A carreira de Fabio Capello como treinador é recheada de títulos e grandes trabalhos. Não à toa, ele está na lista dos maiores treinadores de todos os tempos. Qualquer um que acompanha o futebol italiano desde os anos 1990 sabe da importância do técnico friulano para o cenário local, mas o que nem todos os mais jovens sabem é que, antes de aderir à combinação de paletó, óculos e gravata, Don Fabio também foi campeão com a bola nos pés. E era um jogador bastante respeitável, que chegou a defender a Itália numa Copa do Mundo.
Fabio é natural de Pieris, centro urbano partícipe do município de San Canzian d’Isonzo e muito próximo da fronteira com a Eslovênia. Seu primeiro contato com o futebol veio através da família. Seu pai, o professor Guerrino, sobreviveu ao horror dos campos de concentração nazistas e, pouco depois do nascimento do filho (em 1946, ao fim da Segunda Guerra), passou a bater uma bolinha nos times amadores locais. Mas o exemplo maior vinha, principalmente, do irmão mais novo da mãe, dona Evelina. Mario Tortul foi um meia-atacante que brilhou na Sampdoria e chegou até a representar a Itália.
O jovem Capello começou nas divisões de base do Pieris, mas aos 16 anos já chamava a atenção de Paolo Mazza, presidente da Spal. Fabio também interessava a Giuseppe Viani, diretor técnico do Milan, mas os spallini chegaram primeiro, fecharam um acordo com a família do meio-campista e venceram a competição com o gigante. Em Ferrara, o friulano passou dois anos nas categorias de base, onde evoluiu sob a batuta de Giovan Battista Fabbri, e chegou a vencer o Campeonato Primavera da Serie B.
Fabio fez sua estreia entre os profissionais já na Serie A, com apenas 18 anos: atuou numa derrota contra a Sampdoria, em Gênova, por 3 a 1. A Spal acabou rebaixada, mas voltou imediatamente à elite. Nesse retorno, Capello assumiria o comando do meio-campo.
Talentoso e taticamente inteligente, o friulano ainda era jovem, mas já sabia ler bem as jogadas e tinha uma boa noção de posicionamento. Era um regista valioso, com excelente técnica nos passes e visão de jogo privilegiada, o que lhe permitia orquestrar os movimentos de ataque de seu time ou criar chances para os companheiros. Capello também tinha personalidade e se tornou o cobrador oficial de pênaltis dos estensi.
Com esse cabedal de qualidades, o garoto dividiu as tarefas da criação de jogadas com o argentino Oscar Massei, enquanto outros dois outros futuros treinadores de relevo (Edy Reja e Osvaldo Bagnoli) se destacavam na composição defensiva spallina. Essa espinha dorsal ajudou a Spal treinada por Francesco Petagna a escapar duas vezes do rebaixamento.
Após quatro anos em Ferrara, Capello foi vendido para a Roma, que estava investindo pesado numa mescla de jovens promessas e jogadores experientes, como o brasileiro Jair da Costa. Em sua primeira temporada, Fabio jogou pouco: o técnico Oronzo Pugliese mal pode utilizá-lo, porque o friulano sentia dores ocasionadas por uma lesão no joelho, sofrida ainda na época de Spal.
Sua segunda campanha na Cidade Eterna foi totalmente diferente: Fabio se recuperou integralmente da lesão e ganhou mais atribuições em campo. Helenio Herrera percebeu que Capello tinha faro de gol, devido a seu chute poderoso e preciso, e lhe permitiu uma maior aproximação à área adversária.
Na nova função, o friulano se destacou. Capello terminou a temporada com 10 tentos anotados e a artilharia romanista. Dois deles foram vitais para seu primeiro título: a Coppa Italia, na qual ele garantiu uma doppietta sobre o Foggia na última rodada do quadrangular decisivo.
Pela Serie A, a Roma não conseguia sair do meio de tabela. Porém, o título da copa nacional permitiu que os giallorossi disputassem a Recopa Uefa – além da Copa da Liga Anglo-Italiana, da qual foi vice-campeã. Na competição europeia, muito mais importante, a Loba também fez uma boa campanha e só foi eliminada nas semifinais, pelo Górnik Zabrze, da Polônia: após dois empates, o regulamento previa um sorteio para definir o classificado e o time italiano perdeu no cara ou coroa. Mais uma vez, Capello foi o artilheiro romanista, com sete gols marcados.
No verão de 1970, o presidente Alvaro Marchini, que assumira um ano e meio antes, irritou a torcida e o técnico Herrera: colocou à venda vários dos melhores jogadores do time, inclusive Capello. A Juventus, que não é boba, aproveitou e o levou para o norte da Itália, juntamente aos companheiros Fausto Landini e Luciano Spinosi. Em Turim, Fabio viveu o seu auge e teve seis anos de muita regularidade.
Os primeiros meses, contudo, foram difíceis para Fabio. Ele não se sentia adaptado ao clube e chegou a fazer críticas a colegas e ao técnico Armando Picchi numa entrevista. A situação já era problemática por si só, mas piorou ainda mais pelo fato de a conversa com o Corriere dello Sport ter sido publicada no mesmo dia em que o treinador ficou sabendo que tinha câncer.
A diretoria juventina quis afastar o jogador do elenco, mas Picchi interveio e Capello recebeu apenas uma gorda multa. Os dois se resolveram e coroaram a reconciliação de forma única. Em fevereiro de 1971, o técnico comandava a Juventus pela última vez, contra o Verona, e Fabio anotou o gol da vitória, que foi dedicada ao professor. Picchi morreria dois meses depois.
Depois que resolveu as diferenças com o estafe juventino, Capello decolou. Fabio permaneceu na Juventus até 1976 e, nesse período, foi treinado apenas por mais dois treinadores: Cestmír Vycpálek e Carlo Parola, que comandaram a Velha Senhora num ciclo vitorioso. Os bianconeri foram tricampeões nacionais e acumularam alguns vice-campeonatos – Copa das Feiras, Coppa Italia, Copa dos Campeões e Mundial Interclubes –, além de uma eliminação nas semifinais da Copa Uefa.
Fabio Capello era uma das principais peças de um time fortíssimo, que se consolidou como fonte de jogadores para a seleção italiana, além do alemão Helmut Haller. Além de Giuseppe Furino, Sandro Salvadore, Dino Zoff, Pietro Anastasi e José Altafini, que já haviam disputado Copas do Mundo, aquela Juventus teve nomes como Francesco Morini, Antonello Cuccureddu, Franco Causio, Roberto Bettega, Claudio Gentile, Gaetano Scirea e Marco Tardelli. E, claro, Capello, que ganhou sua primeira oportunidade pela Nazionale em 1972, com quase 26 anos, depois de anotar 13 gols na temporada – seu recorde pessoal.
O meia bianconero estreou numa derrota por 2 a 1 para a Bélgica, em amistoso. Contudo, granjeou seu espaço com o técnico Ferruccio Valcareggi e transportou a importância que tinha na Juventus para a seleção italiana. Para o próprio Capello, seu maior momento pelos azzurri foi o gol da primeira vitória italiana no lendário estádio de Wembley, contra a Inglaterra, em 1973. Um ano depois, Fabio disputou a Copa do Mundo como titular e marcou na derrota contra a Polônia, em jogo que marcou a queda italiana no torneio. O friulano continuou a ser convocado até o fim de 1976, quando já tinha 30 anos.
Em 1976, Capello também mudou de casa, após 240 jogos e 41 gols pela Juventus: trocou Turim por Milão. Giovanni Trapattoni chegou ao Piemonte, vindo do Milan, e pediu a contratação do experiente Romeo Benetti, que treinara em San Siro. Trap queria um jogador mais marcador do que um construtor, como Fabio. A diretoria cedeu ao desejo do seu treinador e, assim, a troca foi realizada.
Vale salientar que os dois lados tiveram êxito: a Velha Senhora logo venceu a Serie A e a Copa Uefa, dando início à hegemonia do técnico, e o friulano se tornaria ídolo (e campeão) também pelo Diavolo. Logo de cara, aliás, voltou a levantar a taça da Coppa Italia ao bater a Inter na final. Em seu período em Milanello, Capello foi titular até 1978, com os técnicos Giuseppe Marchioro, Nereo Rocco e Nils Liedholm.
Tudo corria bem para Fabio até a temporada 1978-79, quando problemas físicos o acometeram e praticamente encerraram sua carreira: em dois anos, o meia fez apenas 15 partidas, pouco contribuindo para o décimo scudetto da história do Milan e o quarto de sua carreira. Em 1980, em meio aos desdobramentos do escândalo Totonero, que rebaixaria o Diavolo, Capello anunciou sua aposentadoria, aos 34 anos.
Depois de ser referência no futebol italiano como atleta, Fabio Capello demorou um pouco a repetir a dose como treinador. Após experiências como comentarista, técnico dos juvenis e interino dos profissionais do Milan, na década de 1980, o friulano adentrou os anos 1990 nas vestes de comandante do elenco principal rossonero. Capello marcaria época pelo Diavolo e, na Itália, só treinaria (com sucesso) Roma e Juventus, que também defendeu como jogador. Um ícone reconhecido por sua lealdade.
Fabio Capello
Nascimento: 18 de junho de 1946, em San Canzian d’Isonzo, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Spal (1964-67), Roma (1967-70), Juventus (1970-76) e Milan (1976-80)
Títulos: Coppa Italia (1969 e 1977) e Serie A (1972, 1973, 1975 e 1977)
Seleção italiana: 32 jogos e 8 gols