Todo elenco tem um jogador boa-praça, querido por todos no vestiário. Aquele cara que é o primeiro a correr para abraçar um companheiro, qualquer que seja, que tenha marcado um gol; aquele disposto a encampar a alegria de outrem como se fosse sua. Uma pessoa que encontra a felicidade por dar um passe para o colega balançar as redes. Nos anos 1990, Francesco Moriero foi essa figura. O ponta-direita brilhou sobretudo na Inter, servindo a Ronaldo e Iván Zamorano.
Natural de Lecce, Moriero começou sua trajetória no futebol em sua cidade natal. Nas ruas da ensolarada cidade apuliana, Francesco rapidamente começou a se notabilizar pela velocidade, pelos dribles e pelas acrobacias. Checco – diminutivo correspondente a Chico, em português – também não demorou a ser notado pelo Lecce, clube local, que o levou para suas categorias de base.
Moriero passou a integrar o elenco profissional dos salentinos a partir de 1985, quando tinha 16 anos. Só estreou na temporada seguinte, porém, quando o Lecce caiu para a Serie B. O meia passou a atuar com regularidade na campanha 1987-88 e foi um dos destaques do vice-campeonato giallorosso. Checco foi a revelação da equipe de Carlo Mazzone e, em 35 partidas, colaborou com três gols e assistências para os argentinos Juan Barbas e Pedro Pasculli – autores de sete e 12 tentos, respectivamente.
O meia disputou três edições da Serie A pelo clube do Via del Mare. Nas duas primeiras, foi absoluto nas predileções de Mazzone, que surpreendeu a Itália ao entregar campanhas sólidas. Moriero, que se destacava, chegou a ser convocado para a seleção sub-21, em 1990. A terceira temporada, porém, não foi boa. O amado comandante foi para o Pescara e o Lecce escolheu Zbigniew Boniek para substitui-lo, o que desorganizou o coreto. Entre outras escolhas questionáveis, o polonês mudou o esquema tático para melhor acomodar Mazinho e Sergej Aleinikov, e não contava sempre com Moriero como titular. Os lupi, então, acabaram sendo rebaixados.
Checco continuou no Lecce para a disputa da Serie B e teve uma temporada bastante prolífica, com seis gols em 34 jogos. Aos 23 anos, porém, chegava a hora de mudar de casa: como o seu time não conseguiu o acesso, Moriero aceitou uma proposta do Cagliari, participante da elite. Mazzone treinava a equipe sarda e pediu pela contratação do meia destro, em quem confiava profundamente.
Assim, o apuliano virou o titular da faixa direita dos casteddu e formou um trio de ferro com Enzo Francescoli e Luís Oliveira, contribuindo diretamente para que a equipe fosse uma das sensações do campeonato. O Cagliari foi o sexto colocado e conseguiu uma improvável vaga na Copa Uefa. Moriero marcou quatro vezes em 27 partidas daquela campanha.
Mazzone não ficou para a temporada seguinte – foi para a Roma – e Francescoli, que se transferiu ao Torino, foi substituído por Julio Dely Valdés. Com dois atacantes puros e que gostavam de espaço, Moriero teve um peso menor nas ações ofensivas e começou a aprimorar seus atributos de marcação sob o comando de Bruno Giorgi. O Cagliari teve uma temporada regular na Serie A e concentrou suas forças na excepcional campanha que fez na Copa Uefa: deixou Dinamo Bucareste, Trabzonspor, Mechelen e Juventus para trás e só caiu nas semifinais. Sua algoz foi a Inter, que se sagraria campeã.
Em evidência, próximo de atingir a maturidade como profissional, Moriero teve a chance de vestir uma camisa pesada do futebol italiano: aos 25 anos, acertava com a Roma por uma cifra equivalente a 8,5 bilhões de velhas liras. Sua contratação foi, novamente, patrocinada por Carlo Mazzone, que via em seu bruxinho o nome ideal para assumir o flanco direito do meio-campo giallorosso. Assim como nas experiências anteriores, Checco seria ponta no 4-4-2.
Entre 1994 e 1996, anos em que Mazzone comandou a Roma e Moriero foi bastante utilizado, a equipe vivia uma passagem de bastão: Giuseppe Giannini cedia espaço a Francesco Totti. Isso significava que o foco de criação de jogadas do time ficava concentrado no centro do gramado, o que deixava Checco deslocado prioritariamente à proteção do setor direito. Contudo, o apuliano tinha uma função tática importante, seja porque o lateral Fabio Petruzzi avançava pouco, seja porque usava sua velocidade para puxar contragolpes e atacar os espaços que Daniel Fonseca e Abel Balbo abriam.
Moriero tinha uma herança pesada para lidar. Na figura de Bruno Conti, a Roma teve um dos poucos pontas puros do futebol italiano na modernidade, e as comparações com o ídolo eram inevitáveis. Contudo, Francesco driblou os paralelos e mostrou suas próprias características: teve biênio positivo e colaborou com duas quintas colocações da Loba na Serie A. Também tinha crédito com a torcida por ter feito uma doppietta contra o Slavia Praga, na Copa Uefa 1995-96, num duelo que o time italiano quase reverteu – acabou eliminado por causa do gol qualificado anotado pelos checos.
O meia teve relevância no elenco romano até a chegada de Carlos Bianchi, para quem nem mesmo Totti era fundamental. O técnico argentino teve uma passagem sofrível pela Cidade Eterna e um de seus erros foi descartar Moriero. Assim, em maio de 1997, o esterno acabou negociando sua transferência, a custo zero, para o Milan. Contudo, Checco nunca vestiu rossonero.
O motivo para que a transferência não se concretizasse estava relacionado ao brasileiro André Cruz. O defensor tinha um pré-contrato com a Inter, mas acabou sondado pelo Milan e mudou de ideia: queria atuar no lado rubro-negro da capital da Lombardia. O Diavolo negociou com a diretoria rival uma forma de ressarcimento e a cessão do passe de Moriero foi o método escolhido. Checco aceitou e se deu bem: enquanto o paulista não vingou na cidade, o meia teve três anos de sonho e se tornou um dos principais garçons de Ronaldo.
Moriero fez uma temporada 1997-98 extraordinária. Logo em sua estreia, Checco ganhou um novo apelido: Sciuscià, que significa “engraxate” no dialeto de Nápoles. Isso porque o apuliano lustrou as chuteiras de Álvaro Recoba depois da incrível doppietta do uruguaio numa virada sobre o Brescia. A partir de então, Moriero “poliu” os calçados de diversos companheiros depois que eles anotavam seus gols. Nessa temporada, sobretudo, os colegas lhe retribuíram o gesto.
O início de sua trajetória nerazzurra foi marcado por um gol importante numa vitória de virada por 3 a 2 contra a Fiorentina, na Serie A, e por uma bicicleta fabulosa contra o Neuchâtel Xamax, na Copa Uefa. Moriero garantiu a titularidade e voltou a ter participação importante na competição continental, ao marcar dois gols no 3 a 1 sobre o Lyon, na França. A Inter perdera em casa por 2 a 1 e, como conseguiu reverter o resultado negativo, avançou às oitavas de final.
Não contente com os tentos plásticos e importantes, Checco marcou um gol antológico para decidir uma partida contra o Piacenza, no Campeonato Italiano. Os biancorossi se fechavam bem até os 25 da etapa final. Naquele minuto, Moriero aproveitou um passe errado dos adversários no meio-campo e começou a correr. “Passa a bola!”, gritava o técnico Luigi Simoni, mas Francesco não quis ouvi-lo. Desobedeceu inclusive as orientações dadas pelo treinador no intervalo, que não queria que os jogadores tentassem resolver a partida em lances individuais, e disparou, fazendo fila: deixou três adversários na saudade e colocou no canto de Matteo Sereni.
Com personalidade e poder de decisão, Moriero faria 44 partidas naquela temporada – menos apenas que Ronaldo (47) e o goleiro Gianluca Pagliuca. Além de ter batido seu recorde pessoal de aparições numa única campanha, Sciuscià igualou seu maior número de gols num mesmo ano: foram seis; três na Serie A e três na Copa Uefa. Os nerazzurri conquistaram o título europeu (o único da carreira do apuliano) e ainda foram vice-campeões italianos.
Em grande forma, Moriero estreou na seleção pouco antes de completar 29 anos. Em janeiro de 1998, entrou no segundo tempo do amistoso contra a Eslováquia e mudou o panorama do confronto: participou das jogadas de dois gols no triunfo por 3 a 0. Não saiu mais do time de Cesare Maldini e, em abril, garantiu sua participação na Copa do Mundo graças a duas pinturas num teste contra o Paraguai. Na vitória por 3 a 1, Checco simplesmente marcou de bicicleta e num tirambaço de longa distância.
No Mundial, o meia foi importante e atuou em quatro dos cinco compromissos da Nazionale, que foi eliminada pela França, dona da casa e campeã da competição. Só ficou no banco na partida de estreia dos azzurri, contra o Chile. Depois da queda nas quartas de final, o meia só foi chamado mais uma vez pela Itália, que já tinha o comando de Dino Zoff.
No retorno à Milão, os festejos de Sciuscià ficaram mais raros. Por causa de uma série de lesões, Moriero jogou 39 vezes num espaço de dois anos e foi às redes apenas quatro vezes. Sem condições físicas de oferecer continuidade aos treinadores que sucederam a Simoni, o meio-campista se tornou uma peça descartável no elenco interista. Seus lampejos não eram suficientes para garantir espaço cativo numa equipe que almejava sair de uma incômoda fila: a Inter não se sagrava campeã nacional desde 1989.
O fim do vínculo com a Beneamata, em 2000, levou Moriero para mais perto de casa. O apuliano acertou com o Napoli, da Campânia, mas pouco conseguiu entrar em campo pela equipe. Os azzurri se encontravam num momento de crise técnica e financeira e foram presa fácil na competitiva Serie A daqueles tempos. Com apenas um gol em 14 aparições, Checco não conseguiu evitar o rebaixamento dos partenopei. O meia permaneceu sob os pés do Vesúvio para a disputa da segundona, mas poucas vezes teve condições de jogo e decidiu encerrar a carreira, aos 33 anos.
Aposentado, Moriero ficou quatro anos longe de qualquer atividade ligada ao futebol. No final de 2006, surpresa: Checco iniciou seu caminho como treinador no Africa Sports, da Costa do Marfim. O time verderrubro é o segundo maior campeão do país e já tinha uma certa história com técnicos italianos. O ex-meia, porém, teve uma passagem curta e retornou à Bota para assumir o Lanciano, então na terceirona.
Logo depois de salvar o time dos Abruzos da queda para a quarta divisão, Moriero assumiu o Crotone, clube pelo qual fez o seu melhor trabalho. Sciuscià devolveu o clube calabrês para a Serie B e recebeu uma proposta para treinar o Frosinone, que também disputaria a segundona.
Dali para frente, nada mais deu certo para o apuliano. O máximo que conseguiu foi trabalhar naquela categoria, sendo demitido tanto pelos ciociari quanto pelo Grosseto. Moriero também comandou o Lugano, time de um cantão italiano da Suíça, e que também se encontrava num escalão inferior do futebol local.
Depois de passagens curtas e nada significativas por várias equipes do sul da Itália – incluindo o Lecce –, o ex-jogador busca retomar sua carreira na Cavese, time campano que disputa a Serie C. Pelo andar da carruagem, é improvável que vejamos Moriero como técnico de elite um dia. Checco, porém, já provou que nunca é tarde demais para nos surpreender.
Francesco Moriero
Nascimento: 31 de março de 1969, em Lecce, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Lecce (1985-92), Cagliari (1992-94), Roma (1994-97), Inter (1997-2000) e Napoli (2000-02)
Títulos como jogador: Copa Uefa (1998)
Carreira como técnico: Africa Sports (2006-07), Lanciano (2007-08), Crotone (2008-09), Frosinone (2009-10), Grosseto (2010-11 e 2012-13), Lugano (2011-12), Lecce (2013), Catanzaro (2014), Catania (2016), Sambenedettese (2017 e 2018) e Cavese (2019-hoje)
Seleção italiana: 8 jogos e 2 gols