italiana Têtes De Bois e para o cantor Filippo Andreani. Ademais, fez excursões por Paris, em busca de inspiração, e escreveu suas próprias músicas: apresentava-as em pequenos shows feitos pela região do Friuli.

Convidado para ser colunista e comentarista da edição de 2005 do tradicional Festival de Sanremo, Ezio, com sua sinceridade característica, causou polêmica ao acusar o cantor napolitano Gigi D’Alessio de usar playback em suas apresentações. A declaração gerou reações pesadas de entidades de classe e celebridades envolvidas com o evento – que chamavam o crítico de “doente mental”. O ex-jogador, porém, foi defendido pelo apresentador do espetáculo, Paolo Bonolis, que lembrou que o friulano era reconhecido justamente por não seguir as regras do futebol e expressou sua admiração pelo seu “anarquismo”. “Se me mandarem embora, será a apoteose”, comentou Vendrame, parafraseando o título de seu livro.

Depois do episódio polêmico no festival, Ezio apareceria em público apenas nos lançamentos dos seus livros, como em 2013, quando se despediu do mundo editorial com “Capolavoro dell’Inutile” – “Obra-prima do inútil”. Os últimos anos de Vendrame ficaram marcados pelo anonimato: vivia sem moradia fixa, internet ou celular. Simplesmente curtia o resto da vida em companhia da literatura, da música, das mulheres e da boemia.

Numa de suas últimas entrevistas, Vendrame disparou contra o futebol moderno. “Não existe. É falso, acrílico. Houve apenas três jogadores no mundo: [Diego] Maradona, Zigoni e Meroni. Nessa ordem não alfabética. O resto é tédio”. De fato, atletas que remavam contra a maré, assim como o próprio Ezio. Mario Balotelli, por sua personalidade irrequieta, também foi alvo de elogios do poeta.

Vendrame faleceu em abril de 2020, aos 72 anos, vítima de câncer. Poucos meses depois, também morreriam seu amigo Paolo Rossi e Maradona, a quem elogiava. Ezio, que não gostava de cemitérios, foi enterrado no mesmo sepulcrário que Pasolini, o seu “compatriota mais vivo”, Pasolini. Como o próprio ex-jogador poetizava “A nessun funerale mai / L’amore non si sotterra”. “Em nenhum funeral jamais / O amor pode ser enterrado”.

Ezio Vendrame
Nascimento: 21 de novembro de 1947, em Casarsa della Delizia, Itália
Morte: 4 de abril de 2020, em San Fior, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Spal (1967-68), Torres (1968-69), Siena (1969-70), Rovereto (1970-71), Vicenza (1971-74), Napoli (1974-75), Padova (1975-77), Audace SME (1977-78), Pordenone (1978-79), Juniors Casarsa (1979-81) e Opitergina (1982-83)
Título: Serie D (1979)

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