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Mais que futebol: Diego Armando Maradona mudou a história de Nápoles

Quem foi melhor: Diego Maradona ou Pelé? A discussão em torno dessa pergunta acontece em todos os lugares do mundo em que se assiste futebol. Bem, em quase todos. É unanimidade em dois pontos da Terra que o craque argentino foi muito melhor do que o craque brasileiro: na Argentina, é claro, e em Nápoles. Sua passagem marcante pelo Napoli na década de 1980 o imortalizou não só como o maior ídolo da história do clube, mas também como um ídolo na cidade italiana.

Nascido Diego Armando Maradona, o craque argentino não teve uma infância fácil – pelo contrário. Seus tempos de criança na Villa Fiorito, uma favela situada na periferia de Buenos Aires, foram marcados pelas incansáveis peladas com os amigos nas ruas e também pela situação que beirava a miséria dentro de sua casa. Dieguito, inclusive, chegou a declarar que só mais crescido entenderia porque sua mãe, em diversas oportunidades, afirmava estar indisposta na hora do jantar – o fazia apenas para que os filhos tivessem o que comer.

Em meio a toda essa pobreza, Maradona tinha nas partidas de futebol em campos de terra a sua grande alegria. Já aos nove anos se destacava por simplesmente humilhar todos os garotos mais velhos com os quais jogava. Pequeno e magro, o garoto não se intimidava, além de impressionar pela velocidade, a agilidade e a inteligência com a bola nos pés. Todas essas características fizeram com que o menino fosse selecionado pelo Estrella Roja, pequeno time de seu bairro que disputava campeonatos infantis amadores.

Suas atuações pelo Estrella logo chamaram a atenção de times maiores, que disputavam campeonatos profissionais e possuíam maior estrutura para lidar com garotos como Maradona. E o primeiro a bater à porta da casa – literalmente – da casa da família de Diego foi o Argentinos Juniors, time que ofereceu à promessa a chance de atuar pelo Los Cebollitas, equipe amadora afiliada à equipe. Caso as atuações dos tempos de Estrella Roja fossem repetidos, o garoto então seria contratado para atuar na capital argentina.

A apresentação de Maradona foi um evento de parar Nápoles (Liverani)

E o sucesso de Maradona no Cebollitas, é claro, aconteceu. Suficiente para o garoto conseguir, em 1976, uma vaga nos profissionais do Argentinos. Com apenas 15 anos – completaria 16 dez dias depois -, Diego fez sua estreia entre os profissionais da equipe e logo se firmou entre os titulares, encantando com seu futebol arte em todos os campos em que atuava. Seu time, porém, não correspondia, e apesar da evidente melhora em sua vida, uma vez que a família agora tinha sua própria casa em Buenos Aires, a saída para um clube maior era questão de tempo.

Tempo este que não demorou a chegar: em 1981, o Boca Juniors conseguiu levar o jovem para La Bombonera, causando grande impacto em sua enorme torcida. Dentro de campo, Maradona correspondeu com a camisa do clube mais popular da Argentina. Apesar de ter ficado pouco tempo em La Boca, o Pibe de Oro, como passou a ser conhecido, teve importância fundamental na conquista do título argentino logo em seu ano de chegada. O destaque atuando pela equipe xeneize, onde marcou 28 gols em 44 partidas, logo chamou a atenção de um dos maiores gigantes europeus.

Já consolidado como um dos grandes craques da década de 1980, Maradona, então com apenas 22 anos, foi contratado a peso de ouro pelo Barcelona. No Camp Nou, o Pibe passou a encantar todos os europeus com o futebol que já era bem conhecido na América. Rápido e letal, o craque continuou somando títulos em sua passagem pela Espanha. Vencedor da Copa do Rey e da extinta Copa de la Liga, Maradona somava problemas extracampo com algumas lesões sérias, mas sempre atuando em altíssimo nível pelo time da Catalunha. Na Espanha, porém, Diego passou a ter seus primeiros contatos com aquela que seria responsável por sua grande derrocada: a cocaína.

As frequentes discussões com importantes diretores do Barcelona desgastaram a imagem de Maradona na Espanha. Somadas às brigas do craque dentro de campo, foram suficientes para que uma transferência se tornasse mais do que necessária. É neste momento que a paixão entre Diego Maradona e Nápoles começa.

El Pibe e Le Roi: Maradona e Platini rivalizaram pelo posto de melhor do mundo (Gamma/PanoramiC)

Por um recorde de transferência à época, Maradona saiu do Barcelona para ser o maior nome do Napoli. Após alguma discussão sobre a origem do dinheiro que trouxe o craque para a Itália – que para muitos vinha da poderosa máfia napolitana -, o Pibe foi apresentado no dia 5 de julho de 1984, diante de um San Paolo lotado, que depositava no meia-atacante argentino todas as esperanças de obter sucesso na Serie A. A trajetória iniciada com uma derrota para o Verona, que se sagraria campeão naquela temporada, só seria coroada com títulos alguns anos mais tarde. Antes, porém, o jogador obteve a glória máxima dentro do futebol – mas não com a camisa azzurra.

Já considerado o melhor jogador em atividade, Maradona teve em si todos os olhos mundiais durante a disputa da Copa do Mundo de 1986, no México. Consagrado na Argentina, na Espanha e já idolatrado na Itália, o Pibe precisaria provar que poderia obter sucesso com a seleção após fracassar quatro anos antes, na Copa de 1982.

Na América do Norte, no entanto, a história seria diferente. Atuando no mais alto nível de sua carreira, Maradona conduziu a Argentina ao seu segundo título mundial, marcando a história não só pela conquista, mas por seus lances geniais. E também lances que rendem polêmica até hoje, como o gol de mão contra a Inglaterra, vítima também de um dos gols mais impressionantes da história das Copas.

Todos por – e com – Maradona: o craque argentino era o líder do elenco napolitano e o levou a grandes glórias (Getty)

Consagrado com a taça do Copa em suas mãos, Diego voltou para Nápoles para continuar fazendo história. Treinado por Ottavio Bianchi e jogando ao lado de Bruno Giordano e Careca, os outros dois componentes do trio MaGiCa, já em 1987, conseguiu levar o Napoli ao seu primeiro scudetto, com uma campanha que o consagrou definitivamente na Itália. No mesmo ano, fez a dobradinha ao levar para os azzurri também ao título da Coppa Italia.

A sequência de títulos (ou de disputas, como as que levaram o Napoli ao vice da Serie A em 1988 e 1989) continuou ao longo dos tempos, com Dieguito sendo o principal personagem do bicampeonato italiano, em 1990, além de sua única conquista continental, a Copa Uefa de 1989. Todas as conquistas e a identificação com a torcida alçaram Maradona a um patamar assim do de ídolo. Nápoles passou a tratá-lo como um deus entre os mortais.

Numa época em que os clubes de Milão investiam alto em holandeses e alemães e que o futebol italiano como um todo vivia recheado de estrelas do futebol mundial, como Platini, Matthäus, Van Basten, Baggio e Boniek, ter a maior delas – pelo menos para os napolitanos -, que fazia o time ganhar títulos, devolvia a autoestima para os sulistas, em um país cheio de rivalidades territoriais.

Rivalidades que se refletiram na Copa de 1990, disputada na Itália, quando Maradona foi um dos responsáveis por levar a Argentina a um sofrido vice-campeonato, eliminando a Itália na semifinal, disputada no San Paolo. Enquanto em Nápoles muitos italianos torceram por Maradona, na final de Roma contra a Alemanha Ocidental, o hino argentino foi vaiado pela torcida italiana especialmente por causa do craque.

Dieguito também foi campeão continental pelo Napoli (Getty)

A consagração como jogador, porém, não afastou o craque do vício na cocaína. Lidando com a doença e o futebol ao mesmo tempo, Maradona raramente deixava de atuar pelo Napoli, mas era constantemente visto drogado nas noites napolitanas. Os problemas com a cocaína aliado a uma suposta amizade com integrantes da famosa máfia Camorra desgastaram a imagem do Pibe na Itália – não abalando em nada a idolatria dos torcedores do Napoli.

O final da passagem pela equipe de Nápoles marcou o final da época áurea de Maradona. Com a mesma genialidade de sempre mas cada vez mais afundado nas drogas, o argentino foi flagrado no antidoping em 1991 e, depois de longa suspensão, partiu para o Sevilla treinado pelo amigo Carlos Billardo, deixando os azzurri após 259 partidas, 115 gols e exaustivos 86 dias de batalhas judiciais.

A passagem pela Espanha, porém, durou apenas um ano, tempo necessário para Diego descobrir que era perseguido por detetives contratados pelos desconfiados diretores de seu time. Para tentar dar um último suspiro à sua carreira, retornou para a Argentina e assinou pelo Newell’s Old Boys.

A passagem pelo time de Rosário acabou sendo mais uma decepção, interrompida devido às lesões com apenas quatro partidas oficiais disputadas. Mesmo com todos esses problemas, Maradona atendeu ao fervor popular e decidiu defender a Argentina em mais uma Copa, a de 1994, nos Estados Unidos. É lá que sofre um dos episódios mais vexatórios de sua trajetória, sendo impedido de atuar após ser flagrado no antidoping. O fracasso na América do Norte é atenuado com sua decisão de retornar ao seu clube do coração, o Boca Juniors.

Maradona tinha impacto midiático gigantesco e, com seu futebol e suas polêmicas, arrastou repórteres para Nápoles (imago)

Na equipe xeneize, assim como no Sevilla e no Newell’s, não voltou aos tempos de glória, resumindo sua passagem com a seguinte frase: “Maradona não está feliz porque sabe que o Maradona está abaixo do padrão em que normalmente se coloca”. Desta maneira melancólica, encerrou sua carreira com a camisa do Boca, sendo substituído em um clássico contra o River Plate por Juan Román Riquelme.

Fora dos campos o Pibe seguiu com sua decadência, engordando muito e consumindo muitas drogas. Chegou ao fundo do poço e esteve muito perto de morrer, situação que o fez, finalmente, dar a volta por cima. Muito mais magro, de bem com a vida e em tratamento para evitar a cocaína, Maradona salvou a Argentina mais uma vez em 2008 e colocou, como técnico, seu país na Copa de 2010, na qual participou como treinador.

Mesmo fora de forma, continuou sendo fonte inspiradora de músicas, filmes e garotos que começam a jogar futebol. E, claro, é lembrado a todo momento por quem ama o Napoli. Lembrança viva na memória dos partenopei, Maradona teve sua camisa 10 aposentada pelo clube em 2000.

Em 2020, após uma conturbada vida como técnico, Maradona dirigia o Gimnasia La Plata, de sua Argentina. Em novembro, pouco depois de completar 60 anos, se submeteu a uma cirurgia para a retirada de um edema na cabeça e, dias depois, quando repousava em sua casa, sofreu uma parada cardiorrespiratória fulminante. Deuses não morrem, é claro, mas o Pibe foi homenageado com uma linda carta no jornal Clarín.

Atualizado em 25 de novembro de 2020.

Diego Armando Maradona
Nascimento: 30 de outubro de 1960, em Lanús, Argentina
Morte: 25 de novembro de 2020, em Tigre, Argentina
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Argentinos Juniors (1976-81), Boca Juniors (1981-82 e 1995-97), Barcelona (1982-84), Napoli (1984-91), Sevilla (1992-93) e Newell’s Old Boys (1994-95)
Títulos como jogador: Mundial Sub-20 (1979), Campeonato Argentino (1981), Copa do Rei (1983), Copa da Liga Espanhola (1983), Supercopa da Espanha (1983), Copa do Mundo (1986), Coppa Italia (1987), Serie A (1987 e 1990), Copa Uefa (1989) e Supercopa Italiana (1991)
Carreira como treinador: Textil Mandiyú (1994), Racing (1995), Argentina (2008-10), Al-Wasl (2011-12), Fujairah (2017-18), Dorados de Sinaloa (2018-19) e Gimnasia La Plata (2019-20)
Seleção argentina: 91 jogos e 34 gols

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