Trocar de posição durante a carreira e exercer duas funções totalmente distintas em campo é algo difícil, reservado apenas para os melhores. Campeão mundial e europeu, Laurent Blanc está nesse hall: craque do futebol francês, ele conseguiu se destacar como meia-atacante e como líbero muito antes de o conceito de função ter muito mais relevância que o conceito de posição no futebol, sendo útil na defesa e também na frente – marcou 146 gols como profissional. O atual técnico do Paris Saint-Germain também mostrou sua classe no futebol italiano, por Napoli e Inter.
Nascido em Alès, no sul da França, Blanc deu seus primeiros passos como meia-atacante no Montpellier, clube situado na mesma região. Ele estreou em 1983, quando tinha 18 anos, e ajudou a equipe a subir para a primeira divisão quatro temporadas depois: em 1986-87, época do acesso, ele anotou 18 tentos (mesma quantidade que o atacante camaronês Roger Milla, companheiro de clube) e foi um dos artilheiros da segundona.
No ano seguinte, estreou na elite do futebol francês e foi um dos destaques da campanha que levou o MHSC à terceira posição e a uma vaga na Copa Uefa. Pouco depois, em 1988, Blanc acabou convocado para defender a seleção sub-21 do seu país na Eurocopa da categoria. Saiu de lá campeão e eleito melhor jogador do torneio.
Blanc não era um jogador rápido, mas era muito técnico e tinha estilo cadenciado e refinado, além de grande visão de jogo. Algo útil para um meia direita que ainda tinha bom posicionamento, espírito de liderança e verve goleadora – marcava a maior parte de seus gols em bolas paradas, seja batendo faltas, pênaltis ou cabeceando. O porte altivo e seu tipo físico (1,91m e 82 kg) faziam com que, mesmo sendo meia, o francês soubesse fechar bem os espaços e também ser efetivo na fase defensiva. Por isso, em 1990, Michel Mézy, técnico do Montpellier, submeteu Blanc a novos treinamentos e o experimentou como líbero: deu certo, e o jogador, que já era convocado para a seleção principal da França como meia também passou a ser utilizado por Michel Platini na zaga.
O líbero – um dos últimos da função que o mundo presenciou – ainda ficou dois anos no Montpellier, conquistou uma Copa da França e ajudou o time azul e laranja a ir bem em uma Recopa. Em 1991, partiu para uma nova aventura: o MHSC recebeu propostas de Bayern de Munique, Paris Saint-Germain, Olympique Marseille e Sampdoria, mas Blanc fechou mesmo com o Napoli, tornando-se o primeiro francês a jogar na Serie A desde Platini, que chegara à Juventus em 1982 se aposentara quatro anos antes. Dessa forma, o francês encerrou sua passagem como o maior artilheiro do time, com 84 gols – posto que ocupa até hoje.
Blanc ocupou o lugar de Diego Armando Maradona como o terceiro estrangeiro a que o clube tinha direito – após ser suspenso por doping, El Pibe se transferiu para o Sevilla. O francês chegou como um dos reforços para o treinador Claudio Ranieri, contratado naquela temporada, e teve uma temporada bem expressiva. Jogando como líbero, não conseguiu fazer o Napoli ter muita estabilidade defensiva, apesar da luta pelo título na primeira metade da temporada e a 4ª posição e a conquista da vaga na Copa Uefa ao fim de 1991-92.
O maior destaque de Blanc foi mesmo em um quesito em que ele também ia bem: marcar gols. Em 34 jogos, ele anotou seis vezes, mesmo jogando na defesa – às vezes tinha liberdade para avançar e também jogava como volante, mas seus gols aconteciam mais em bolas paradas. O francês ficou atrás apenas apenas de Careca, Gianfranco Zola e Michele Padovano na artilharia dos azzurri, com seis gols em 34 partidas. Apesar de adorado pela torcida e de ter feito boas partidas, a passagem do jogador de 26 anos pelo San Paolo durou somente um ano: Blanc achou que ficou muito tempo relegado a funções defensivas, teve desavenças com a diretoria e, por acreditar que não conseguiu jogar tudo o que sabia, decidiu voltar para a França.
Os três anos que se sucederam à saída de Nápoles foram complicados para Blanc. O defensor não havia conseguido ajudar uma jovem geração francesa à chegar à Copa de 1990 e nem a passar da fase de grupos da Euro 1992. Em termos de clubes, jogou no Nîmes e no Saint-Étienne, que brigavam na parte de baixo da tabela do Campeonato Francês – acabou rebaixado em 1993, pelo primeiro, e teria sido em 1995, pelo segundo, caso problemas financeiros do Marseille não permitissem que os Verdes fossem repescados. Blanc até jogava bem pelos clubes e era convocado pela seleção, mas o vexame que fez os Bleus não irem para a Copa de 1994 fez com que ele abdicasse de defender a França.
A maré melhorou entre 1995 e 1996, ano em que ele se transferiu ao Auxerre e levantou as taças da primeira divisão francesa e da copa local. Peça importante do futebol local, o zagueiro foi convencido por Aimé Jacquet, novo técnico da França, a voltar à seleção e aceitou: vida de volta aos trilhos. As boas atuações na campanha da dobradinha do AJA e na Eurocopa 1996 – na qual foi eleito o melhor jogador da competição – chamaram a atenção de clubes europeus e ele acabou fechando com o Barcelona.
Blanc foi um pedido expresso de Johan Cruyff, mas a lenda holandesa acabou sendo demitida do cargo de técnico do clube no mesmo dia em que o francês foi anunciado. O francês chegou ma mesma janela que Ronaldo, Luis Enrique e os portugueses Vítor Baía e Fernando Couto, além de Hristo Stoichkov, que retornava ao Barça – sem contar que Pep Guardiola e Luís Figo já estavam lá. O timaço de Bobby Robson, substituto de Cruyff, foi vice-campeão nacional e faturou a Copa do Rei, a Supercopa da Espanha e a Recopa Europeia, mas Blanc sofreu com lesões e suspensões e não jogou a maior parte dos jogos principais – sem contar que não se adaptou muito bem. Com isso, para assegurar seu lugar no grupo da França para a Copa de 1998, disputada em casa, acertou com o Marseille.
No maior clube do sul da França, Blanc, de 31 anos, logo ganhou a braçadeira de capitão e o apelido de Le Président. Nas duas temporadas em que ficou em Marselha, o francês ajudou a equipe, que carecia de liderança, a tomar um rumo: em 1998-99, o Olympique Marseille foi vice-campeão nacional e da Copa Uefa, perdendo para o Parma na final – o capitão errou no primeiro gol, feito por Hernán Crespo. Nesse meio tempo, Blanc foi um dos líderes do elenco da França que ganhou o Mundial: marcou o primeiro golden goal da história das Copas, nas oitavas de final, contra o Paraguai, e também converteu o pênalti decisivo nas quartas, contra a Itália. O zagueiro, no entanto, não atuou na final, contra o Brasil, pois foi expulso na semi, contra a Croácia.
Apesar de ainda ser um jogador muito importante, Le Président acabou descartado por Rolland Courbis, cartola do OM em 1999. Com quase 34 anos, Blanc mudou de planos (queria encerrar a carreira no Marseille) e embarcou para a Itália, onde viveria uma nova aventura no país após sete anos. Em um cenário diferente daquele de quando fechou com o Napoli e, de certa forma, ainda era uma promessa, Blanc já era campeão mundial e tinha uma carreira consolidada quando assinou com a Inter.
O francês chegou com grande responsabilidade: seria o substituto de Giuseppe Bergomi, até então ex-capitão e jogador com mais partidas pelo clube. Blanc foi um pedido do técnico Marcello Lippi, que via no líbero um jogador com características técnicas, táticas e de caráter similares às do seu antecessor – o que era verdade. Com a camisa 5, Blanc viveu bons momentos no lado nerazzurro de Milão e foi o jogador que mais vezes entrou em campo nas duas temporadas em que ficou na Beneamata, mesmo em final de carreira – além de ter feito seis gols no período.
Ele era um dos melhores zagueiros do campeonato, mas teve o azar de participar de uma fase de muita confusão nos bastidores do clube, que impactava no rendimento dentro de campo. Eram muitas trocas de técnico, reformulações de elenco e investimento alto, que não resultava em conquistas da Serie A – na verdade, apenas aumentava a pressão. O máximo que a Inter conseguiu no período em que Le Président jogou em Milão foi o vice-campeonato da Coppa Italia em 1999-2000.
Por outro lado, ele ajudou a França a conquistar a Euro 2000, sobre a Itália, e se aposentou em grande estilo com a camisa dos Bleus: foram 97 jogos e 16 gols com a camisa azul. Outro dado interessante: quando a França teve ele, Fabien Barthez, Lilian Thuram, Marcel Desailly e Bixente Lizarazu em campo ao mesmo tempo, jamais perdeu. Não à toa, Blanc foi eleito pelos leitores da France Football como o quarto maior jogador francês de todos os tempos, atrás de Michel Platini, Zinédine Zidane e Raymond Kopa.
Antes de se aposentar, Blanc trocou a Inter pelo Manchester United – Alex Ferguson finalmente conseguiu tê-lo no elenco, depois de algumas tentativas. Le Président substituiu Jaap Stam e, em dois anos pelos Red Devils, conquistou um título inglês e ajudou a equipe a chegar às semifinais da Liga dos Campeões, em 2002. Com quase 38 anos, o francês anunciava sua aposentadoria.
Quatro anos depois de pendurar as chuteiras, Blanc começou a brilhante carreira como treinador, dando os primeiros passos de uma estrada que o levaria ao posto de um dos principais técnicos da Europa. Conseguir o sucesso que teve dentro de campo em outra função, à beira do gramado, não era fácil, mas Blanc chegou lá. Le Président substituiu Ricardo Gomes no comando do Bordeaux e, em três anos, levou o time ao título da Ligue 1, da Copa da Liga Francesa e ao bi da Supercopa francesa. Ainda comandou os girondinos em uma campanha muito digna na Liga dos Campeões. Por tudo isso, virou o técnico da França, após o vexame na Copa do Mundo de 2010.
À frente dos Bleus, o ex-líbero não chegou a ir mal, mas não empolgou. Em época de reformulação e de muita indisciplina no grupo francês, Blanc fez o básico: classificou a seleção para a euro 2012 e a conduziu às quartas de final, fase em que foi eliminada pela Espanha, futura campeã. Ao fim da competição, o técnico decidiu deixar o cargo.
Depois de um ano sabático, Blanc aceitou o desafio de dirigir o Paris Saint-Germain, papão de títulos locais e que queria se estabelecer como grande em nível continental. Após quase três anos no comando dos parisienses, Le Président vai dando sua cara ao time da capital do país: posse de bola valorizada em um jogo de muitas trocas de passe, infiltrações de Blaise Matuidi, Édinson Cavani e dos laterais, contando com um Zlatan Ibrahimovic desequilibrante. Com Blanc no comando, o PSG faturou nove troféus e é tricampeão da Ligue 1 – o último título foi conquistado com oito rodadas de antecedência. Hoje, o seu treinador quer construir uma história ainda maior em Paris.
Laurent Robert Blanc
Nascimento: 19 de novembro de 1965, em Alès, França
Posição: zagueiro e meia
Clubes como jogador: Montpellier (1983-91), Napoli (1991-92), Nîmes (1992-93), Saint-Étienne (1993-95), Auxerre (1995-96), Barcelona (1996-97), Marseille (1997-99), Inter (1999-2001) e Manchester United (2001-03)
Títulos como jogador: Copa do Mundo (1998), Eurocopa (2000), Premier League (2003), Recopa da Uefa (1997), Campeonato Francês (1996), Copa do Rei (1997), Supercopa da Espanha (1996), Copa da França (1990 e 1996) e Eurocopa Sub-21 (1988)
Clubes como técnico: Bordeaux (2007-10), França (2010-12) e Paris Saint-Germain (2013-hoje)
Títulos como técnico: Ligue 1 (2009, 2014, 2015 e 2016), Supercopa da França (2008, 2009, 2013, 2014 e 2015), Copa da Liga Francesa (2009, 2014 e 2015) e Copa da França (2015)
Seleção francesa: 97 jogos e 16 gols