“Se este é o início, o fim está próximo”. Com este título apocalíptico, o jornal Corriere della Sera abriu a análise sobre o desempenho da Itália em sua estreia na Copa do Mundo de 1994, contra a Irlanda. Embora contundente, a frase não foi mal colocada e não houve exagero na avaliação. A Nazionale treinada por Arrigo Sacchi fez, de fato uma péssima partida e precisou melhorar muito nos jogos seguintes para, primeiramente, passar da fase de grupos e, mais à frente, ser finalista da competição.
Quando chegaram à Copa de 1994, tanto Itália quanto Irlanda tinham trabalhos de treinadores que chamavam atenção. De um lado, a Nazionale era comandada por Sacchi, que revolucionara o futebol e ganhara títulos nacionais, europeus e mundiais pelo Milan. Já os verdes haviam mudado de patamar a partir de 1986, quando o inglês Jack Charlton, campeão mundial em 1966, como zagueiro da seleção de seu país, assumiu o comando.
Sacchi, apesar de vitorioso, não era unanimidade na Itália. Os motivos eram o seu temperamento difícil e a inflexibilidade quanto a suas ideias futebolísticas. Tal intransigência fez com que vários jogadores fossem excluídos da seleção, enquanto atletas menos talentosos, mas nos quais o técnico confiava, ganharam espaço. Alguns dos nomes barrados pelo professor foram Walter Zenga, Giuseppe Bergomi, Giuseppe Giannini, Roberto Mancini e Gianluca Vialli.
A Irlanda, por sua vez, desfrutava de sua chamada geração de ouro e confiava plenamente em Charlton. O treinador estabeleceu uma bem-sucedida política de buscar descendentes de irlandeses nascidos na Inglaterra e na Escócia, de modo a aumentar o seu leque de opções de atletas com talento. Assim, construiu uma equipe forte, que se classificou pela primeira vez para uma Euro e um Mundial em sequência. Em 1988, no torneio continental, ficou a minutos de avançar às semifinais; em 1990, na Copa, foi eliminada nas quartas pela Itália, dona da casa. Nos Estados Unidos, seria a hora da revanche sobre os azzurri.
Marcado para o Giants Stadium, em East Rutherford, Nova Jérsei, o embate entre Itália e Irlanda abriria o Grupo E – no dia seguinte, se enfrentariam Noruega e México. Num calor de 33 graus e com 85% de umidade do ar, o jogo ocorreria às 16 horas, no horário local, e as condições meteorológicas preocupavam as duas delegações, pela promessa de intenso desgaste dos jogadores. Ninguém iria querer sair atrás no marcador e ter que correr atrás do resultado.
Sacchi escalou a Itália em seu habitual 4-4-2, com Roberto Baggio e Giuseppe Signori no ataque. Já Charlton optou por um cauteloso 4-5-1, pensando em bloquear os flancos e a possibilidade de os azzurri explorarem a profundidade. Para os italianos, isto se tornou um pesadelo, porque a Irlanda abriu o placar muito cedo.
Aos 11 minutos, Franco Baresi tentou encontrar Demetrio Albertini com um passe curto de cabeça, mas Ray Houghton interceptou a trajetória da bola. O meio-campista, que foi um dos tantos descendentes de irlandeses que o técnico foi buscar na Escócia, observou Gianluca Pagliuca adiantado e acertou um lindo chute por cobertura.
Depois que conquistou a vantagem no placar, a Irlanda cadenciou muito o jogo nos momentos em que teve a bola, exagerando em passes laterais e recuos. Seguindo o seu plano à risca e tendo sucesso nisso, o Eire ficou confortável na partida. Sem profundidade alguma, a Itália via Robi Baggio voltar até o círculo central para tentar articular jogadas e foi incapaz de quebrar as duas bem postadas linhas verdes para pisar na área rival. No primeiro tempo, os azzurri simplesmente não produziram nada digno de nota.
No intervalo, Sacchi resolveu sacar Alberico Evani, que atuava como meia aberto pela esquerda, e deu lugar ao atacante Daniele Massaro – com isso, Signori foi reposicionado no flanco canhoto. A mudança deu algum resultado e a Itália passou a frequentar a grande área adversária e dar trabalha à defesa verde, principalmente com infiltrações de Dino Baggio. Já Roberto Donadoni, depois de uma boa troca de passes, finalizou por cima da baliza protegida por Pat Bonner. Aos 64, foi a vez de Signori chutar forte e obrigar o arqueiro adversário a efetuar sua primeira intervenção complicada.
A Irlanda poderia ter se fechado ainda mais, porém preferiu não pagar para ver no que daria o crescimento da Itália. Então, Charlton orientou seus atletas a contra-atacarem. Logo após o chute perigoso de Signori, Houghton experimentou um arremate rasante e parou numa defesa em dois tempos de Pagliuca.
Na reta final da partida, a Irlanda voltou a ter as melhores oportunidades de estufar as redes. Terry Phelan fez jogada pela esquerda e rolou para John Sheridan, deixado sozinho perto da marca do pênalti, por um erro de recomposição azzurra. O meia emendou um petardo de direita e carimbou o travessão. O fato é que a Nazionale cansou antes dos verdes. Assim, a última boa chance seria justamente dos irlandeses, numa cabeçada de Steve Staunton.
Estava feita a história, portanto. Na Copa de 1994, a Irlanda se vingou da eliminação imposta pela Itália em 1990 e conquistou o seu primeiro triunfo sobre os azzurri, que haviam vencido os seis confrontos realizados entre as seleções até então. A mensagem que a derrota passou para a equipe de Sacchi é que havia muito o que melhorar e que a resposta deveria ser rápida. Afinal, a partida seguinte, cinco dias depois, seria contra a Noruega, que venceu o México por 1 a 0. Aos trancos e barrancos, isso ocorreu e a Nazionale evoluiu a ponto de chegar à decisão e perder para o Brasil somente nos pênaltis. Mas isso é história para outro dia.
Itália 0-1 Irlanda
Itália: Pagliuca; Tassotti, Costacurta, Baresi, Maldini; Donadoni, Albertini, D. Baggio, Evani (Massaro); R. Baggio, Signori (Berti). Técnico: Arrigo Sacchi.
Irlanda: Bonner; Irwin, McGrath, Babb, Phelan; Houghton (McAteer), Keane, Sheridan, Townsend, Staunton; Coyne (Aldridge). Técnico: Jack Charlton.
Gol: Houghton (11′)
Árbitro: Mario van der Ende (Países Baixos)
Local e data: Giants Stadium, East Rutherford (Estados Unidos), em 18 de junho de 1994