Jogos históricos

O Milan bateu o embalado Paris Saint-Germain para ser finalista da Champions League, em 1995

No período que compreende o fim dos anos 1980 e a primeira metade da década de 1990, o Milan era um dos times dominantes do cenário europeu, ao lado de Barcelona e Ajax. Os rossoneri eram tão poderosos que chegaram a emplacar cinco finais de Copa dos Campeões e Champions League em sete temporadas. Entretanto, nem sempre a missão foi tranquila: para alcançar a decisão em 1994-95, por exemplo, o Diavolo precisou corrigir os rumos de uma época iniciada de forma atribulada e ainda teve que bater um dos elencos mais célebres da história do Paris Saint-Germain, nas semifinais.

Treinado por Fabio Capello, o Milan se sagrou campeão italiano e europeu em 1994, ano em que cedeu vários jogadores ao elenco da Itália que viajou aos Estados Unidos e ficou com o vice da Copa do Mundo, perdida para o Brasil. A campanha no escaldante verão norte-americano foi bastante desgastante e comprometeu a preparação dos azzurri do elenco rossonero – o que impactou negativamente no início da temporada 1994-95. O Diavolo venceu somente três jogos válidos pelas 10 primeiras rodadas da Serie A, que foram realizados antes da derrota no Mundial Interclubes para o Vélez Sarsfield.

Um dos melhores times da história do PSG não foi páreo para o Milan nas semifinais da Champions League de 1994-95 (Icon Sport/Getty)

Na Champions League, o percurso na fase de grupos também foi tortuoso: o Milan somou duas derrotas para o Ajax, um empate contra o AEK e ainda sofreu uma punição por conta de uma garrafa arremessada por seus torcedores sobre o goleiro Otto Konrad, do Salzburg, que lhe retirou dois pontos e o obrigou a disputar dois jogos longe de San Siro. Mesmo assim, no confronto direto os italianos conseguiram superar os austríacos, que haviam perdido a final da Copa Uefa anterior para a Inter, e se classificaram às quartas na condição de vice-líderes da chave.

Nas quartas de final da Champions League, o Diavolo encarou o Benfica, que havia sido líder do Grupo C, à frente de Hajduk Split (Croácia), Steaua Bucareste (Romênia) e Anderlecht (Bélgica). Com uma doppietta de Marco Simone em San Siro e um empate sem gols no Estádio da Luz, os rossoneri eliminaram os encarnados por um placar agregado de 2 a 0. Nas semifinais, o time italiano precisaria encarar um adversário que era considerado a sensação do torneio: o Paris Saint-Germain, da França.

O PSG, liderado por George Weah e David Ginola, vinha num período de ascensão. Sob o comando do técnico português Artur Jorge, o time parisiense passou a disputar títulos em solo nacional e internacional: ganhou a Copa da França em 1993 e o Campeonato Francês, no ano seguinte, além de ter sido semifinalista da Copa Uefa – foi eliminado pela Juventus, que ficaria com a taça – e da Recopa. Aquele elenco ainda contava com Ricardo Gomes, Valdo e, a partir de 1993, Raí. Todos os três brasileiros viraram ídolos dos Rouge-et-Bleu.

Na ida, Raí não conseguiu levar a melhor sobre Maldini (Getty)

Em 1994, Artur Jorge rumou ao Benfica e Luis Fernandez, ex-jogador histórico do Paris, assumiu o comando do time. O seu desafio era conduzir o PSG a uma boa campanha em sua segunda participação na principal competição de clubes da Europa. E ele conseguiu. Os franceses começaram a sua trajetória na Champions League com um desempenho exemplar: 100% de aproveitamento num grupo com Bayern Munique, também classificado, e os eliminados Spartak Moscou e Dynamo Kyiv.

O Paris Saint-Germain deixara o potente Bayern comendo poeira, mas muitos acreditaram que o seu percurso europeu acabaria nas quartas. Afinal, o seu adversário seria o Barcelona de Johan Cruyff, então vice do torneio e tetracampeão espanhol consecutivo.

O chamado Dream Team vacilou na fase de grupos e ficou atrás do IFK Gotemburgo, de modo que só avançou por vantagem no confronto direto com o Manchester United. Havia grande expectativa por sua recuperação no mata-mata, mas o PSG segurou o empate no Camp Nou e, de virada, levou a melhor no Parc des Princes: com um agregado de 3 a 2, decretou o fim daquele time histórico montado pelos catalães e se classificou para enfrentar o Milan.

Com uma assistência e dois gols, Savicevic desequilibrou para o Milan e foi o nome da eliminatória com o PSG (EMPICS/Getty)

Ter sido responsável pela eliminação do Barcelona fez com que o PSG ganhasse muita moral e fosse identificado como grande sensação da Europa em 1994-95. Os parisienses nunca haviam chegado tão longe na competição e não tinham uma sala de troféus tão cheia quanto a dos outros semifinalistas: Milan, dono de cinco taças da Champions League àquela altura, e Bayern Munique e Ajax, que tinham três cada. Superá-los seria tarefa hercúlea.

O fato é que, contando com um elenco estrelado e muito similar ao que ganhara o título na temporada anterior, os rossoneri eram superiores ao Paris Saint-Germain e não queriam sucumbir a um time francês novamente na principal competição de clubes da Europa. Em 1991 e 1993, o Marseille, grande rival dos Rouge-et-Bleu, foi pedra no sapato do Diavolo nas quartas e na final do torneio continental.

O jogo de ida aconteceu no Parc des Princes, frente a quase 45 mil espectadores. Enquanto o Paris Saint-Germain tinha os desfalques do lateral Patrick Colleter e do meia Valdo, o Milan tinha força total em sua visita à França. Assim, os mandantes depositavam suas esperanças no trio formado por Raí, Weah e Ginola, ao passo que os visitantes se defendiam com Christian Panucci, Alessandro Costacurta, Franco Baresi e Paolo Maldini, além de Marcel Desailly e Demetrio Albertini na cabeça de área, contando com Zvonimir Boban, Dejan Savicevic e Simone como peças de desequilíbrio ofensivo.

Ginola bem que tentou, mas foi Boban que decidiu a parada a favor dos italianos na capital francesa (Le Parisien)

Apesar da qualidade dos times, os primeiros 30 minutos foram de doer os olhos. O goleiro Bernard Lama mostrou as suas conhecidas limitações e protagonizou diversos erros técnicos, mas o Milan não aproveitou. Aliás, os chutões foram a tônica daquela fase da partida, muito marcada pela escassez de jogadas trabalhadas. Mais propositivo, o PSG teve maior iniciativa, embora raramente conseguisse furar a retaguarda adversária. As chances mais claras, a favor dos italianos, foram sair apenas na casa dos 29: Savicevic driblou Alain Roche e, na dividida com Lama, viu a bola raspar a trave; na sequência, finalizou para defesa segura do arqueiro.

Dali em diante, os times tentaram trocar mais passes e o jogo ficou um pouco menos feio. Entretanto, as linhas bem fechadas impediam que chances mais agudas fossem criadas. Mas não era só isso. Faltava aproximação, criatividade, intensidade: a partida estava devendo. E ficou em dívida até os 84 minutos. Ali, Ginola pegou a sobra de um chutão proveniente da defesa do Paris, ciscou para cima de Panucci e, de fora da área, emendou um belo arremate de direita, que explodiu no travessão de Sebastiano Rossi.

Os mandantes seriam castigados nos acréscimos, quando subiram ao ataque para a cobrança de escanteio e viram um contragolpe mortal do Milan, armado por Savicevic e Daniele Massaro, terminar no gol de Boban. A velocidade da jogada pegou a defesa do Paris Saint-Germain desprevenida e o chute de canhota do croata não deu chances a Lama. Assim como dois anos antes, nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, quando a Bulgária tirou da França a oportunidade de disputar a competição por conta de um tento de Emil Kostandinov no apagar das luzes, o Parc des Princes assistia, incrédulo, um visitante fazer a festa no finalzinho da partida.

Pilar do meio-campo rossonero, o francês Desailly fez a diferença contra o PSG, principalmente na volta (Presse Photo)

Para buscar o resultado em San Siro, o PSG teria de driblar a ausência de Raí – Valdo, regressando ao time, o substituiria; Colleter também retornava ao onze inicial. A equipe de Fernandez precisaria se soltar mais e a expectativa de uma partida mais aberta era grande. Mas obstáculos consideráveis estariam no caminho dos franceses.

Para começar, quase 80 mil pessoas lotaram San Siro. Além disso, devido à suspensão de Costacurta, Maldini e Baresi fariam a dupla de zaga do Milan, enquanto Panucci atuaria na lateral esquerda e Mauro Tassotti na direita. Como a troca na zaga foi a única na formação rossonera em relação àquela que venceu na França, Desailly e Albertini ainda protegeriam o setor. Era esse naipe de atletas que estaria no gramado para conservar um incrível retrospecto: desde 1985, o Diavolo havia perdido apenas um compromisso por torneios continentais no Giuseppe Meazza; em 1994, na Supercopa Europeia, para o Parma. Suas duas outras derrotas como dono da casa no período foram registradas em Lecce e Trieste, onde precisou mandar jogos por conta de punições dadas pela Uefa.

No fim das contas, a obrigação de conseguir a vitória por parte do Paris levou a um jogo mais aberto desde o apito inicial. Mas isso significava que os franceses correriam riscos. O primeiro foi aos 8 minutos, quando Albertini soltou uma bomba em cobrança de falta e levou Lama a colocar a bola para escanteio.

Iluminado, Savicevic mandou o PSG para casa (AFP/Getty)

Com seu ataque móvel, comandado por Simone e Savicevic, o Milan era melhor em campo. Aguentava os raros ataques do PSG e sempre incomodava a defesa parisiense com trocas de passes. Aos 15 minutos, o time visitante sorriu ao ver Tassotti sofrer lesão muscular, o que obrigou Capello a redesenhar a sua zaga: Maldini foi para a lateral esquerda, Panucci voltou para a direita e o miolo ficou a cargo de Filippo Galli e Baresi. Durou pouco, entretanto. Aos 21, Albertini encontrou Savicevic com um belo lançamento e o montenegrino só teve o trabalho de se livrar de Ricardo Gomes antes de bater na saída de Lama e inaugurar o placar em San Siro.

O gol atirou o moral do Paris Saint-Germain no chão: os Rouge-et-Bleu precisariam da virada e não contavam com noite estrelada de Valdo, Weah e Ginola, perdidos na marcação rossonera. Lento e previsível, o time francês viu o Milan recuar suas linhas e controlar o jogo de forma tranquila. A única chance real dos visitantes aconteceu nos acréscimos da etapa inicial, depois que Vincent Guérin aproveitou um erro de saída de bola dos lombardos e acionou Ginola, que arrematou na parte externa da rede.

O PSG conseguiu imprimir um ritmo maior no segundo tempo, mas isso não foi suficiente para mudar o panorama do jogo – Rossi seguia trabalhando pouquíssimo. Aos 68 minutos, então, veio o golpe de misericórdia: após um chutão do arqueiro rossonero, os dois times ficaram brigando pelo alto, numa jogada bem feia. Desailly, entretanto, colocou a bola no chão e aproveitou os botes errados de Ricardo Gomes e Roche para deixar Savicevic na cara do gol com um passe em profundidade. O “pequeno gênio” não perdoou e colocou no cantinho.

Weah sucumbiu a Baresi e companhia, mas foi para o Milan e terminou o 1995 eleito como melhor do mundo (Getty)

Na prática, o segundo gol de Savicevic matou o confronto. Afinal, o Paris precisava marcar três vezes para se classificar e simplesmente não tinha feito por onde até então. Para sair de campo de cabeça erguida, o PSG continuou a tentar atacar, mas o fato é que o restante da partida foi mera formalidade. Nada de realmente expressivo ocorreu até o último som do apito ecoado pelo árbitro escocês Leslie Mottram.

O Milan chegou a sua terceira final de Champions League consecutiva, mas não se deu bem: perdeu por 1 a 0 para o Ajax, que eliminara o Bayern Munique por 5 a 2 nas semifinais. O time de Louis van Gaal, que já batera a equipe rossonera duas vezes na fase de grupos, a fez amargar o segundo vice daquele período. E seria a última decisão continental do Diavolo em muito tempo, até a conquista do título de 2003. Já o PSG, concentrado nas disputas nacionais, terminou a temporada comemorando os títulos da Copa da França e da Copa da Liga Francesa.

No verão de 1995, o Milan foi buscar Weah no Paris Saint-Germain. Só que, mesmo contando com o craque, eleito melhor do mundo justamente naquele ano, o time rossonero teve de se conformar com glórias locais, como os scudetti de 1996 e de 1999. O PSG, por outro lado, teve sobrevida sem o liberiano: emplacou mais duas semifinais de torneios continentais e até abocanhou o título da Recopa, em 1996, antes de ser humilhado pela Juventus na Supercopa. A Velha Senhora, aliás, tomou o posto do Diavolo como grande força italiana na Europa daquela época, mas isso é papo para uma outra hora.

Paris Saint-Germain 0-1 Milan

Paris Saint-Germain: Lama; Cobos, Roche, Ricardo Gomes, Le Guen; Llacer, Bravo, Guérin; Raí; Weah, Ginola. Técnico: Luis Fernandez.
Milan: Rossi; Panucci, Costacurta, Baresi, Maldini; Eranio, Desailly, Albertini, Boban; Savicevic, Simone (Massaro). Técnico: Fabio Capello.
Gol: Boban (90 + 1′)
Árbitro: Serge Muhmenthaler (Suíça)
Local e data: estádio Parc des Princes, Paris (França), em 5 de abril de 1995

Milan 2-0 Paris Saint-Germain

Milan: Rossi; Tassotti (Galli), Maldini, Baresi, Panucci; Eranio, Desailly, Albertini, Boban; Savicevic, Simone (Donadoni). Técnico: Fabio Capello.
Paris Saint-Germain: Lama; Cobos (Séchet), Roche, Ricardo Gomes, Colleter; Guérin, Bravo, Le Guen; Valdo (Nouma); Weah, Ginola. Técnico: Luis Fernandez.
Gols: Savicevic (21’e 68′)
Árbitro: Leslie Mottram (Escócia)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 19 de abril de 1995

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