Jogos históricos

Em 2001, o Milan impôs à Inter a maior goleada na história do Derby della Madonnina

O futebol italiano é recheado de clássicos históricos. Em tempos de pandemia, recordar jogos de casa cheia no San Siro serve como remédio para amenizar a saudade das coreografias nas curvas Sud e Nord no mitológico estádio que abriga jogos de Inter e Milan. Porém, o Derby della Madonnina ocorrido em maio de 2001 só traz boas lembranças para os rossoneri: afinal, aplicaram incríveis 6 a 0 sobre a grande rival. De um lado, brilhavam as estrelas de Gianni Comandini, Andriy Shevchenko e Serginho; do outro, uma equipe nerazzurra que tinha Javier Zanetti e Christian Vieri aceitava a maior goleada da história do confronto.

A temporada 2000-01 era atribulada pelas bandas de Milão. Tanto Inter quanto Milan haviam demitido os seus técnicos durante as campanhas: a equipe nerazzurra trocara Marcello Lippi por Marco Tardelli e a rossonera, Alberto Zaccheroni por Cesare Maldini. As alterações não haviam revolucionado os times, que ainda patinavam bastante. Duas semanas antes do clássico, a Beneamata perdera para o Brescia, ao passo que, na rodada que precedeu o dérbi, o Diavolo foi derrotado pelo Perugia.

O Milan de Cesare Maldini costumava jogar com uma troca de passes intensa, buscando espaços no deslocamento da marcação do adversário. Naquele Derby della Madonnina, a fórmula se repetiu e a inteligência de Serginho pelo lado esquerdo prevaleceu, com jogadas pela linha de fundo.

A Inter, bombardeada pelas pontas, esforçava-se para acompanhar o ataque do adversário. No entanto, se ver com placar desfavorável muito cedo afetou o plano de jogo dos nerazzurri: aos 19 minutos do primeiro tempo, o Milan já vencia por 2 a 0 e os comandados de Tardelli precisavam de uma nova estratégia para correr atrás do resultado.

Carrasco impiedoso da Inter, Shevchenko marcou dois dos seus 14 tentos sobre os nerazzurri neste clássico (imago/Buzzi)

A noite inspirada de Comandini

Logo de cara, a imposição física e a qualidade do meio-campo do Milan prevaleceram. Graças a essas qualidades, os rossoneri abriram o placar aos 3 minutos de jogo. Matteo Ferrari tentou passe em profundidade e Paolo Maldini já chegou cortando ao mesmo tempo em que acionava Serginho. O brasileiro arrancou pela esquerda e foi certeiro no passe para Comandini: em movimento rápido, o camisa 9 se desmarcou e balançou as redes de Sébastien Frey.

O atacante rossonero não parou por ali. Logo depois de Sebastiano Rossi rebater de qualquer jeito um chute forte de Stéphane Dalmat, a Inter cometeu mais um erro na troca de passes e a bola ficou com o Milan. Na hora de reposicionar, Roque Júnior fez o passe enfiado para Kakha Kaladze, escalado pelo treinador como volante. O georgiano buscou Serginho, que não hesitou em carregar a bola até a linha de fundo e cruzar para Comandini: o atacante antecipou Matteo Ferrari e emplacou lindo cabeceio para ampliar o placar aos 19 minutos.

No restante da primeira etapa, a Inter continuou a ser enganada frequentemente pela velocidade e pela troca de passes curtos do adversário. A melhor chance dos nerazzurri foi por trás da linha de meio de campo do Milan, quando Vieri tentou o passe em profundidade. O que ele não esperava era a intervenção de Roque Júnior que, com consciência, interrompeu a linha de passe.

Até o árbitro Pierluigi Collina mandar as equipes para o descanso, as defesas se sobressaíram. Tanto Inter quanto Milan se articularam, mas os zagueiros levaram a melhor. A exceção foi, novamente, Comandini: aos 43, ele recebeu de Serginho, conseguiu se livrar de Laurent Blanc e finalizou forte, obrigando Frey a fazer excelente defesa.

Serginho levou a vantagem sobre Zanetti e foi o melhor em campo no dérbi (imago/Buzzi)

A hora do algoz Shevckenko e a cereja do bolo para Serginho

O segundo tempo foi o momento de entrega da Inter e superioridade do Milan. Shevchenko, conhecido como carrasco da Inter, é o maior artilheiro do Derby della Madonnina, com 14 gols. Neste clássico, o ucraniano marcou dois deles – o quinto e o sexto da lista, aos 66 e 77 minutos.

Com a Curva Sud inflamada na ida ao vestiário, o Milan retribuiu o calor das arquibancadas e incendiou o campo. A Inter foi mais eficiente na articulação das jogadas no início da segunda etapa, mas encontrava uma defesa sólida do outro lado. A solução foi descer pelas pontas, que apresentavam mais espaço. Em uma jogada pela esquerda, a bola ia sobrando de Álvaro Recoba para Vieri. No entanto, Maldini evitou o andamento do lance.

O jogo ficava mais agressivo, com faltas da Inter para tentar segurar o adversário. Foi justamente a partir de uma infração que saiu o terceiro gol do Milan – meio sem querer. Próximo ao último terço do campo, Federico Giunti levantou a bola na área, ninguém desviou e o goleiro Frey não conseguiu defender: a bola morreu mansamente no canto.

O terceiro gol destruiu a Inter em campo. O time ruiu tanto sob os aspectos tático quanto psicológico e um contra-ataque do Milan aos 66 minutos deixou isso claro. Giunti achou Shevchenko, José Mari – que substituíra Comandini – ficou com a bola e abriu para Serginho, totalmente livre. Seguido de longe por Clarence Seedorf, que tentava tapar um buraco deixado por um bote que Zanetti foi dar no meio-campo, o brasileiro cruzou para Shevchenko. Dario Simic marcava o ucraniano, mas o erro do zagueiro no tempo de bola permitiu que Sheva cabeceasse e fizesse o quarto.

Assim como o treinador Tardelli, a Inter já colocava as mãos na cabeça e observava o jogo mágico praticado pelo Milan. Sem fôlego, só olhava mesmo. Aos 77, Kaladze acionou o turbo e arrancou sem qualquer oposição de Benoît Cauet e Blanc, encontrando Shevchenko com cruzamento rasteiro: aproveitando falha de marcação de Vratislav Gresko, o camisa 7 se antecipou a Frey e anotou o quinto gol dos rossoneri.

Aos 81 minutos, a torcida milanista já entoava gritos de “olé” a cada passe trocado pelo time. Mas ainda havia espaço para mais – e tempo para presentear um personagem importante para a goleada. Roque Júnior lançou Shevchenko, que, mal marcado por Simic, ajeitou de calcanhar para Serginho aproveitar o buraco na defesa da Inter e arrancar com velocidade, deixando Zanetti e Gresko para trás. Frey nada pode fazer para rebater o forte chute no contrapé.

Estava definido: a Inter até tentou, mas sua desorganização em todos os setores do campo foi um ponto crucial para que o Milan estabelecesse a maior goleada da história do Derby della Madonnina. A força e a velocidade pelas pontas, a consistência no meio e a ótima atuação da zagas foram as chaves para que o time rossonero saísse de campo com o belo e memorável triunfo.

A histórica atuação, porém, pode ser definida como um lampejo. O Milan não aproveitou a injeção de ânimo oferecida pelo placar elástico num jogo tão importante e não venceu mais no campeonato: amargou duas derrotas e dois empates nas rodadas seguintes. Na derradeira jornada, perdeu até para a rebaixada Reggina. A Inter também não teve grande fim de temporada, mas ao menos venceu as partidas contra Bari e Bologna para terminar a Serie A dois pontos à frente do rival. Na quinta e na sexta posições, os cugini foram de braços dados para a Copa Uefa. Um desfecho justo para times com campanhas tão marcadas pela instabilidade.

Inter 0-6 Milan

Inter: Frey; Ferrari, Blanc, Simic; Zanetti, Farinós (Cauet), Di Biagio (Seedorf), Dalmat, Gresko; Vieri, Recoba. Técnico: Marco Tardelli.
Milan: Rossi; Helveg, Costacurta, Roque Júnior, Maldini; Gattuso, Giunti (Guly), Kaladze, Serginho; Shevchenko (Leonardo), Comandini (José Mari). Técnico: Cesare Maldini.
Gols: Comandini (3′ e 19′), Giunti (53′), Shevchenko (67′ e 78′) e Serginho (81′)
Cartões amarelos: Simic; Helveg e Gattuso
Cartão vermelho: Gattuso
Árbitro: Pierluigi Collina (Itália)
Local e data: estádio San Siro, Milão (Itália), em 11 de maio de 2001

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