É bem raro que treinadores de seleção convoquem jogadores com idade superior aos 30 anos e que não tenham experiência prévia na equipe nacional. A tendência, na verdade, é que os veteranos percam espaço na medida em que os novos prodígios despontem. O versátil defensor Emiliano Moretti, contudo, é uma exceção à regra. Em 2014, aos 33 anos, tornou-se o atleta mais velho a estrear pela Squadra Azzurra. Isso só foi possível, claro, devido a seu desempenho no Torino, clube no qual foi ídolo.
Romano, Moretti cresceu nas divisões inferiores da Lodigiani, time da capital conhecido por revelar talentos. Lá, passou por todas as etapas de base até chegar ao profissional, em 1998, com apenas 17 anos. Seu debute pela equipe alvirrubra ocorreu na Serie C1, competição em que disputou duas partidas naquela temporada. Antes de virar maior de idade, Emiliano já atuava pela seleção italiana sub-16 e foi comprado pela Fiorentina, que optou por amadurecê-lo mais um pouco no time Primavera antes de integrá-lo ao elenco principal.
Após a experiência adquirida no time sub-19 da Viola, Moretti finalmente subiu para o profissional, sendo inscrito na Serie A de 2000-01. A estreia na elite local, no entanto, levaria mais algum tempo para acontecer. É que o jogador acabou rompendo a fíbula, o que o impossibilitou de atuar no primeiro turno da temporada. Por isso, seu primeiro jogo com a camisa violeta só foi ocorrer em março de 2001, contra o Vicenza, fora de casa – a peleja terminou empatada em 1 a 1.
Na reta final da temporada 2000-01, Moretti mostrou toda sua polivalência. Embora fosse lateral-esquerdo de origem, o jogador acabou utilizado pelo então técnico da Fiorentina, Roberto Mancini, como zagueiro, no esquema 3-5-2, e até jogou como lateral-direito, na plataforma 4-4-2. Assim, virou titular da Viola e participou ativamente na conquista da Coppa Italia, em maio de 2001, em cima do Parma. Era seu primeiro caneco como jogador profissional.
Moretti começou a temporada seguinte fazendo a lateral canhota do time de Mancini. Entretanto, no decorrer da campanha, ele se firmou na zaga, função que desempenhou também em suas primeiras exibições pela seleção italiana sub-21. Apesar do ano positivo do ponto de vista individual – foram 34 jogos, distribuídos entre Serie A, Copa Uefa e Supercopa Italiana –, o romano sentiu um gosto amargo. Afinal, a Fiorentina naufragou no Italianão e acabou rebaixada à segundona.
O jovem defensor não acatou o descenso. Em julho de 2002, pouco antes de a Viola decretar falência devido a gastos exacerbados e gestão fraudulenta do presidente Vittorio Cecchi Gori, Moretti assinou com a Juventus. Em Turim, Emiliano chegou a vencer uma Supercopa Italiana e a jogar a Liga dos Campeões, mas encontrou pouco espaço. Com isso, em janeiro de 2003, foi emprestado ao Modena por seis meses. Nesse período, entrou em campo em nove partidas da Serie A até o fim do vínculo.
Em meados de 2003, a Juventus viu uma boa oportunidade de negócio e acabou negociando Moretti com o Parma, em transação que levou o meio-campista ganês Stephen Appiah a Turim. No entanto, o romano sequer entrou em campo pelos ducali. Nos últimos dias da mesma janela de transferências, o clube gialloblù o emprestou ao Bologna por um ano. Sob a batuta de Carlo Mazzone, Emiliano fez boa temporada como titular, e os felsinei terminaram a Serie A na 12º posição.
O bom rendimento de Moretti pelo Bologna o garantiu no Europeu Sub-21 de 2004, que seria vencido pela Itália. Titular durante todo o torneio, o atleta atuou na lateral esquerda do time comandado por Claudio Gentile. Vale salientar que aquele grupo contava com vários jogadores que, mais tarde, ganhariam prestígio nacional e internacional: Andrea Barzagli, Giorgio Chiellini, Daniele Bonera, Andrea Pirlo, Daniele De Rossi, Alberto Gilardino, entre outros. Emiliano também ganhou a medalha de bronze na Olimpíada de Atenas, no mesmo ano.
Após a conquista do Europeu Sub-21 e o terceiro lugar nos Jogos Olímpicos, Moretti arrumou as malas e partiu para a Espanha. O Valencia, que havia contratado outros italianos naquela época – Stefano Fiore, Bernardo Corradi e Marco Di Vaio –, acertou com o jovem para reforçar a defesa da equipe de Claudio Ranieri. O romano nem estreara pelo time valenciano e já tinha colocado mais um título no currículo, a Supercopa Uefa. Por 2 a 1, os ché derrotaram o Porto, em Mônaco.
Não levou muito tempo para Moretti virar titular da lateral esquerda, apesar da disputa inicial pela posição com o brasileiro Fábio Aurélio e o compatriota Amedeo Carboni. Em novembro de 2004, marcou seu primeiro gol pelo Valencia, no triunfo por 2 a 0 sobre o Mallorca, pela 13ª rodada de La Liga. Na temporada seguinte, contabilizou 38 jogos e 3.266 minutos jogados, e contribuiu para a terceira posição alcançada pelo time do Mestalla.
A campanha 2006-07 foi uma das melhores para Moretti no Valencia, ainda que o romano tenha permanecido quase três meses parado por causa de ruptura parcial do ligamento lateral interno do joelho esquerdo. Com apresentações consistentes na lateral esquerda, o camisa 24 ajudou o time a chegar às quartas de final da Liga dos Campeões, quando sucumbiu para o Chelsea. Findou a temporada com 34 partidas, dois gols e uma assistência. Em 2008, contribuiu para a conquista da Copa do Rei sobre o Getafe.
A aventura do italiano em solo espanhol teve um fim em julho de 2009. Depois de 177 jogos, cinco tentos e três passes para gol pelo Valencia, Emiliano firmou compromisso com o Genoa. A agremiação da Ligúria pagou 3,7 milhões de euros para contar com o romano, que seria utilizado pelo treinador Gian Piero Gasperini pelo lado esquerdo do trio de zagueiros – o time genovês ia a campo no esquema 3-4-3.
Sua reestreia na Serie A saiu melhor do que a encomenda: vitória por 3 a 2 diante da Roma, no Luigi Ferraris, pela abertura do campeonato. Na rodada seguinte, um gol de cabeça do defensor assegurou o 1 a 0 a favor dos genoveses ante a Atalanta, em Bérgamo. O Genoa concluiu a temporada 2009-10 no meio da tabela, e Moretti se firmou como um dos líderes da defesa dos grifoni.
Todavia, nas épocas seguintes, o camisa 24 foi preterido por Gasperini e perdeu espaço no time. Ele só voltaria a jogar regularmente na temporada 2011-12, na qual o Genoa teve três técnicos – Alberto Malesani, do início até a 17ª rodada; Pasquale Marino, da 17ª rodada até a 35ª; e Luigi De Canio, da 35ª rodada até o final da Serie A. Com tanta balbúrdia, a equipe terminou a liga uma posição acima da zona da degola. Nessa jornada, Emiliano passou a ser mais utilizado como lateral-esquerdo.
Após quase ser rebaixado para a Serie B, Moretti trocou de clube. Deixou o Genoa e fechou com o Torino, por apenas 700 mil euros. Ele caiu como uma luva no 3-5-2 de Giampiero Ventura. Com uma dupla de ataque, formada por Alessio Cerci e Ciro Immobile, em grande fase, o Toro fez grande temporada e acabou coroado com a sexta colocação, garantindo assim uma vaga na Liga Europa. Moretti foi o terceiro jogador que mais vezes entrou em campo na Serie A (fez 36 jogos), atrás apenas de Cerci, Matteo Darmian (37) e Daniele Padelli (38).
O Torino perdeu competitividade em 2014-15, visto que Cerci e Immobile foram vendidos. Apesar disso, o time granata até chegou longe na Liga Europa, caindo nas oitavas de final para o Zenit. Moretti, por outro lado, chegou a utilizar a braçadeira de capitão – que pertencia ao xerife Kamil Glik – em alguns jogos. O camisa 24 também anotou um importante gol, contra a Inter, no Giuseppe Meazza, aos 49 minutos do segundo tempo. O tento deu a vitória por 1 a 0 ao Toro e quebrou um jejum de 27 anos sem vitória dos grenás na casa interista.
Além disso, a performance de Moretti pelo Torino chamou a atenção do comandante Antonio Conte, então técnico da Itália e seu ex-companheiro de Juventus em 2002. Em novembro de 2014, o defensor foi convocado para os embates com a Croácia, pelas Eliminatórias da Eurocopa de 2016, e a Albânia, em amistoso.
Ele não enfrentou os croatas, mas foi titular na vitória por 1 a 0 diante dos albaneses, em Gênova. Assim, tornou-se o jogador mais velho a estrear pela Nazionale. Aos 33 anos, 5 meses e 7 dias, Moretti superou o recorde que pertencia a Mauro Tassotti, que tinha 32 anos quando fora chamado para a seleção italiana pela primeira vez, em 1992.
Com o número 3 às costas, Moretti também atuou por 18 minutos no empate em 1 a 1 ante a Inglaterra, em março de 2015, em amistoso disputado em Turim. Depois da partida contra os ingleses, ele voltou a ser convocado para outros compromissos da seleção italiana, mas acabou não sendo aproveitado por Conte. É necessário ressaltar que, àquela época, o treinador realizou diversos testes na Squadra Azzurra até encontrar o time ideal, na sua visão, para a Euro de 2016. Emiliano, portanto, fazia parte de um experimento, assim como tantos outros jogadores que, posteriormente, também não tiveram mais chances na Nazionale.
Em 2017-18, já assentado como uma das bandeiras do Torino na década, Moretti fez 22 jogos com a camisa granata na Serie A e se tornou o jogador com o maior número de presenças em campo no campeonato sob a gestão do presidente Urbano Cairo. Por ser um exemplo de profissional para a comunidade turinense, Moretti foi premiado, em fevereiro de 2019, com o reconhecimento de Embaixador do Esporte pelo Conselho Regional do Piemonte.
Três meses depois, anunciou que penduraria as chuteiras ao fim da temporada, aos 37 anos. Cairo e o treinador do Torino, Walter Mazzarri, tentaram convencê-lo a renovar o contrato, mas em vão. “Entrei no Toro há seis anos e uma nova carreira começou para mim”, afirmou Moretti, em entrevista coletiva. “Por isso, agradeço ao presidente Urbano Cairo e ao diretor esportivo Gianluca Petrachi. Também quero agradecer a todos os torcedores, que me apoiaram desde o primeiro dia em que cheguei aqui”, completou.
Com direito a várias homenagens, o atleta vestiu a camisa de jogo do Torino pela última vez no dia 26 de maio, na vitória por 3 a 1 sobre a Lazio, no Olímpico. Ele substituiu Armando Izzo nos últimos minutos da partida. Aposentou-se por cima, já que o time de Mazzarri fez grande campanha na Serie A e se classificou – com “ajuda” do Milan, é verdade – para os playoffs da Liga Europa.
O romano encerrou sua respeitosa passagem pelo Torino com 198 jogos, seis gols e sete assistências. Agora, o desafio de Moretti é fora dos campos, como dirigente do Toro. Respaldo e confiança dos torcedores ele tem de sobra para executar tal função.
Emiliano Moretti
Nascimento: 11 de junho de 1981, em Roma, Itália
Posição: zagueiro e lateral-esquerdo
Clubes: Lodigiani (1998), Fiorentina (1998-2002), Juventus (2002-03), Modena (2003), Bologna (2003-04), Valencia (2004-09), Genoa (2009-13) e Torino (2013-19)
Títulos: Coppa Italia (2001), Supercopa Italiana (2002), Europeu Sub-21 (2004), Bronze Olímpico (2004), Supercopa Uefa (2004) e Copa do Rei (2008)
Seleção italiana: 2 jogos