Dá para dizer que, nesta Serie A, mesmo entre as equipes que lutam contra o rebaixamento há bons
jogadores, interessantes variedades táticas e qualidade de jogo. O nível está mais alto, o ponto de corte também. Mais do
que isso, o campeonato está sendo palco da (re)aparição de uma grande “classe média”. São times
medianos que tem dado mais dificuldade contra as maiores equipes e que
tem protagonizado uma grande briga por vagas na Liga Europa. Hoje,
faltando três rodadas para o fim desta edição do campeonato, até mesmo a Sampdoria,
12ª colocada, tem chances matemáticas de abocanhar a sexta vaga europeia
em jogo no certame.
No cenário atual, quatro desses integrantes da classe média do Belpaese incomodam – e muito – na Serie A, mais do que outros. São quatro equipes tradicionais, três delas com
glórias em solo nacional e internacional e, uma delas, que sempre bate
na trave e, mais uma vez, baterá de novo. Equipes que tiveram momentos irregulares, mas que também viveram (ou estão vivendo) ótima sequência na busca por um objetivo maior nesta temporada, até inesperado. Em comum, estes times tem alguns fatores: a boa observação de jogadores (promessas ou aqueles experientes que podem render bem), as baixas folhas salariais e o crédito dado aos treinadores, que estão entre os mais longevos nos cargos dos clubes da Serie A. Torino, Verona, Parma e
Atalanta são algumas das surpresas do campeonato e vamos dizer porquê.
Torino
Na 6ª posição, com 52 pontos, o Torino é uma espécie de gigante adormecido do futebol italiano e que, depois de 21 anos, pode voltar a disputar uma competição continental. Com sete scudetti, os granata até hoje lamentam a tragédia de Superga, que aconteceu em 4 de maio de 1949, que matou o time cinco vezes campeão italiano. De lá para cá, o Toro conseguiu apenas um título italiano, na década de 70, e viveu alguns bons momentos entre os anos 60 e início dos 90, quando, com Casagrande no time, chegou a ser terceiro colocado na Serie A e vice da Copa Uefa, em 1991-92 e campeão da Coppa Italia no ano seguinte. Depois, o clube entrou em uma fase horrível, chegou a falir, frequentou a Serie B por 10 temporadas – antes, só havia jogado por duas vezes – e, nos últimos anos, tem tentado um renascimento, com muita dificuldade.
Sem muito dinheiro e com uma divisão de base que não tem revelado tantos craques quanto no passado, o Torino tem buscado jogadores baratos em ligas menores ou jovens que não tem espaço em equipes grandes. Atualmente, com cerca de 27 milhões de folha salarial (8ª menor do campeonato), a equipe pode se gabar de ter feito alguns dos melhores negócios das últimas temporadas e de ter, entre os destaques, jogadores com menos de 26 anos, ainda a atingir o auge da carreira. Primeiro, ao contratar o bom técnico Gian Piero Ventura, que teve dois bons anos no Bari, onde montou um time ofensivo e agradável de se ver. Com Ventura, há três anos no cargo, a equipe subiu para a elite e se salvou com poucos sustos – inclusive, o time relaxou nos últimos jogos e perdeu posições.
Ventura trouxe, para a Serie B, o zagueiro polonês Glik, com quem havia trabalhado no Bari, hoje capitão do time, com atuações seguras, ao lado de Bovo, outra pechincha. Outro bruxinho, que chegou para a Serie A, foi Cerci, com quem trabalhou no Pisa. O jogador, desacreditado após não deslanchar na Roma e por duas temporadas medianas na Fiorentina, chegou por copropriedade, fez excelente 2012-13 e acabou contratado em definitivo – no total, foram 6,3 milhões de euros, uma pechincha. Hoje, após 70 jogos, 21 gols e 17 assistências, chegou à seleção italiana e vale pelo menos 18 milhões. Para esta temporada, o Toro também fez um grande negócio contratando Immobile, também em copropriedade. O jogador, que está cotado para jogar a Copa do Mundo pela Itália, é o artilheiro do campeonato, com 21 gols, e vale algo similar a Cerci. Dois jogadores que, juntos, formam a dupla de ataque mais prolífica do campeonato, com 34 gols (além dos 21 de Immobile, 13 de Cerci), igualados a Tevez-Llorente, da Juve.
Outras duas pechinchas do Torino são o lateral Darmian (que forneceu três assistências para Immobile e está na mira de Prandelli) e El Kaddouri, marroquino emprestado pelo Napoli e que deve ficar por lá, após a valorização. O meia, emprestado com direito à copropriedade, marcou cinco gols e contribuiu com sete assistências, quatro delas para Immobile. Material humano à disposição para seguir na parte de cima da tabela, o Torino tem e, não à toa, já engata a sua segunda série de cinco jogos de invencibilidade nesta Serie A, desta vez em momento crucial. Se optar ou, por valores estrondosos, se vir obrigado a ceder alguns dos talentos, ao menos o dinheiro recebido servirá para sanar problemas financeiros e a reforçar o elenco com novas e bem observadas pechinchas.
Verona
Com apenas 25 participações na Serie A e um scudetto na manga, conquistado em 1985, o Verona é a única das equipes listadas aqui que subiu da segundona nesta temporada. Fora da elite desde 2001-02, a equipe quase chegou a jogar a quarta divisão neste período, mas conseguiu dois acessos consecutivos, da terceira à primeira divisão. E, logo em seu retorno, surpreendeu a todos: o objetivo inicial, escapar do rebaixamento, foi atingido com grande antecipação. Hoje, com os mesmos 52 pontos do Torino, ocupa o 8º posto, e está de olho em um grande feito: jogar uma competição europeia logo após a mudança de divisão. Seria apenas a quarta vez na história que a equipe disputaria um torneio continental, a primeira depois de 26 anos.
O primeiro grande segredo do sucesso dos butei está na manutenção de uma boa base que está na equipe há um bom tempo, sentindo o drama das divisões inferiores, que tanto mexeu com a torcida. Andrea Mandorlini, técnico da equipe desde 2010, é o grande artífice dessa virada scaligera, montando uma equipe compacta, que sabe o que fazer com a bola nos pés e é ótima nos contra-ataques, e que não joga para empatar – são apenas quatro n temporada, contra 16 vitórias (boa parte em casa) e 15 derrotas. Além dele, estão na equipe há um bom tempo o goleiro Rafael (2007), o atacante Juanito (2008), o meia Hallfredsson (2010) e o zagueiro e capitão Maietta (2010). Todos sabem bem o que passaram para chegarem até aí e dão algo a mais para ajudarem a equipe.
Além deles, o Hellas, através do diretor esportivo Sean Sogliano (que chegou a ficar na mira do Milan), mostrou bom olho para contratar promessas e jogadores mais experientes. O grande destaque da equipe é o artilheiro Toni, com 37 anos e 19 gols na temporada – vice-artilheiro. Dado como acabado depois de 2009, quando teve má fase no Bayern de Munique e más passagens por Roma, Juventus, Genoa e, por fim, Al Nasr, ele voltou surpreendentemente à Fiorentina na última temporada e, como reserva, marcou 8 gols no campeonato. Aproveitado pelo Verona, mostrou não só gols, mas muita raça, disposição e boa forma física. Da Fiorentina, veio também outra das surpresas da temporada: o ítalo-brasileiro Rômulo, com 8 assistências, muita raça e ótimas atuações – de longe, um dos melhores meias do campeonato, merecendo, inclusive, convocação de Prandelli para a seleção italiana. Por fim, outro grande destaque veronês é o meia argentino Iturbe. Tido como novo Messi, o jogador de 20 anos aportou no Vêneto depois de não ser aproveitado no Porto e ter passagem regular pelo River Plate. No Bentegodi, marcou seis gols, deu quatro assistências (todas para Toni) e infernizou as defesas adversárias com muita velocidade e dribles desconcertantes. Emprestado com opção de compra pelo Porto, dificilmente fica para a próxima temporada.
Parma
Fruto de uma fusão entre duas equipes no fim da década de 70, o Parma é visto como um time tradicional na Serie A, mas só disputou a competição 23 vezes, tendo estreado em 1990 – ou seja, de lá para cá, só disputou a Serie B novamente uma única vez. Os grandes investimentos e a descoberta de ótimos jogadores em mercados menores naqueles anos colocaram o Parma como uma das grandes equipes do país na década retrasada, e fizeram o time conquistar títulos nacionais e continentais. Hoje, com o redimensionamento provocado pela falência da Parmalat, do clube e da queda para a Serie B, em 2008, a realidade é diferente, mas os torcedores podem chegar ao final da temporada de centenário do clube comemorando a volta a uma competição europeia, o que não acontece desde 2004-05, quando a equipe foi semifinalista da Copa Uefa. Atualmente, o Parma ocupa a 9ª posição, com 51 pontos.
Desde que voltou à elite, o Parma tem feito campanhas bem regulares, mostrando um futebol compacto, que varia do 4-3-3 para o 3-5-2. Roberto Donadoni, que assumiu a equipe em janeiro de 2012, aprimorou estas características e, em dois anos de trabalho, deixou a equipe sempre na metade de cima da tabela, com a classificação à Liga Europa batendo na trave. Com uma boa divisão de base, o Parma emprestou muitos dos seus atletas a equipes-satélite e tem um grupo experiente, e com um onze inicial que pouco muda – é bem fácil escalar a equipe. Os gastos para montar o elenco, mesmo com jogadores que vieram de outras equipes, é baixo. Entre os principais jogadores do time, a maior parte já estava lá quando Donadoni chegou e a maior parte dos reforços chegou para resolver problemas pontuais.
O grande trunfo dos ducali tem sido gastar pouco e saber extrair o máximo de alguns jogadores rodados e que ou não tinham tido grandes chances em outros times ou que vinham em momentos complicados da carreira. Palmas para Donadoni, que recuperou Cassano, Amauri, Biabiany, Schelotto, Marchionni, Palladino, Cassani e faz render um elenco de mediano para bom, com jogadores que se esforçam muito – casos de Mirante, Paletta, Parolo e Lucarelli, os quatro, assim como Cassano, cotados para a seleção italiana. Cassano é um caso à parte. O fantasista, com 11 gols no campeonato, tem se entendido muito bem com o meia Parolo, e tem criado muitas ocasiões de gol – lidera o quesito na temporada. Na Trivela, escrevi sobre como o Parma é interessante dentro e fora de campo. O texto é de março, mas os pontos abordados ainda são atuais. Vale a pena ler para aprofundar.
Atalanta
Apesar
de praticamente não ter mais chances de chegar à Liga Europa e de não
ter, de fato, frequentado as seis primeiras colocações em nenhum momento
da temporada, a Atalanta merece ser citada. Com 107 anos de história, o time participou de 53 edições da Serie A e é o mais tradicional a nunca ter conquistado o scudetto uma vez sequer – sua maior glória foi a 5ª colocação, em 1947-48; além disso tem uma Coppa Italia e cinco Serie B no currículo. Nesta temporada, a equipe está na 11ª posição, mas cinco pontos atrás da zona de classificação à Liga Europa e, caso consiga a classificação, voltará ao torneio após 22 anos, para realizar sua terceira participação.
Em 2013-14, a Atalanta já pode se orgulhar de um feito histórico: pela primeira vez, conseguiu seis vitórias consecutivas na competição. Ajudou, para isso, a performance em casa: os atalantinos tem a quarta melhor campanha em casa neste campeonato, com 33 pontos conquistados, atrás apenas de Juventus, Roma e Napoli. Jogar no Atleti Azzurri d’Italia, um dos maiores caldeirões da Bota, sempre foi difícil, mas com um grupo bem montado e com a manutenção de Stefano Colantuono, técnico há da equipe quatro anos, é ainda mais complicado.
Colantuono assumiu a Atalanta em 2010, quando o time havia acabado de cair para a Serie B. Subiu com folga e desde então comanda um time com poucas mudanças no elenco, formado a baixo custo (a folha salarial bergamasca é apenas a 13ª da Serie A, com cerca de 25 milhões/ano) e com jogadores úteis, observados em ligas menos badaladas. Além disso, o principal dote da Atalanta é a revelação de talentos: suas divisões de base, reconhecidas por diversos estudos como das melhores da Europa, já formaram jogadores como Domenghini, Scirea, Fanna, Donadoni, Montolivo e Pazzini. Atualmente, no time nerazzurro, Consigli, Bellini, Brivio, Koné e Bonaventura foram formados lá, e outros atletas acabaram lapidados após chegarem a Zingonia. Revelar é fundamental para uma equipe que vende e compra pouco e que, um passo a cada vez, vai aumentando as suas ambições.