Você já deve ter lido aqui no Quattro Tratti que o futebol é um espelho da sociedade em que se desenvolve. A Itália vive uma baita crise; o desporto, também: clubes endividados, estádios sucateados e falta de público nas arquibancadas. Além disso, o futebol não tem mais o apelo de anos atrás – falamos sobre isso no post sobre as saídas de Thiago Silva e Ibrahimovic do Milan ao PSG. Se os clubes provincianos custam a sobreviver na Serie A, o que pensar, então, sobre as agremiações que estão na segunda divisão ou na Lega Pro?
No Belpaese, hoje, há pouquíssimo investimento estrangeiro no futebol se comparado a outras ligas. Na Serie A, a Roma é uma exceção: 60% das ações do clube foram adquiridas por uma empresa estadunidense de Thomas DiBenedetto – o restante pertence ao consórcio Unicredit. A Inter, recentemente, teve cerca de 20% de suas ações compradas por investidores chineses, que prometeram construir o novo estádio. A multinacional Pirelli, com sede em Milão, também tem participação no clube, que é gerido majoritariamente por Massimo Moratti, dono do conglomerado petrolífero Saras.
Há, ainda, alguns outros investidores italianos que chegaram para mudar o patamar econômico de suas equipes: a Exor, dona de 63,77% das ações da Juventus; a Filmauro, de Aurelio De Laurentiis, no Napoli; a família Della Valle, acionista majoritária da Fiorentina; e a Fininvest de Silvio Berlusconi, chefão do modelo de sociedade anônima do Milan. Quem aparece nos últimos anos é Gabriele Volpi, do Spezia.
Spezia? Quem? Quê?
O time da Ligúria foi fundado em 1906 sob nome de Sport Club Spezia. Apesar de o clube não participar da Serie A desde 1925, tem um scudetto simbólico. Em 1943-44, durante a II Guerra Mundial, enquanto metade da Itália havia sido conquistada pelas tropas aliadas, o norte continuava sob domínio nazifascista. Foi organizado, então, o Campeonato da Alta Italia, vencido por uma equipe mista, formada por jogadores do Spezia e completada por membros do corpo de bombeiros da cidade. O heroico título foi em cima do Torino, que tinha Vittorio Pozzo e Silvio Piola e já começava a formar as bases para se tornar o Grande Torino do pós-guerra.Desde a década passada, quando a FIGC reconheceu o título honorário, a equipe usa um scudetto na camisa. O time da década de 1940 ficou conhecido pelo cinque C, já que tinha cinco jogadores com sobrenomes iniciados pela letra C: Coltella, Carapellese, Castigliano, Costa e Costanzo, artilheiro da Serie B 1942-43.
Após o parêntese histórico, voltemos aos dias atuais. Gabriele Volpi entrou na vida dos aquilloti quando o Spezia foi à falência e relegado à Serie D (futebol amador), no verão de 2008. Em apenas quatro anos, o clube está na Serie B e tem um elenco razoável, qualificado para brigar pelo acesso.Volpi é um dos homens mais ricos do Belpaese e dono da Intels Oilfield. A empresa petrolífera rende aproximadamente 1,5 bilhões de dólares por ano. Daí vem uma parte para da explicação do seu apelido: é chamado de “Abramovich italiano”, já que o dono do Chelsea também investe na extração do óleo e investe em esportes.
Antes de gastar dinheiro no esporte mais popular da Itália, o milionário dava suas cartas no polo aquático. Ex-jogador do Pro Recco nos anos 60, ele virou presidente do clube em 2004 e começou o investimento que rendeu sete campeonatos nacionais, seis copas da Itália e oito títulos internacionais. A gestão de Volpi no polo terminou neste ano e as algumas consequências já são vistas: o time feminino, que também já havia sido campeão nacional, foi desmanchado, por exemplo.
Futuro promissor
Nas últimas duas temporadas, o Spezia tem feito ações para angariar receita que tem dado certo. Ainda na Lega Pro, o clube conseguiu aumentar a quantidade de torcedores presentes no estádio. A média de torcedores, naquele ano (2010), era de menos de 2 mil por partida – o que não é tão diferente assim do Atlético-GO no Campeonato Brasileiro de 2012, convenhamos.
O marketing dos aquilloti também tem trabalhado em prol dos consumidores do clube. O site em versão mobile, com notícias, galerias de fotos e tempo real das partidas, foi lançado durante a última temporada. Para esta época, o Spezia fechou contrato com a Lotto, que vai assinar os uniformes oficiais e materiais de jogo e treinamento. Outra boa ação é feita desde que o “novo rico” retornou à segundona: o Spezia Box Experience. Os pacotes consistem em apresentar ao consumidor muito mais do que apenas o clube. Cada um deles – gourmet, gourmet luxo, vinho, rafting, passeio de barco, tour pela cidade, etc. – terminam com a visita ao Stadio Alberto Picco.
Antes da parada do campeonato por conta da data Fifa, o Spezia conquistou quatro dos seis pontos disputados: uma vitória, na estreia, contra o Vicenza por 2 a 1 e um empate contra o Hellas Verona em 1 a 1, no Marcantonio Bentegodi. Um ótimo início, ao contrário daquele de 2011-12. Em outubro, Volpi chamou Michele Serena (ex-zagueiro de Fiorentina, Atlético de Madrid e Inter, entre outros) paa tirar a equipe da zona de rebaixamento. E ele tirou a equipe da antepenúltima posição, levando-a ao título da Lega Pro. Além disso, o Spezia foi campeão da Supercoppa da terceirona.
Para esta temporada, a equipe bianconera é forte e tem elenco para brigar pela promoção. Além de manter o artilheiro da equipe na última temporada, Evacuo, com 20 gols, os aquilloti contrataram Di Gennaro, jovem atacante que tenta repetir as boas atuações pelo Modena no último ano; Okaka, ex-atacante da Roma; Goian, bom zagueiro ex-Steaua Bucareste e Rangers, mas que foi mal no Palermo; Porcari e Sammarco, meio-campistas experientes que vêm de Novara e Chievo, respectivamente; Antenucci, atacante que tenta repetir a temporada regular na campanha do Ascoli em 2010; Sansovini, rápido atacante que fez ótima Serie B e 16 gols pelo Pescara; e Crisetig, jovem do vivaio da Inter. Na equilibrada segundona, pode ser suficiente.
Se subir, o Spezia terá um grande desafio: o de ser uma equipe nanica a vingar na Serie A. Nos últimos anos, o campeonato tem entrado em crise técnica e financeira, se desorganizando bastante. O resultado da desorganização é a queda de equipes tradicionais e o surgimento de equipes pequenas que, muitas vezes, não tem possibilidade de se manterem na elite.
Nos últimos anos, passaram pela elite equipes como Ancona, Messina, Treviso, Reggina, Empoli e mesmo Livorno, Modena, Lecce, Ascoli e Cesena. Atualmente, estão na primeira divisão Catania e Pescara, que tiveram muitas participações décadas atrás – fora Chievo e Siena, que estrearam na Serie A apenas nos anos 2000. Dessas equipes, apenas Reggina, Empoli, Lecce, Livorno, Siena, Catania e Chievo conseguiram a regularidade de participarem de, ao menos cinco edições (consecutivas ou alternadas com quedas), firmando-se, de alguma forma, na “crême de la crême” italiana. Haverá espaço para mais uma equipe socialite?
Melhor um 4-3-3 com Cassano e Rossi auxiliando o… é…, aaah, quem sabe o Balotelli.