O reservado Rino Marchesi faz parte do grupo de técnicos que nunca sentiu o gostinho de conquistar sequer um título. No entanto, durante seus 20 anos à beira do campo de jogo, o lombardo de poucas palavras foi requisitado por times grandes, tendo a chance de desfrutar dos primeiros passos de Diego Maradona no Napoli e de lidar com os últimos dias de Michel Platini como jogador profissional. O treinador e o Pibe d’Oro criaram uma sintonia logo de cara, mas Marchesi não conseguiu repetir a dose com o craque francês.
Bem antes de ingressar na carreira de técnico, Rino calçou chuteiras e jogou futebol por 17 anos. Meio-campista que também poderia atuar na zaga, ele iniciou sua jornada profissional no modesto Fanfulla, em 1956, quando tinha 19 anos. Depois de um ano, rumou à Atalanta, equipe que havia defendido na base. Em Bérgamo, participou do rebaixamento à Serie B, em 1957; da campanha que culminou no título da segundona, no ano seguinte; e de um 11º lugar na volta à elite, na temporada 1959-60.
Após os três anos na Dea, Marchesi foi contratado pela Fiorentina, onde sustentou o status de titular por um longo período. Em seu primeiro ano na Viola, ajudou o time a ganhar a Coppa Italia e a Recopa Uefa: nas finais, os gigliati bateram Lazio e Rangers, respectivamente. Na temporada seguinte, a equipe comandada por Nándor Hidegkuti voltou à decisão da Recopa, mas sucumbiu diante do Atlético de Madrid. As boas atuações de Rino pela Fiorentina o levaram à seleção italiana, pela qual disputou dois amistosos: goleada por 4 a 1 sobre a Argentina e triunfo por 2 a 1 ante a França.
Marchesi permaneceu em Florença até 1966, sendo titular em quase todas as temporadas, com exceção da última. Antes de deixar o clube, adicionou mais duas taças ao seu currículo: a da Copa Mitropa e a da Coppa Italia, ambas em 1966. A próxima parada de Marchesi seria a Cidade Eterna. O versátil jogador fechou vínculo com a Lazio, que seria sua casa entre 1966 e 1971. Nesse período, ele desceu à segunda divisão com os celestes, mas não demorou muito para retornar à elite coroado como campeão da Serie B 1968-69. Em seu último ano na capital, ajudou as águias a vencerem o Basel por 3 a 1 e conquistarem a Copa dos Alpes, competição já extinta organizada entre times italianos e suíços.
Rino Marchesi pendurou as chuteiras na Serie C, defendendo as cores do Prato, por onde jogou de 1971 a 1973. Mas ele não passaria muito tempo longe do futebol. Muito pelo contrário. No mesmo ano em que abandonou os gramados, o lombardo disse sim à proposta do Montevarchi, da terceirona, e começou sua carreira como treinador. O primeiro emprego exercendo sua nova profissão foi breve: durou apenas uma temporada (1973-1974).
Após a saída do Montevarchi, o ex-jogador galgou posições modestamente em times de pouca expressão: Mantova (de 1974 até 1976), Ternana (1977-78) e Avellino (1978 a 1980). Em Terni, Rino fez um ótimo trabalho: comandou os rossoverdi numa campanha pujante na Serie B e só não conseguiu o acesso por causa de três pontinhos. Ainda assim, chegou à elite através do promovido Avellino e iniciou a década dos lupi na elite com chave de ouro: Marchesi conseguiu salvar o time da Campânia do rebaixamento duas vezes seguidas.
O feito no interior campano deu a Rino a oportunidade de treinar o Napoli, maior clube da região, em 1980. Embora tenha desembarcado em Nápoles após deixar o Avellino no meio da tabela da Serie A, o treinador surpreendeu a todos quando levou os partenopei à terceira posição do Italiano, à frente da Inter, inclusive. O seu time, que seguia os preceitos da zona mista – forma de jogar que atualizava as estratégias do catenaccio –, só não foi páreo para Juventus (campeã) e Roma (vice).
A posição na qual o Napoli de Marchesi havia terminado a Serie A 1980-81 permitiu que os azzurri se classificassem à Copa Uefa da temporada seguinte. Os comandados de Rino, no entanto, saíram na primeira fase. Na Serie A, por sua vez, a equipe manteve o ritmo da época anterior, terminando no quarto posto, atrás de Juventus, Fiorentina e Roma. Apesar disso, a diretoria da agremiação, encabeçada à época por Corrado Ferlaino, optou por demitir o lombardo.
Disponível no mercado, Marchesi foi o escolhido da Inter para tentar alçar voos maiores. Ele, que havia terminado os dois últimos campeonatos à frente os nerazzurri, agora tinha a missão de fazer a Beneamata competir por taças. Mas a banda não tocou assim. A Inter não passou de um terceiro lugar na Serie A, caiu nas quartas de final da Recopa Uefa e acabou eliminada na semifinal da Coppa Italia. Ao fim da temporada, a cúpula interista rompeu com Rino, que atendeu ao chamado do Napoli para voltar a treinar o time.
Em seu retorno a Nápoles, Marchesi encontrou algumas caras novas por Castel Volturno, centro de treinamentos do clube. Mas a maior novidade ainda estava por vir. O treinador se reuniu com o presidente Ferlaino para pescar novos jogadores no mercado. Da Inter, eles contrataram o volante Salvatore Bagni e ficaram próximos de acertar com Evaristo Beccalossi e Aldo Serena. Porém, o negócio não foi para frente porque surgiu a oportunidade de contratar Maradona. Aí, não houve dúvida.
Maradona aportou na Itália após deixar o Barcelona. O craque argentino logo criou um bom relacionamento com Marchesi. “A abordagem foi imediatamente positiva”, contou Rino, em entrevista à Radio anch’io sport, da Rai. “Com estima e simpatia, nós encontramos rapidamente a sintonia sobre o modo de trabalhar, de fazer as concentrações, da alimentação e, a partir daí, essa estima continuou ao longo do tempo. Através de Fernando Signorini [preparador físico particular de Maradona], eu sempre fui informado sobre suas condições”, acrescentou.
A trajetória de Maradona vestindo o azzurro partenopeo foi espetacular, mas, em seu primeiro ano no clube, o camisa 10 não conseguiu levar o Napoli de Marchesi para além de uma oitava colocação na Serie A – ainda que tenha sido o artilheiro da equipe, com 17 gols, somando todas as competições. Os resultados aquém do esperado custaram o cargo do treinador lombardo.
Como de praxe em sua carreira de comandante, Marchesi não ficou muito tempo encostado. Isso porque o então presidente do Como, Benito Gattei, o contatou para salvar os lariani da zona de rebaixamento – o Como vinha de péssimos resultados no início da Serie A 1985-86. No fim das contas, ele ajeitou a equipe e os biancoblù perderam apenas dois jogos no campeonato desde que Rino assumiu o cargo de técnico do time. A ótima campanha resultou em um nono lugar para os comascos e numa chance de ouro para o ex-jogador: treinar a Juventus.
Assim, aquele técnico reservado e de poucas palavras teria pela frente seu maior desafio. Primeiramente, porque ele seria o sucessor de Giovanni Trapattoni, treinador da época de ouro do clube. Em dez anos, sua Juve abocanhou seis scudetti, duas copas nacionais, uma Copa Uefa, uma Recopa, uma Copa dos Campeões, uma Supercopa Uefa e, por fim, um Mundial Interclubes. Em segundo lugar, Rino dirigiria a Juventus, e a pressão após um período abastado certamente seria mais forte que o comum. Por fim, aquele time que venceu tudo que podia já estava envelhecido e Marchesi seria um dos responsáveis por fazer a transição.
Se Rino Marchesi havia participado do primeiro ano de Maradona no Napoli, na Juventus ele comandou um já esgotado Platini, que caminhava para o fim de carreira. Na temporada 1986-87, o ídolo juventino viveu de lampejos e mais andava em campo do que lutava. Uma sombra do grande jogador que encantara a torcida bianconera. “Eu tive o Platini no último ano [de sua carreira] e não era o melhor Platini devido a problemas físicos”, lamentou Marchesi, também em entrevista à Radio anch’io sport. “Ele só fez dois gols [na Serie A 1986-87], mas foi um fuoriclasse pelo que fez antes”, completou.
Por isso, o treinador não tem dúvida caso precisasse escolher um entre Maradona e Platini. Mesmo avesso a polêmicas, não titubeou ao escolher o argentino. “Maradona era um fenômeno verdadeiro. O que me impressionou também foi a sua força física: ele tinha uma capacidade reativa, uma força nas pernas e no tronco, usava sempre as sequelas do tornozelo que [Andoni] Goikoetxea quebrou”.
Na temporada 1986-87, a Juventus perdeu o scudetto para o Napoli de… Maradona. A Velha Senhora, inclusive, saiu derrotada nos dois confrontos com o time napolitano, nos quais Diego brilhou intensamente. Na Copa dos Campeões, os bianconeri pararam nas oitavas de final, após cair diante do Real Madrid nas disputas de pênaltis. Já na Coppa Italia, o time de Turim caiu nas quartas de final. Apesar de os resultados não terem agradado a diretoria, Rino permaneceu para a época 1987-88.
Ele ajudou a realizar a tão falada renovação no plantel juventino. Platini se aposentou, Ian Rush chegou. Outros jovens atletas também reforçam a equipe. No entanto, Marchesi não conseguiu fazer o time funcionar. Ele mudava bastante a escalação, o time não dava liga e Rush, que fizera história no Liverpool, não emplacou vestindo preto e branco. Com isso, a Juventus findou a Serie A em uma opaca sexta posição e Rino acabou no olho da rua.
Após deixar a Juventus, Marchesi voltou ao Como, mas, assim como na primeira passagem, durou apenas uma temporada. Menos, a bem da verdade, visto que acabou demitido antes de a equipe confirmar o rebaixamento para a Serie B. O insucesso antecipava o ocaso da carreira de Rino, que acumulou demissões e descensos nos (péssimos) trabalhos posteriores: entre as quedas com Udinese (1989-90), Spal (1992-93, à Serie C1) e Lecce (1993-94), o lombardo ainda teve brevíssima experiência no Venezia (1992). Após tantas aventuras infrutíferas, optou por nunca mais treinar um time de futebol e, aos 57 anos, pendurou a prancheta.
Rino Marchesi
Nascimento: 11 de junho de 1937, em San Giuliano Milanese, Itália
Posição: meio-campista e zagueiro
Clubes como jogador: Fanfulla (1956-57), Atalanta (1957-60), Fiorentina (1960-66), Lazio (1966-71) e Prato (1971-73)
Títulos como jogador: Coppa Italia (1961 e 1966), Serie B (1959 e 1969), Recopa Uefa (1961), Copa Mitropa (1966) e Copa dos Alpes (1971)
Clubes como treinador: Montevarchi (1973-74), Mantova (1974-76), Ternana (1977-78), Avellino (1978-80), Napoli (1980-82 e 1984-85), Inter (1982-83), Como (1985-86 e 1988-89), Juventus (1986-88), Udinese (1989-90), Venezia (1992), Spal (1992-93) e Lecce (1993-94)
Seleção italiana: 2 jogos