Extracampo

Tchau, Silvio… e olá, senhor Li

É oficial: após uma novela que se arrastou por anos, Silvio Berlusconi finalmente vendeu o Milan. Neste dia 13 de abril de 2017, o site do clube confirmou a passagem de 99,93% das ações da holding Fininvest para o grupo Rossoneri Sport Investment Lux, comandado pelo chinês Yonghong Li, que desde 2016 estava em tratativas para adquirir o Diavolo. Com isso, 31 anos e 53 dias depois, está encerrada a presidência do Cavaliere.

Nenhum dirigente foi tão vitorioso no futebol italiano quanto Berlusconi – em toda a história do futebol, apenas Santiago Bernabéu, do Real Madrid, conquistou mais troféus. Ao longo de mais de três décadas sob o comando do empresário e político italiano, o Milan acumulou 29 troféus: oito scudetti, sete Supercopas Italianas, cinco Uefa Champions League, cinco Supercopas Uefa, três Mundiais Interclubes e uma Coppa Italia. Em 2017, Silvio entrega o clube aos chineses em um momento muito menos positivo, mas que não diminui os seus feitos como cartola rossonero.

Leia mais: E se Berlusconi tivesse comprado a Inter?

Construção, mídia, futebol e política: a escalada de Berlusconi ao poder foi bem planejada (imago/Buzzi)

A ascensão de Berlusconi

Berlusconi nasceu e foi criado na pequena burguesia de Milão. Formou-se em direito e teve um breve período como cantor em cruzeiros, mas especializou-se mesmo no trabalho como agente imobiliário. O forte tino de Silvio para os negócios se fez notar quando ele surfou a onda do milagre econômico proporcionado pelo Plano Marshall e do aquecimento de setores da economia (como indústria e construção) durante os anos 1950, 1960 e início dos 1970. Dono de uma construtora que também operava em outras áreas do ramo imobiliário, sobreviveu à recessão que se seguiu para se tornar um dos jovens empresários mais respeitados e um dos homens mais ricos da Itália na década de 1980.

Pelas contribuições de suas empresas à República Italiana, recebeu do governo o título de Cavaliere, dado apenas a figuras destacadas na sociedade – daí vem o apelido que o acompanhou por toda a carreira. Os lucros no setor imobiliário levaram Berlusconi a diversificar sua receita, investindo em canais de TV e tornando-se um magnata das comunicações. Através do grupo Fininvest, Berlusconi fundou, em 1980, o Canale 5, o primeiro canal privado de transmissão nacional na Itália.

Para movimentar a recém-criada rede de televisão, Berlusconi recebeu uma sugestão que envolvia diretamente o futebol e que lhe possibilitou entrar no mundo do esporte: então presidente da Inter, Ivanoe Fraizzoli, criou o Mundialito de clubes, em 1981, e ofereceu a Silvio a possibilidade de organizar e transmitir o torneio. A competição foi um sucesso e teve três edições – todas com a participação do Milan.

Berlusconi e Galliani, parceiros de longa data, ao lado de Liedholm, primeiro técnico da gestão (Corrriere della Sera)

Na primeira metade dos anos 1980, porém, o time rossonero vivia um dos piores momentos de sua história. O clube havia vencido apenas oito títulos entre 1969 e 1986 (somente um scudetto, no fim dos anos 1970) e chegou a ser rebaixado em 1980, por participação no Totonero, e novamente em 1982, dessa vez por mau rendimento no campo – dois dos títulos citados foram da segundona.

Giuseppe (ou Giussy) Farina, antigo presidente do Lanerossi Vicenza, comprara o clube pouco antes da primeira queda e levou o Milan à derrocada financeira – como fizera no Vêneto. Mas, ao contrário do que houve com a equipe biancorossa, que teve sucesso nos campos, levou a torcida rossonera à loucura.

Em fevereiro de 1986, o cartola pôs o clube à venda e Berlusconi apareceu para tirá-lo do limbo, com o objetivo de devolver ao Diavolo a grandeza dos anos 1950 e 1960. O Cavaliere conseguiria mais: encheu o time de craques e transformou uma equipe já campeã europeia e multicampeã nacional em uma máquina; no clube que tem mais troféus no planeta.

O carismático Berlusconi não poupou esforços para construir times estelares (imago)

31 anos sob as rédeas do Cavaliere: do início ao fim

Berlusconi sempre soube como causar uma primeira impressão – cantor que foi, precisava desse dom. Sua apresentação como presidente do Milan foi impactante: aterrissou na arena cívica de Milão ao som da épica Cavalgada das Valquírias, composta por Richard Wagner e que tem, entre seus usos clichês, ser trilha sonora de invasões vikings. Berlusconi acertou em cheio, pois a música foi a verdadeira expressão do que viria a ser a sua presidência, com o “saque” da Itália, da Europa e do mundo.

De cara, Berlusconi mostrou do que era capaz. Gestor ousado, deu espaço a um treinador que somente havia passado somente pelas séries C e B, mas em que via potencial suficiente para alçar o Milan às estrelas. Sua escolha foi alvo de muita desconfiança, no início, mas calou a todos: Arrigo Sacchi transformou o Diavolo num esquadrão, referência para o esporte não apenas no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, mas para a eternidade.

Fabio Capello veio depois e manteve a trajetória vencedora daquele Milan, que figura entre os maiores times de toda a história do futebol – saiba mais aqui e aqui. Entre os 15 treinadores da Era Berlusconi, não há como esquecer também Carlo Ancelotti, campeão italiano, europeu e mundial com os rossoneri. Alberto Zaccheroni e Massimiliano Allegri também levantaram taças.

O Cavaliere também levou inúmeros craques para Milanello e aproveitou jogadores formados na base, como Paolo Maldini, Franco Baresi, Alessandro Costacurta, Demetrio Albertini, Alberico Evani e Gianluigi Donnarumma. Logo nos primeiros anos na presidência, Berlusconi usou a forte base rossonera e a reforçou com as chegadas de Marco van Basten, Ruud Gullit, Frank Rijkaard, Roberto Donadoni e Daniele Massaro.

Depois, contratou jogadores como Dejan Savicevic, Zvonimir Boban, Roberto Baggio, Marcel Desailly, Marco Simone, George Weah, Oliver Bierhoff, Andriy Shevchenko, Pippo Inzaghi, Clarence Seedorf, Gennaro Gattuso, Alessandro Nesta, Andrea Pirlo, Rui Costa, Hernán Crespo, Gianluca Zambrotta e Zlatan Ibrahimovic… Poucos clubes podem se orgulhar de ter tido tantos craques no seu plantel em pouco tempo.

A última Champions League do Cavaliere foi conquistada em 2007 (imago)

Foi com Silvio Berlusconi que o Milan começou a desenvolver relação especial com o Brasil – muito por causa de Adriano Galliani, que visita com frequência nosso país. 31 brasileiros jogaram pelo clube e 25 deles foram contratados por Silvio Berlusconi; isso a partir de 1996, quando o presidente já tinha 11 anos de casa e decidiu “trocar” os holandeses pelos brasileiros. Desde então, jogaram no clube Leonardo, André Cruz, Dida, Serginho, Ronaldo, Robinho, Alexandre Pato, Thiago Silva, Cafu e Kaká.

A derrocada do Milan de Berlusconi coincidiu com o desgaste de sua vida política e os inúmeros escândalos, que envolvem corrupção, fantasias sexuais, declarações nada corretas e mais uma série de fatores. A influência que conseguiu nacional e mundialmente com os feitos do Milan não serviram para que ele conseguisse conservar sua posição como primeiro-ministro (cargo que ocupou três vezes, a última até 2011). Depois disso, a crise econômica na Itália, somada à falta de credibilidade de Berlusconi, atingiu em cheio as economias do clube a partir do envolvimento de dirigentes no Calciopoli.

Formalmente afastado de cargos políticos e voltado para salvaguardar parte do que tinha construído, o ex-homem forte do país colocou sua filha Barbara à frente do Milan e reduziu drasticamente os investimentos no clube. O título da Liga dos Campeões e do Mundial de Clubes de 2007 e a Serie A de 2011 foram as últimas grandes glórias dos rossoneri.

A partir de então, o processo de deterioração do elenco foi iniciado, ao passo em que Silvio tentava arranjar um sócio ou um comprador. Anos depois, com resultados pífios em campo, o plano se concretizou e a Era Berlusconi-Galliani chegou ao fim. Apesar da baixa na reta final da gestão, não há como negar que os dirigentes tiveram um sucesso retumbante nos anos em que estiveram à frente do Milan.

Han, Berlusconi e Li: negócio fechado (Sempre Milan)

Afinal, quem é Yonghong Li?

Dá para imaginar que o novo manda-chuva de um clube global, como o Milan, não é um magnata conhecido? Apenas para ilustrar, Yonghong Li teve seu artigo criado na Wikipédia inglesa apenas ontem, dia 12 de abril, e até o fechamento desta matéria, só tinha versões em francês e albanês – nada em seu idioma materno, o mandarim, ou em qualquer variante da língua chinesa.

Li é misterioso ou apenas bastante reservado? O jornal italiano Il Sole 24 Ore, especializado em economia, fez um levantamento nas semanas anteriores e conseguiu algumas informações sobre o empresário. O patrimônio do novo dono do Milan, somado ao de sua esposa, a senhora Huang Li, é de cerca de 504 milhões de euros, que foram usados como garantia pela compra do Milan.

Os dois são acionistas diretos ou indiretos de várias empresas dos ramos de construção, empacotamento e exploração de fosfato, mas são pouco conhecidos até mesmo dos jornalistas chineses especializados em economia. Não figuram nem mesmo na lista das 400 personalidades mais ricas da China.

Em 2012, Yonghong Li foi multado pela bolsa de valores de Xangai por descumprimento de normas de publicidade em negócios locais. O empresário também chegou a ser suspeito de dar um golpe em 18 mil pessoas que depositavam economias em um fundo de investimentos, nos anos 1990, mas já emitiu um comunicado negando qualquer envolvimento com o caso. No ano passado, seu nome constava na lista de proprietários de offshores no famosos vazamento conhecido como “Panama Papers”.

O mistério em torno de Li deve ir se desfazendo nas próximas semanas? Vamos aguardar, pois o empresário nem mesmo viajou a Milão para concluir a transação – o negócio foi conduzido pelo emissário David Han Li e por Marco Fassone, ex-diretor de Napoli, Juventus, Inter e que fará parte da nova administração rossonera.

A estreia da nova diretoria do Milan acontecerá em uma partida enorme e diante de compatriotas: o Derby della Madonnina, realizado com uma Inter há pouco também adquirida por chineses. Será o primeiro e importante passo de uma diretoria que chega transpirando incógnitas e que precisará suar bastante para se aproximar minimamente da história construída por Silvio Berlusconi.

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