Herrera como sobrenome, América do Sul como lugar de nascimento, Espanha e Itália como países em que puderam expressar os seus melhores trabalhos, com conduta severa e táticas revolucionárias. As semelhanças entre o Mago Helenio e o Sargento Heriberto vão muito além do nome e das iniciais pelas quais ficaram conhecidos (HH). No entanto, enquanto o franco-argentino Helenio Herrera é lembrado como um dos grandes treinadores do futebol, o hispano-paraguaio, que foi parte importante de um período da Juventus, acabou não recebendo a glória devida a aqueles que já foram campeões italianos.
Ao contrário do homônimo argentino, Heriberto teve uma carreira de sucesso como jogador. O zagueiro paraguaio foi revelado pelo Club Nacional, de Assunção, e teve desempenho suficiente para ocasionar sua contratação pelo Atlético de Madrid, clube pelo qual assinou juntamente aos compatriotas Adolfo Riquelme e Atilio López. Além do destaque pelo Nacional Querido e pelos colchoneros, o defensor se tornou protagonista da conquista da Copa América de 1953 com seu país, liderando a equipe que bateu o Brasil por 3 a 2 na final em Lima. Também acabou eleito como o melhor jogador da competição.
A carreira profissional do paraguaio começou tarde e também acabou precoce – parou em 1959, aos 33 anos, após uma lesão nunca curada. Pelos colchoneros, Herrera fez parte da equipe vice-campeã da Copa da Espanha em 1956 diante do Athletic Bilbao e do Campeonato Espanhol em 1958, quando ficou atrás do Real Madrid. Na capital, Heriberto jogou ao lado do atacante Joaquín Peiró, que mais tarde se mudaria para a Itália com passagens marcantes por Inter e Roma. Este caminho também seria trilhado pelo paraguaio, mas em outra função.

No início de sua passagem pela Juventus, Herrera posa com os atacantes Sívori e Combín (Archivio Farabola)
Logo após o final da carreira como jogador, Herrera seguiu no futebol como treinador e, logo no início de sua trajetória, comandou o Tenerife na campanha do acesso do clube das Ilhas Canárias para a primeira divisão, em 1961. Apesar disso, o paraguaio não acompanhou a equipe na estreia na primeira divisão e seguiu na segundona, pelo Granada, equipe que acabou trocando pelo Real Valladolid na segunda metade da temporada. Com o time blanquivioleta, novamente conquistou o acesso: segundo colocado no seu grupo, o Valladolid bateu o Espanyol no play-off, tirando o clube de Barcelona da primeira divisão e tomando sua vaga.
Herrera, porém, novamente mudou de clube e seguiu na segunda divisão, se provando um especialista em acessos. Dessa vez, o triunfo aconteceu justamente pelo Espanyol, que havia frustrado meses antes, ao lado do já veterano Laszlo Kubala. A estreia na primeira divisão aconteceu em 1963, mas pelo Elche, com o qual realizou um grande ano: deixou o clube com sua melhor posição em La Liga (um quinto lugar), depois de chegar a liderar o campeonato vencido pelo Real Madrid.
O desempenho pelos franjiverdes chamou a atenção da Juventus, que estava mudando de ares depois da saída de Umberto Agnelli da presidência. Cansada dos caprichos de seus jogadores badalados e dos resultados ruins enquanto os rivais de Milão começavam seu domínio na década, a diretoria do clube procurava um técnico disciplinador, de perfil mais rígido, para colocar a casa em ordem. Missão dada e cumprida por Herrera, que logo de cara teve problemas com a lenda Omar Sívori: o argentino ficou insatisfeito com o novo método de trabalho.
“Os Agnelli não gostavam daquela Juve, mas era uma equipe persistente, humilde e compacta. Sívori não era um líder, pelo menos não sabia como ser ou não queria agir como tal”, disse certa vez o treinador em entrevista reproduzida pelo jornal La Repubblica após sua morte, em 1996. Herrera queria uma equipe operária, em que todos deveriam se sacrificar pelo conjunto. O paraguaio tinha uma estratégia vanguardista uma década antes do revolucionário Ajax de Rinus Michels.
Era o movimiento, estratégia propagada no futebol sul-americano daquela época, da qual o paraguaio foi um dos precursores na Europa. O modo que Heriberto concebia o futebol já contemplava os princípios do pressing e do futebol total: os jogadores não tinham posição fixa, mas eram exaustivamente exigidos a realizarem movimentos pré-determinados por Herrera, que sugava cada gota de suor dos seus comandados durante os treinos. O paraguaio encarnava as vestes de preparador físico.
Conhecido como “sargento de ferro”, Heriberto Herrera não se furtava a distribuir multas para os jogadores indisciplinados, que não seguiam sua cartilha – com métodos que também incluíam um acompanhamento físico rigoroso. O paraguaio não tolerava insubordinações e chegava até mesmo a resolver suas diferenças com os jogadores de forma pouco ortodoxa: certa vez, deu um murro no atacante Gianfranco Zigoni. Para Gianni Agnelli, Herrera “transformou a Juve do jogo aristocrático em uma equipe social-democrata”. Contribuía para isso o fato de o técnico não privilegiar o individual: para Heriberto, todos os jogadores eram iguais.
Apesar disso, o movimiento não se tratava de uma estratégia ofensiva e que prezava por um futebol técnico, mas sim um futebol agressivo e dinâmico, com marcação apertada e ataques em profundidade. Não à toa, suas equipes mais memoráveis tinham números melhores na defesa do que no ataque, como na Juve de 1966-67, temporada em que Herrera conquistou o primeiro e único scudetto.
Sívori já tinha saído de Turim, substituído pelo brasileiro Chinesinho, e os líderes do grupo eram o goleiro Roberto Anzolin, o líbero Sandro Salvadore, os zagueiros Giancarlo Bercellino e Ernesto Castano, o lateral Gianfranco Leoncini, o meia Luis del Sol, o ponta Giampaolo Menichelli e o atacante Gianfranco Zigoni.
O próprio Zigoni contou à Gazzetta dello Sport, que o scudetto de 1967, aquele conquistado na última rodada, é mérito do treinador. “Nós já tínhamos desistido, mas ele não. A Inter era superior tecnicamente, enquanto a Juve tinha uma equipe operária. Mas de qualquer forma vencemos no final e merecemos”, confessou. Na ocasião, a equipe de Milão comandada pelo outro Herrera, Helenio, liderou o campeonato até a 33ª rodada, mas a derrota para o Mantova e a vitória juventina sobre a Lazio mudou tudo na última semana.

O rígido treinador paraguaio conquistou um scudetto pela Juventus, na temporada 1966-67 (Archivio Farabola)
Esta era a “Juve Operária”, que conquistou o 13º scudetto do clube numa década em que a Velha Senhora estava atrás de times como Bologna e Milan, além da Grande Inter, bicampeã europeia e mundial. Dois anos antes, justamente na primeira temporada de Heriberto, a Juventus já tinha batido a Inter de Helenio na final da Coppa Italia.
Os títulos ajudaram a sustentar HH2 (que ganhou o apelido em referência ao rival de Milão) na Juventus depois da saída conturbada do ídolo Sívori. Porém, eventualmente a torcida se voltou contra o treinador paraguaio. Herrera levou a Juve para sua primeira semifinal da Copa dos Campeões, em 1968 (três anos antes já havia sido vice da Copa das Feiras, antecessora da Liga Europa), mas a fragorosa derrota por 3 a 0 para o Benfica danificou sua imagem. A torcida perdeu a paciência de vez após o quinto lugar no campeonato, em 1969.
Ao mesmo tempo em que o paraguaio caía em descrédito na Juve, a Inter também passava por mudanças. Os nerazzurri procuravam novo técnico depois da saída de Helenio Herrera em 1968 e do desempenho insuficiente do ídolo Alfredo Foni, bicampeão italiano nos anos 1950 e já ultrapassado taticamente. O paraguaio tinha a missão de resgatar o futebol e o prestígio das lendas da Grande Inter, e apesar dos bons resultados, acabou tropeçando no Cagliari do super Gigi Riva no campeonato e no Anderlecht na semifinal da Copa das Feiras.
Herrera não concluiu sua segunda temporada em Milão. O paraguaio promoveu diversas mudanças na equipe após as saídas de Aristide Guarneri e Luis Suárez, e seu relacionamento com os senadores interistas passou a se deteriorar. O treinador foi demitido em novembro de 1970, depois de um começo fraco e um 3 a 0 sofrido para o rival Milan. Acabou substituído por Giovanni Invernizzi, então treinador do time Primavera, que deu espaço para os veteranos darem as cartas e obteve sucesso. A Inter arrancou no campeonato e, invicta entre a 8ª e a 30ª rodada, acabou conquistando o scudetto após ultrapassar o Milan na reta final.
Sobre aquela Inter, Heriberto Herrera disse: “se aplicassem de 10 a 20% daquilo que digo, a equipe jogaria bem”. A resposta dos interistas após a saída do paraguaio foi forte e Roberto Boninsegna, então artilheiro da Beneamata, não perdoou o comandante. “O problema é que até mesmo esses 10% eram incompreensíveis”, disparou Bonimba.
Os diversos problemas com os jogadores seguiram perseguindo Herrera no restante de sua carreira na Itália e ele não voltou a ter sucesso. Substituto de Fulvio Bernardini na Sampdoria, o técnico continuou a mostrar desempenho medíocre nos blucerchiati em 1971-72 e chegou até mesmo a brigar contra o rebaixamento na temporada seguinte. O alívio só chegou na última rodada.
Em baixa, Herrera desceu até mesmo de categoria e foi treinar a Atalanta, que disputava a Serie B em 1973-74. O paraguaio assumiu a equipe em novembro, quando os nerazzurri viviam péssima fase e, após sete rodadas da segundona, flertavam com a zona de rebaixamento. O paraguaio evitou uma nova queda e continuou no cargo para a temporada seguinte, mas foi demitido após nove rodadas.
A passagem por Bérgamo seria sua última experiência no futebol italiano. Depois disso, Heriberto Herrera retornou para a Espanha, onde também teria passagens pouco memoráveis por Las Palmas, Valencia e Espanyol na elite – nestes trabalhos, o melhor resultado foi um sexto lugar pelo Valencia. HH2 também treinou o Elche na segundona e teve uma breve passagem como diretor da seleção paraguaia antes de se aposentar, em 1982, com apenas 56 anos. Pouco após completar 70, faleceria, no seu Paraguai.
Heriberto Herrera Udrizar
Nascimento: 24 de abril de 1926, em Guarambaré, Paraguai
Morte: 26 de julho de 1996, em Assunção, Paraguai
Posição: defensor
Clubes como jogador: Club Nacional (1947-53) e Atlético de Madrid (1953-59)
Títulos como jogador: Copa América (1953)
Clubes como treinador: Rayo Vallecano (1959), Tenerife (1960-61), Granada (1961-62), Real Valladolid (1962), Espanyol (1962-63 e 1977-78), Elche (1963-64 e 1978-79), Juventus (1964-69), Inter (1969-70), Sampdoria (1971-73), Atalanta (1973-74), Las Palmas (1975-76 e 1981-82) e Valencia (1976-77)
Títulos como treinador: Coppa Italia (1965) e Serie A (1967)
Seleção paraguaia: 7 jogos
Seleção espanhola: 1 jogo